Mário Centeno contraria Maria Luís e lamenta “passividade”

Administração do Banif, regulador, governo anterior e Europa são culpados, para o ministro, de “omissão, alguma indulgência, pouca assertividade e muitos tiros ao lado”.

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Mário Centeno, ministro das Finanças Nuno Ferreira Santos

Mário Centeno entrou ao ataque, nesta sua estreia numa Comissão Parlamentar de Inquérito. Mal começou a sua intervenção inicial, ainda antes de qualquer pergunta dos deputados, o ministro das Finanças disse esperar “que se apurem as responsabilidades políticas e de supervisão” e que este inquérito ao Banif investigue se houve, ou não, “falhas graves de condução política e de supervisão” por parte do anterior Governo e do Banco de Portugal.

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Mário Centeno entrou ao ataque, nesta sua estreia numa Comissão Parlamentar de Inquérito. Mal começou a sua intervenção inicial, ainda antes de qualquer pergunta dos deputados, o ministro das Finanças disse esperar “que se apurem as responsabilidades políticas e de supervisão” e que este inquérito ao Banif investigue se houve, ou não, “falhas graves de condução política e de supervisão” por parte do anterior Governo e do Banco de Portugal.

Na quarta-feira, nesta mesma sala 1, perante os mesmíssimos deputados, a sua antecessora, Maria Luís Albuquerque, garantira que a hipótese de resolução do Banif só lhe fora sugerida, pela primeira vez, no dia 12 de Novembro de 2015, pouco antes de sair de funções. Albuquerque fez toda a sua longa audição no pressuposto de que esse cenário não era o seu, e que sempre acreditara na hipótese de uma venda vantajosa do banco. Agora, um dia depois, Mário Centeno conta aos deputados uma história totalmente diferente. 

Exactamente um mês antes da data referida pela ex-ministra, a 12 de Outubro, testemunhou Centeno, foi a própria Maria Luís Albuquerque que o alertou para “as dificuldades que o Banif enfrentava e a premência de uma solução”. Nesse encontro, já depois das legislativas, em que também estiveram presentes António Costa e Pedro Passos Coelho, foram apresentadas por Maria Luís Albuquerque, afirma Centeno, “duas alternativas: resolução ou liquidação, até ao final do ano”. Este será um facto relativamente simples de apurar pelos deputados, em havendo vontade e testemunhas.

Mas Centeno não se limitou a responsabilizar a sua antecessora. “A passividade das autoridades portuguesas e instituições internacionais durante longo tempo esteve na génese da deterioração do valor dos activos do banco.” Mais: houve um conjunto de falhas no processo Banif, que abrangem todos, administração, Governo, Banco de Portugal e Europa, nomeadamente “omissão, alguma indulgência, pouca assertividade e muitos tiros ao lado”.

“Este caso é apenas um exemplo da omissão e do não funcionamento das instituições que acarretam custos para os contribuintes”, criticou o ministro. Por isso, acusa, o Banif “ficará para história como uma das suas lições mais caras”.

A “farsa”

É precisamente a “história” que falta contar, com detalhe. E foi isso que os deputados que se sentam frente-a-frente, na mesa em “U” da comissão, tentaram fazer. Primeiro Mariana Mortágua, do BE. Pegando nas duas notícias do PÚBLICO desta quinta-feira, 7, onde se revelam os emails trocados entre o BCE, a Comissão Europeia (CE), o Banco de Portugal e o Governo, a deputada Mariana Mortágua  chega a uma conclusão: “É uma farsa”. Mário Centeno tenta explicar os tempos da decisão e admite “toda a estranheza que possa existir”. Mas não consegue explicar como é que a CE e o BCE já podiam ter uma posição definida sobre o comprador do Banif – o Santander - antes de terminar o prazo para a resolução e a chegada das propostas finais. “A Comissão Europeia já tinha dito que ia aprovar a proposta do Santander”. E isto, como lembrou a deputada, aconteceu no sábado, 19 de Dezembro, um dia antes de haver sequer a resolução do Banif e ser apresentada a proposta final do banco espanhol.

A deputada do BE considera “chocante” a “hipocrisia” das autoridades europeias e a sua “arbitrariedade”. “O papel de qualquer Governo é contribuir para a melhoria das instituições. Há um longo percurso a fazer” é a resposta de Centeno.

Em causa estavam três hipóteses que poderiam ter evitado a injecção de 2,2 mil milhões de euros do Estado: a fusão do Banif com a Caixa Geral de Depósitos, como defendia o Governo, uma nova recapitalização pública, como queria o Banco de Portugal, ou a criação de um “banco de transição”, que ajudaria, como admitiu Centeno, a ganhar tempo para vender melhor.

Todas essas propostas, que estiveram em cima da mesa desde que Centeno tomou posse, em 26 de Novembro, e a última semana do Banif, que acabou em 20 de Dezembro, foram liminarmente recusadas pelas duas instâncias responsáveis. A Comissão chumbou a fusão com a Caixa, e chegou a usar o termo “oferecer”, para classificar a proposta do Governo. Mortágua pegou no estranho verbo.

“Por que carga de água é que “oferecer” o Banif à CGD era – para Bruxelas – um erro e oferecê-lo ao Santander não tinha problemas?”, perguntou a deputada do BE. Centeno respondeu que “não partilha” dessa análise, evitando criticar a Direcção-Geral da Concorrência.

O ministro explicou detalhadamente os fundamentos da Comissão, assumindo perante os espectadores desatentos desta audição uma responsabilidade que nem sequer é sua. Mortágua concluiu: a Direcção-Geral da Concorrência (DG Comp) não queria o Banif na CGD, mas não se importou que no âmbito da resolução o Estado aplicasse 2255 milhões (a que se somam os 850 milhões já perdidos) antes de o vender ao Santander.

Centeno admitiu que os sucessivos “nãos” da Comissão e do BCE “restringiram” as hipóteses do Governo. “Se houvesse a possibilidade de criar um banco de transição haveria outras alternativas”, lamentou. Mas sempre pondo água na fervura dos deputados.

Vaga de novos documentos

Seguiu-se João Almeida, que pegou no mesmo tema. Mas como entretanto tinha chegado aos deputados um conjunto de mais de 100 emails e cartas trocados entre o Governo e as instâncias europeias, o deputado encontrou uma inesperada linha de ataque a Centeno.

A falta desses documentos já originara duas intervenções de Carlos Abreu Amorim, do PSD, uma fora e outra dentro da sala da comissão. A chegada de documentação já durante o decorrer da audição de Mário Centeno foi a gota de água. Amorim decidiu “instar com bastante veemência para que exista uma maior colaboração do ministério com esta comissão, como a lei obriga e a democracia exige”.

João Almeida, do CDS, lembrou a troca de emails do secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix com três membros da DG Comp, em que o governante português pedia para que a apreciação daquela instituição sobre as propostas de compra do Banif fosse escrita de forma fundamentada. O deputado do CDS elogiou o secretário de Estado neste ponto, mas só para o acusar de seguida. “O mesmo membro do Governo que diz que a proposta não tem sustentação suficiente, quatro minutos depois já diz ‘é suficiente’. Isto diz muito sobre o conceito de bater o pé à Europa.”

Centeno teve ainda de admitir que o primeiro-ministro, António Costa, não levantou o assunto do Banif na reunião do Conselho Europeu que antecedeu a resolução.  E que, de uma forma que parece pouco ortodoxa numa negociação deste tipo, o Santander estava presente na reunião em que se muda o figurino da transacção do Banif de um concurso para uma “venda livre” para um cenário  de resolução.

Centeno acabou por aceitar um martírio desconfortável. É que não foi ele que decidiu a resolução, nem organizou a venda ao Santander. Essas eram competências estritas do Banco de Portugal. Talvez por antes ter criticado a falta de sintonia entre o Governo anterior e o regulador, neste caso, se tenha inibido de limitar as suas responsabilidades neste desfecho.

Garantiu que a decisão de liquidar o Banif teria custado ao Estado mais de 5000 milhões de euros, enquanto a medida de resolução, com a venda ao Santander, custou 2255 milhões, explicou. E ainda desabafou: “Não desejo a ninguém ter de vender um banco num dia.”