Corrupção, a face do mal
Polícias presos em Portugal e protagonistas dos Panama Papers não são assim tão diferentes
Foi uma coincidência interessante. Com o mundo ainda mal refeito da mega-fuga de informação que indicia fraudes financeiras à escala global nas quais estão envolvidos políticos e outras figuras públicas das artes ao desporto, a Polícia Judiciária anunciou a detenção de quinze pessoas suspeitas de autoria de crimes de corrupção activa e passiva, branqueamento de capitais e tráfico de estupefacientes. Ao contrário do que se possa pensar à primeira vista, a actividade dos suspeitos agora detidos, não se diferencia por aí além da que é praticada pelos protagonistas das operações descritas nos Panama Papers, embora nem de longe nem de perto tenham estatuto social comparável a muitos deles. O que está em causa são actos de corrupção envolvendo polícias, que alegadamente receberam milhares de euros e outros valores patrimoniais, pagos por traficantes de droga para travarem investigações. Provavelmente, o dinheiro resultante do tráfico seria depois depositado numa qualquer sociedade offshore, de onde acabaria por sair “lavadinho” e pronto a ser usado em negócios lícitos. Os “facilitadores” não têm nomes sonantes, não são reis nem príncipes, presidentes ou chefes de Governo, são agentes policiais que se colocaram do lado errado da história: um inspector-chefe da PJ e um coordenador reformado da mesma instituição. O director da Europol, responsável pela coordenação das várias polícias europeias, ficou estupefacto com estas detenções. Ao ponto de dizer aos microfones da TSF: “Não vemos muitos exemplos de corrupção a este nível. Este caso pode ser algo invulgar”. A sério, sr. Robert Wainwright? Polícias corruptos não aparecem só nos filmes, o problema situar-se-á antes na capacidade do sistema de os apanhar. É por isso que esta operação, na qual participaram mais de duas centenas e meia de elementos da PJ, além de magistrados judiciais e do Ministério Público, tem também um importante valor simbólico. Significa que quando há meios e vontade política os resultados aparecem. Infelizmente, estas duas condições são um valor escasso, porque há muitos interesses em jogo e porque os políticos mandam cada vez menos. Está à vista a enorme desproporção entre o grande investimento que se faz na construção de máquinas fiscais sofisticadíssimas e as migalhas que os orçamentos destinam ao combate à corrupção. É uma opção com consequências. Depois, quando acontecem escândalos como o dos Panama Papers, dos Swissleaks ou dos Luxleaks, é chocante ouvir o coro de indignação de dirigentes políticos um pouco por todo o mundo, derramando lágrimas de crocodilo como se tivessem ouvido falar da existência destes crimes pela primeira vez. Tratar os cidadãos como mentecaptos só contribui para descredibilizar (ainda) mais os políticos, mas nada que se compare aos danos que provoca na democracia, enquanto matriz de comportamento para se atingir o bem comum. É urgente congregar vontades, disponibilizar meios e dinamizar a acção. Contra a corrupção, esse mal que vai destruindo o mundo.
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Foi uma coincidência interessante. Com o mundo ainda mal refeito da mega-fuga de informação que indicia fraudes financeiras à escala global nas quais estão envolvidos políticos e outras figuras públicas das artes ao desporto, a Polícia Judiciária anunciou a detenção de quinze pessoas suspeitas de autoria de crimes de corrupção activa e passiva, branqueamento de capitais e tráfico de estupefacientes. Ao contrário do que se possa pensar à primeira vista, a actividade dos suspeitos agora detidos, não se diferencia por aí além da que é praticada pelos protagonistas das operações descritas nos Panama Papers, embora nem de longe nem de perto tenham estatuto social comparável a muitos deles. O que está em causa são actos de corrupção envolvendo polícias, que alegadamente receberam milhares de euros e outros valores patrimoniais, pagos por traficantes de droga para travarem investigações. Provavelmente, o dinheiro resultante do tráfico seria depois depositado numa qualquer sociedade offshore, de onde acabaria por sair “lavadinho” e pronto a ser usado em negócios lícitos. Os “facilitadores” não têm nomes sonantes, não são reis nem príncipes, presidentes ou chefes de Governo, são agentes policiais que se colocaram do lado errado da história: um inspector-chefe da PJ e um coordenador reformado da mesma instituição. O director da Europol, responsável pela coordenação das várias polícias europeias, ficou estupefacto com estas detenções. Ao ponto de dizer aos microfones da TSF: “Não vemos muitos exemplos de corrupção a este nível. Este caso pode ser algo invulgar”. A sério, sr. Robert Wainwright? Polícias corruptos não aparecem só nos filmes, o problema situar-se-á antes na capacidade do sistema de os apanhar. É por isso que esta operação, na qual participaram mais de duas centenas e meia de elementos da PJ, além de magistrados judiciais e do Ministério Público, tem também um importante valor simbólico. Significa que quando há meios e vontade política os resultados aparecem. Infelizmente, estas duas condições são um valor escasso, porque há muitos interesses em jogo e porque os políticos mandam cada vez menos. Está à vista a enorme desproporção entre o grande investimento que se faz na construção de máquinas fiscais sofisticadíssimas e as migalhas que os orçamentos destinam ao combate à corrupção. É uma opção com consequências. Depois, quando acontecem escândalos como o dos Panama Papers, dos Swissleaks ou dos Luxleaks, é chocante ouvir o coro de indignação de dirigentes políticos um pouco por todo o mundo, derramando lágrimas de crocodilo como se tivessem ouvido falar da existência destes crimes pela primeira vez. Tratar os cidadãos como mentecaptos só contribui para descredibilizar (ainda) mais os políticos, mas nada que se compare aos danos que provoca na democracia, enquanto matriz de comportamento para se atingir o bem comum. É urgente congregar vontades, disponibilizar meios e dinamizar a acção. Contra a corrupção, esse mal que vai destruindo o mundo.