Nuno Dala, em greve de fome há 27 dias, a “arma secreta” dos activistas
Há quem lhe chame “a arma secreta do grupo” de 17 activistas angolanos que está na cadeia por discutir política. Está em greve de fome porque quer os cartões bancários de volta: a família depende toda dele.
Desde 10 de Março que Nuno Dala está em greve de fome. Detido no Hospital Prisão São Paulo, em Luanda, sobrevive a soro. E o soro tem que ser levado pela família, conta ao PÚBLICO por telefone a mulher Raquel Chiteculo, pois os serviços não o fornecem, queixa-se. “Está em cadeira de rodas, quando queria levantar dizia que o coração batia rápido”, descreve.
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Desde 10 de Março que Nuno Dala está em greve de fome. Detido no Hospital Prisão São Paulo, em Luanda, sobrevive a soro. E o soro tem que ser levado pela família, conta ao PÚBLICO por telefone a mulher Raquel Chiteculo, pois os serviços não o fornecem, queixa-se. “Está em cadeira de rodas, quando queria levantar dizia que o coração batia rápido”, descreve.
Raquel Chiteculo e Nuno Dala têm uma filha de dez meses. Na altura em que Nuno Dala foi preso, a 20 de Junho, a bebé tinha três semanas.
“Se estivesse bem acompanhado não precisávamos de levar o soro”, comenta Raquel Chiteculo, 26 anos. “Queixa-se, está fraco. Se não levar soro fica mesmo mal”.
Nuno Dala, 31 anos, professor universitário, foi condenado no dia 28 de Março a uma pena de prisão de quatro anos e seis meses, com outros 16 activistas, pelos crimes de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”. Iniciou a greve de fome em protesto contra o facto de as autoridades lhe terem confiscado os seus bens na detenção, entre eles Bilhete de Identidade, cartão bancário, computador, impressora, telefone, documentos e livros – terminado o julgamento e ditada a sentença, as autoridades continuam, ainda hoje, na posse de objectos pessoais dos activistas.
A família – mulher e filha, uma irmã de 29 anos e um irmão de 11 anos – dependem financeiramente dele. A renda da casa onde todos vivem está por pagar. A mulher teve que se mudar para casa dos pais. Isto apesar de Nuno Dala ter dinheiro na conta, fruto do seu trabalho como professor na área da Pedagogia. É licenciado em Linguística pela Universidade Agostinho Neto, tirou um mestrado na Universidade de Winnipeg, Canadá, e é especializado em Linguagem Gestual e no ensino especial.
Em início de Março, Raquel Chiteculo fez um post no Facebook, ainda antes de Nuno Dala iniciar a greve de fome, em que ele protestava contra as autoridades por causa das razões que agora evoca para a greve de fome. Diz, por exemplo: “Ao longo da prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Kakila e Hospital Prisão de São Paulo, por força das condições carcerárias desumanas, contraí várias patologias, a saber, infecção urinária, infecção sanguínea, gastrite, degradação da visão e outras doenças não identificadas até hoje, cujos sintomas me afligem sistematicamente”.
Raquel Chiteculo não tem dúvidas: o marido está determinado a levar em frente a greve de fome.
As queixas de tratamento nas prisões têm sido frequentes. Também outro activista, Osvaldo Caholo, entrou em greve de fome e ameaça suicidar-se denunciando falta de água para beber nas prisões. O PÚBLICO tentou contactar o director-geral do Serviço Penitenciário, António Fortunato, mas não obteve resposta.
Ainda esta quarta-feira, a presidente do subcomité de direitos humanos do Parlamento Europeu expressou "profunda preocupação com a sentença" dos 17 activistas e exigiu a intervenção urgente das autoridades para providenciarem as condições médicas adequadas a todos e em particular a Nuno Dala e Nito Alves, que foi diagnosticado com paludismo e pediu para ser transferido para o hospital-prisão. A presidente, Elena Valenciano, apela a que as sentenças sejam anuladas e que os 17 sejam libertos, lembrando os tratados internacionais assinados por Angola. O Parlamento português chumbou o voto de condenação a Angola: PSD, CDS e PCP votaram contra a "ingerência" nos assuntos internos de Angola.
Telemóveis e computadores apreendidos
Nesta terça-feira, a advogada Marisa Moniz deslocou-se ao Tribunal Provincial de Luanda para acompanhar os familiares dos activistas no pedido de recuperação de bens dos detidos. Quiseram devolver os cartões bancários e de identidade às famílias, mas não o material informático, contou.
Marisa Moniz diz que a seguir à investigação os documentos devem ser devolvidos, segundo a lei, “a não ser que o juiz decida que ainda não é o momento certo para entregar” - mas nem os documentos, nem os cartões bancários são matéria de investigação, defende a jurista. A recusa na devolução dos bens foi argumentada com o facto de “ainda constituírem objecto de investigação para o Tribunal Superior”. “Isso não tem lógica nenhuma, o Tribunal Superior não investiga.”
Na carteira de Nuno Dala estaria ainda dinheiro (equivalente a 150 dólares), e os códigos dos cartões bancários – que desapareceram. “No auto de apreensão não consta o dinheiro. Agora é a palavra de Nuno Dala contra a dos agentes”, diz a advogada.
O professor também exige ter acesso aos exames médicos que fez no Hospital Militar – os resultados não lhe chegaram às mãos, queixava-se. A advogada esclarece, porém, que foi investigar e que terá havido um mal-entendido que irá esclarecer com Nuno Dala na próxima visita.
Gertrudes Piedade, 29 anos, a irmã, lembra que ela e o irmão “caçula”, de 11 anos, estão dependentes de Nuno Dala – os pais morreram. O “caçula” não tem como ir à escola por falta de dinheiro para as propinas, denuncia. Defende que o irmão deveria ir para outro local onde a assistência médica é mais apropriada à sua condição. Nuno Dala é diabético, diz.
No ano passado, o rapper Luaty Beirão, um dos detidos, esteve em greve de fome durante 36 dias, chamando a atenção internacional para o caso. Na altura foi transferido para uma clínica em Luanda. A família de Nuno Dala quer que ele o seja também.
O intelectual
Segundo o jornalista e amigo Fernando Guelengue, Nuno Dala tem escrito um livro que está para ser publicado em breve, O Pensamento Político dos Jovens Revús – Discurso e Acção.
Fernando Guelengue conhece-o do Instituto Superior Politécnico do Cazenga, onde Nuno Dala dava aulas. São amigos desde 2013, tal como de outro dos activistas, Domingos da Cruz (autor do livro/brochura que os activistas estavam a discutir e que levou a sentença mais pesada, oito anos e meio de prisão).
Tornaram-se mais próximos com o tempo. “Para mim ele é a arma secreta do grupo. Era das pessoas mais esclarecidas. É muito inteligente.” Defendia “que a destituição do Presidente deveria acontecer por meio de um processo em que a oposição e a sociedade civil estejam preparadas.” Fernando Guelengue lembra-se que ele organizou uma marcha sozinho “mas estava sempre nos bastidores”. “Defendia a democratização das instituições do Estado e a consciencialização do povo para que as injustiças sejam corrigidas. Dificilmente era alguém que pensava em si: primeiro estavam os outros.”
Jesse Lufendo, da organização não-governamental Omunga, lembra-se de conhecer Nuno Dala, pelo menos há três anos, através das redes sociais: Lufendo lia o que Dala escrevia sobre a situação do país e lembra-o como alguém crítico que inclusivamente manifestava discordância sobre as ONG’s fazerem apresentações de projectos em hotéis na capital porque “as pessoas não podiam participar”. “Tem esse carácter crítico”. O activista de direitos humanos lamenta: “Há essa solidariedade porque eles estão numa situação que é consequência da injustiça da nossa justiça”.