Queixas e não só queixinhas
Caso a Comissão Europeia dificulte este inquérito, a Assembleia da República deve processá-la.
Há uma semana Luís Amado foi à Comissão Parlamentar de inquérito ao BANIF, na qualidade de ex-presidente do Conselho de Administração desse banco, e disse que a relação entre o caso BANIF e as instituições da UE o levou a rever — supõe-se que em baixa — a sua visão do projeto europeu.
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Há uma semana Luís Amado foi à Comissão Parlamentar de inquérito ao BANIF, na qualidade de ex-presidente do Conselho de Administração desse banco, e disse que a relação entre o caso BANIF e as instituições da UE o levou a rever — supõe-se que em baixa — a sua visão do projeto europeu.
Enquanto ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado não foi especialmente picuinhas no que diz respeito à UE. Foi ele um dos principais negociadores do Tratado de Lisboa, com o objetivo de contornar os resultados de referendos em dois países da União. Esteve também na berlinda a propósito dos famosos “voos da CIA”, não se notabilizando por ser especialmente cooperante com o respetivo inquérito pelo Parlamento Europeu. Para ter agora revisto a sua posição europeia algo de particularmente grave se há de ter passado.
Ontem, na mesma comissão de inquérito, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, não foi especialmente generoso para com a administração do BANIF a cargo de Luís Amado (e do seu braço executivo, liderado por Jorge Tomé). Mas numa coisa concordou com eles: “é preciso ser muito europeu para deixar passar [em branco] algumas coisas na Europa”.
Ignoro o que vai dizer hoje na mesma Comissão de Inquérito a ex-Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. Mas se assistirmos a mais uma conversão ideológica de última hora, chegou a ocasião de tirar as devidas consequências.
A acusação — uma vezes explícita outra implícita — é que a DG Concorrência da Comissão Europeia e a sua comissária, a dinamarquesa Margrethe Vestager, tenham beneficiado o Banco Santander na privatização do BANIF, favorecendo assim a espanholização da banca portuguesa.
Se isto é assim, a comissária em causa violou os tratados e a Comissão Europeia apoiou um estado-membro contra outro. Caso a Comissão Parlamentar confirme esta suspeita, o governo português tem a obrigação moral — se não mesmo constitucional — de apresentar uma queixa no Tribunal de Justiça da UE contra a Comissão Europeia. E os deputados portugueses — e outros — no Parlamento Europeu têm a obrigação política de iniciar procedimentos para que esta Comissão Europeia caia na sequência de uma moção de censura.
E caso a Comissão Europeia dificulte este inquérito, a Assembleia da República deve processá-la para exigir todas as informações e documentação. Precisamos de queixas em tribunal e não só queixinhas à opinião pública.
A violação do artigo 4 do Tratado da União Europeia (igualdade no tratamento dos estados-membros) é uma das faltas mais graves em que pode incorrer uma instituição da UE. Por muito menos do que isso caiu a Comissão Santer.
Luís Amado pode continuar a ser o homem que esteve três anos à frente do BANIF sem lhe encontrar mais do que investidores da Guiné Equatorial. Carlos Costa pode continuar a ser o governador que no seu mandato assistiu à derrocada de vários bancos numa aparente impotência. E Maria Luís Albuquerque a ministra que empurrou o caso do BANIF com a barriga até ao momento em que estávamos a uma semana de feriados natalícios de o banco ser liquidado.
Todos eles podem ter falhado em dar o sinal de alerta.
Ainda assim, se o que nos dizem é mais do que uma forma de escaparem às suas responsabilidades, Portugal não pode deixar de defender os direitos do país em todas as instâncias e até às mais sérias consequências.