"Os governos europeus não devem deixar a fadiga com as reformas instalar-se"
Romain Alexandre Duval, conselheiro no Departamento Europeu do FMI, defende que Portugal tem à sua disposição várias formas de realizar reformas sem prejudicar a economia no curto prazo.
Romain Alexandre Duval é um dos autores do capítulo do relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que analisa o impacto das reformas estruturais na economia. Em entrevista realizada por email, reconhece que há reformas, como as que mexem nos subsídios de desemprego e no nível de protecção laboral, que afectam a economia no curto prazo, mas defende que há alternativas e métodos para contornar o problema, apelando a um ímpeto reformista na Europa, mesmo em tempo de crise.
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Romain Alexandre Duval é um dos autores do capítulo do relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que analisa o impacto das reformas estruturais na economia. Em entrevista realizada por email, reconhece que há reformas, como as que mexem nos subsídios de desemprego e no nível de protecção laboral, que afectam a economia no curto prazo, mas defende que há alternativas e métodos para contornar o problema, apelando a um ímpeto reformista na Europa, mesmo em tempo de crise.
O que pode fazer um país como Portugal, que está a crescer pouco e tem pouca margem de manobra orçamental, quando as reformas que poderiam ter um efeito de curto prazo positivo implicam algum tipo de estímulo orçamental?
As reformas estruturais são o principal instrumento disponível para aumentar o crescimento, os empregos e a competitividade externa em Portugal. No actual contexto, há espaço para avançar com as reformas no mercado de produtos já iniciadas – tais como as medidas de redução dos custos com energia –, assim como com o aumento da eficácia das políticas activas de emprego para melhorar as qualificação e a ligação ao mercado laboral dos trabalhadores. Estas são duas políticas que a nossa análise conclui que têm efeitos positivos no curto e médio prazo, incluindo quando as condições económicas são fracas.
Mas podem implicar custos orçamentais?
A desregulação do mercado de produtos não implica geralmente custos orçamentais e as políticas activas de emprego podem sempre ser reforçadas de uma forma que seja neutral do ponto de vista orçamental. Outra forma de agir sem custos orçamentais significativos é também aquilo a que chamamos “grandfathering”, que passa por aplicar novas regras no mercado de trabalho apenas a novos beneficiários.
Durante a crise, com as economias muito fracas, os países da zona euro aplicaram reformas com efeitos negativos imediatos na economia. Foi um erro?
As reformas nos países da zona euro foram e continuam a ser cruciais para aumentar o produto e o emprego no longo prazo, para além de reforçar a resiliência a choques macroeconómicos. É essa a sua lógica. A sua questão levanta o problema de saber qual a rapidez com que as reformas começam a produzir resultados, principalmente em tempos de crise. O nosso estudo mostra que as reformas do mercado de produtos até são expansionistas no curto prazo, mesmo em tempos económicos maus. Algumas reformas no mercado de trabalho, como a redução dos impostos sobre os salários, também podem ser positivas. As reformas onde os resultados podem ser mais fracos ou mesmo negativos no curto prazo são as relacionadas com os subsídios de desemprego e a protecção do emprego. Mas, mesmo nessas, há formas de melhorar os impactos de curto prazo.
Muitas das recomendações que faz para melhorar o impacto das reformas implicam mais despesa pública. Acha que as regras orçamentais europeias são suficientemente flexíveis para permitir que os países façam reformas estruturais?
O Pacto de Estabilidade já garante alguma flexibilidade para acomodar a implementação de reformas estruturais que tenham efeitos orçamentais de longo prazo positivos, como as reformas de pensões. Contudo, como temos referido, uma melhor utilização da flexibilidade do Pacto para os países que levam a cabo reformas pode reforçar os incentivos para agir.
Acha que os mercados financeiros avaliam correctamente os efeitos potenciais de longo prazo das reformas estruturais?
Potencialmente, os mercados poderiam, através da subida dos preços dos activos, ajudar a antecipar os benefícios das reformas. E penso que, em alguns casos, têm demonstrado alguma receptividade a isso. Mas esta receptividade não é fácil de avaliar de forma sistemática e nós não o fizemos na nossa análise.
Como é que um governo deve agir quando se está perante uma situação de fadiga das populações relativamente às reformas estruturais?
A necessidade de mais reformas em muitas economias avançadas, nomeadamente na Europa, em conjunto com o crescimento persistentemente baixo, até deveria ser um convite à acção. A nossa análise mostra que as condições económicas fracas têm sido historicamente o indicador mais consistente a prever a realização de reformas. Países como a Austrália e a Holanda nos anos 80 e 90, ou a Alemanha no início deste século, viraram-se com algum sucesso para as reformas estruturais num cenário de crescimento lento e divergência económica. Os governos europeus não devem deixar a fadiga com as reformas instalar-se mas antes avançar com reformas bem desenhadas, em que a prioridade e a sequência são bem definidas, que permitam aumentar os empregos e melhorar o nível de vida, que é aquilo que os cidadãos querem.
Apostar na educação e na inovação não deve ser também uma prioridade?
Realizar reformas nos mercados de trabalho e de produtos é muito importante, mas não chega por si só. São necessárias acções complementares em diversas áreas, incluindo realmente a área da inovação e da educação, que são fundamentais para reverter o declínio no crescimento da produtividade que se regista nas economias avançadas desde o ano 2000 e que foi amplificado pela crise. Um aumento de 40% em I&D pode fazer subir o PIB em 5% no longo prazo. E há muitos estudos que mostram os efeitos positivos de aumentar o nível educativo da população, que é uma questão chave em Portugal.