Stanley Ho tem ligações ao grupo chinês que quer entrar na TAP
HNA comprou low cost do empresário macaense, com o qual a companhia portuguesa fez um negócio ruinoso que está sob investigação. Um dos administradores de Stanley Ho representou o Governo no novo acordo de privatização.
Se a entrada da chinesa Hainan Airlines (HNA) se concretizar, Stanley Ho poderá voltar a cruzar-se com a TAP, depois de a ligação se ter perdido quando vendeu a deficitária unidade de manutenção no Brasil à transportadora aérea portuguesa. O investidor, que já está actualmente afastado da gestão diária dos seus negócios, é sócio da HNA numa companhia de aviação low cost, sedeada em Hong Kong. As duas empresas têm, aliás, acordos comerciais para partilha de voos. Por Portugal, um dos administradores do empresário macaense, Diogo Lacerda Machado, representou o Governo nas negociações com os actuais donos da TAP.
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Se a entrada da chinesa Hainan Airlines (HNA) se concretizar, Stanley Ho poderá voltar a cruzar-se com a TAP, depois de a ligação se ter perdido quando vendeu a deficitária unidade de manutenção no Brasil à transportadora aérea portuguesa. O investidor, que já está actualmente afastado da gestão diária dos seus negócios, é sócio da HNA numa companhia de aviação low cost, sedeada em Hong Kong. As duas empresas têm, aliás, acordos comerciais para partilha de voos. Por Portugal, um dos administradores do empresário macaense, Diogo Lacerda Machado, representou o Governo nas negociações com os actuais donos da TAP.
É na Hong Kong Express que convergem interesses de Ho e do conglomerado chinês que detém a Hainan, o HNA Group. A empresa, fundada em Março de 2004 pelo magnata dos casinos, começou a transportar passageiros no ano seguinte. E foi logo em meados de 2006 que a HNA entrou em cena, com a compra de 45% da participação do empresário macaense. Com esta aquisição, que se seguiu à apropriação, apenas dois meses antes, de outros 45% na CR Airways, a HNA quis recuperar terreno na vertente internacional.
Apesar de não haver praticamente informação sobre a estrutura accionista da Hong Kong Express, sites especializados e a imprensa internacional dão conta de que a participação de Stanley Ho no capital foi diminuindo ao longo do tempo para os actuais 25,3%. Além dos 45% do grupo HNA, o restante capital estará hoje repartido ainda por Mung Kin Keung (15%) e pela China Energy Development (14,7%).
A Hong Kong Express foi inicialmente pensada como companhia de aviação tradicional, mas a agressiva concorrência na região asiática impôs profundas mudanças e, em Junho de 2013, a administração transformou-a numa low cost. O primeiro voo como transportadora de baixo custo, e já sob a nova marca HK Express, aconteceu em Outubro desse ano.
No seu site, a HK Express pouco adianta sobre a sua história, que cinge, aliás, ao momento em que se deu esta reestruturação. Descreve-se como “a primeira e única” low cost de Hong Kong. Além de accionista, a HNA também tem acordos de code-share com a companhia, o que lhe permite vender bilhetes nos seus voos como se fossem seus. Também há referência a parcerias comerciais deste tipo entre a HK Express e outras transportadoras detidas pelo grupo chinês, como a Tianjin Airlines.
No mesmo ano da transformação da HK Express, a holding de Stanley Ho fez um investimento importante no sector da aviação: a compra de 33,3% da Jetstar, uma companhia de aviação de Hong Kong cujo capital partilha com a australiana Qantas Airways e a China Eastern. A empresa, que tem como presidente Pansy Ho (filha do magnata macaense), prometia lançar os primeiros voos no final de 2013, mas tem vindo a debater-se com dificuldades para arrancar. As últimas notícias davam conta de objecções das autoridades na atribuição de licenças e da decisão de suspender novos investimentos e vender todos os aviões.
Negócios investigados
A TAP já foi parceira de Stanley Ho no passado, quando o empresário macaense adquiriu, através da Geocapital (que também tem como sócio o português Jorge Ferro Ribeiro), 85% da VEM, a unidade de manutenção que pertencia à falida Varig. O negócio, que inicialmente colocou 15% da empresa nas mãos da transportadora aérea nacional, foi feito em 2006. No ano seguinte, a TAP adquiriu a participação da Geocapital com um prémio de 20% (4,1 milhões), numa operação que está a ser investigada pela Procuradoria-Geral da República e que motivou buscas e inquirições ao presidente, Fernando Pinto.
A VEM, hoje designada por M&E Brasil, era vista na altura como estratégica pela transportadora aérea, que se comprometeu a recuperar o investimento em oito anos, mas tem vindo a acumular significativas perdas. E isto além de ter obrigado a TAP a desembolsar centenas de milhões de euros por causa de processos judiciais e laborais herdados do tempo em que pertencia à Varig.
Apesar de a parceria se ter desfeito em 2007, a Geocapital voltou a cruzar-se, indirectamente, com a companhia de aviação portuguesa à conta da privatização. Diogo Lacerda Machado, um dos administradores da sociedade de Stanley Ho e Ferro Ribeiro (que já ocupava o cargo na altura do negócio da VEM), foi chamado pelo Governo para negociar, em representação do Estado, o novo acordo de venda da TAP com a Atlantic Gateway.
O executivo tem argumentado que tem direito a recolher opiniões de terceiros para tomar decisões, mas a realidade é que Lacerda Machado foi parte activa nas negociações, estando presente em sucessivas reuniões com o consórcio privado. Esta intervenção levou o PSD a exigir a presença de Lacerda Machado no Parlamento, para dar explicações sobre o negócio. Mas, apesar de a audição já ter sido aprovada, ainda não há data marcada, tal como acontece para os restantes responsáveis que serão ouvidos, como é o caso do ex-ministro da Economia, António Pires de Lima, ou dos actuais donos da TAP.
À espera do contrato
A entrada da HNA no capital da TAP é um tema que não está totalmente clarificado, neste momento. À partida, tratar-se-á de uma participação indirecta, através da Azul. Esta companhia de aviação brasileira foi fundada por um dos sócios do consórcio que actualmente controla a transportadora portuguesa (Atlantic Gateway), o empresário norte-americano David Neeleman, e é detida em cerca de 24% pelo grupo chinês. E será com dinheiro da HNA que a Azul vai fazer um empréstimo obrigacionista até 120 milhões de euros à TAP, convertível mais tarde em acções.
No mínimo, o financiamento será de 90 milhões, mas pode ir mais longe se o Estado não entrar, como é esperado, com uma parcela de 30 milhões. Com a conversão em acções, a Azul tornar-se-á accionista da Atlantic Gateway e o controlo da HNA será exercido, assim, de forma indirecta. Porém, nos documentos que foram aprovados pelo Governo, quando chegou a acordo com o consórcio privado que detém a TAP para aumentar a posição do Estado para 50%, também foi autorizada a entrada directa do grupo chinês no capital.
Mas qualquer alteração na estrutura accionista da transportadora aérea portuguesa terá sempre de ser autorizada pelo regulador da aviação. A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) tem de ser notificada destas mudanças e de outras que possam ocorrer, nomeadamente quando o Estado reforçar o poder na companhia. E, até agora, o supervisor não foi chamado a pronunciar-se sobre este tipo de temas, visto que nenhuma alteração foi formalizada.
Aliás, até mesmo o novo acordo de privatização a que o Governo chegou com a Atlantic Gateway não passa ainda de um memorando de entendimento, anunciado há já quase dois meses, sem que exista ainda um contrato firmado entre as partes. Foi definido um limite para que o acordo fosse materializado, 30 de Abril, mas trata-se de uma data meramente indicativa. Neste momento, continuam as conversações para o materializar.
A ANAC tem, no entanto, sido chamada a pronunciar-se sobre as decisões tomadas pela TAP desde que, em meados de Fevereiro, bloqueou a gestão da companhia, depois de concluir que a actual estrutura accionista não respeita o regulamento comunitário (que impede que as transportadoras aéreas sejam controladas por investidores de fora da Europa). David Neeleman é o sócio minoritário, estando a maioria do capital nas mãos do português Humberto Pedrosa, mas o empresário norte-americano tem acções especiais e entra com a principal fatia de investimento. Uma das decisões aprovadas pelo regulador foi o empréstimo de 120 milhões de euros.