Existência de uma maioria de esquerda trava revisão constitucional

É formalmente possível alterar hoje de novo a Constituição, mas maioria que suporta o Governo revê-se no actual texto fundamental.

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António Costa com Catarina Martins, do BE, no Parlamento: unidos nos “não” à revisão NUNO FERREIRA SANTOS

Quarenta anos depois de ter sido aprovada a Constituição da República portuguesa e dezanove anos passados sobre a última grande revisão constitucional será politicamente difícil o Parlamento avançar para um novo processo de revisão. A disponibilidade do PS para participar com o PSD na maioria qualificada de dois terços necessária a uma revisão é travada pela existência de uma maioria de esquerda, na qual o BE e o PCP suportam o Governo socialista, depois de terem derrubado no Parlamento o executivo de direita Portugal à Frente.

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Quarenta anos depois de ter sido aprovada a Constituição da República portuguesa e dezanove anos passados sobre a última grande revisão constitucional será politicamente difícil o Parlamento avançar para um novo processo de revisão. A disponibilidade do PS para participar com o PSD na maioria qualificada de dois terços necessária a uma revisão é travada pela existência de uma maioria de esquerda, na qual o BE e o PCP suportam o Governo socialista, depois de terem derrubado no Parlamento o executivo de direita Portugal à Frente.

Sublinhando que os socialistas não pensam “na Constituição em função do Governo actual e dos partidos que apoiam o Governo”, o líder parlamentar do PS, Carlos César, reafirma a recusa do seu partido em rever “a curto prazo” a Constituição, expressa já por António Costa ao PÚBLICO.

 “Em 2016, o PS não abrirá nenhum processo e entenderá como extemporâneo e injustificado que seja aberto”, garante César que faz mesmo questão de salientar a forma como os socialistas assumem o texto constitucional: “Não vemos a Constituição como um obstáculo, mas sim como um estímulo e um elemento protector.”

Esta posição retira assim qualquer hipótese de abertura de um processo de revisão constitucional ordinário, que seria a 8ª revisão. Sublinhe-se, aliás, que, desde 2010, a Constituição pode ser revista, tendo sido aberto, nesse ano, um processo que morreu um ano depois com a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas. Já depois disso, em 2014, o PSD-Madeira avançou com um projecto reabrindo mais uma vez o processo, mas sem que mais ninguém acompanhasse.

O “cimento” do Governo

“O nosso programa não é o dos acórdãos do Tribunal Constitucional, agora ele não é anticonstitucional e parece-me sólida a ideia de que, nos desafios actuais, há proximidade na avaliação da Constituição que o PS faz com o BE e o PCP”, afirma Carlos César assumindo uma identificação do Governo com o texto da lei fundamental, que é corroborada por Catarina Martins, coordenadora do BE: “A maioria parlamentar que suporta o Governo tem, no compromisso de cumprir a Constituição, boa parte do seu cimento”.

Daí que Catarina Martins considere que, “embora o BE até tenha alterações a propor”, no sentido de dar mais espaço aos cidadãos no sistema político, “não há condições políticas concretas para avançar com um processo de revisão.” As razões da coordenadora do BE são duas. “Não se aconselha a revisão da lei fundamental quando está em causa uma pressão externa para que haja perda de soberania”, tendo em conta as exigências dos tratados da União Europeia. Além disso, Catarina Martins considera que “a lei fundamental não pode ser alterada estruturalmente para responder a pressões e problemas conjunturais”, como seja para permitir cortes em salários e pensões, “sem que haja debate estrutural”.

O PCP opõe-se também a uma revisão. João Oliveira, líder parlamentar dos comunistas, sublinha mesmo que “a justeza da posição do PCP” de oposição sistemática às anteriores revisões é comprovada pelo “facto de, nos últimos quatro anos, perante a política executada pelo Governo do PSD e do CDS, os portugueses terem encontrado na Constituição um elemento de defesa dos seus direitos”. Isto “confirma não só a importância da Constituição, mas a importância da sua defesa”, sublinha João Oliveira, frisando que, “perante os cortes de salários, das pensões, foi a Constituição que defendeu os interesses das pessoas”.

Um unanimismo também reconhecido pelo presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, que afirmou ao PÚBLICO não saber se hoje “uma revisão constitucional fará sentido na medida em que, nestes 40 anos, a Constituição mostrou” a sua validade. E refere “a última solução de Governo” como a demonstração de que “a Constituição contém em si as possibilidades destas serem levadas para a frente”.

Até a oposição considera que não há espaço para rever a Constituição. O líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, é peremptório a considerar que “os últimos meses tornaram muito difícil, para não dizer impossível, uma revisão constitucional, por força de decisão táctica de um dos partidos do chamado arco da governação, o PS”, que, “através do seu secretário-geral fez questão de, como ele disse, matar o arco da governação que é o arco constitucional”. Considerando que “houve uma radicalização do PS”, a qual deu origem “a dois blocos, um do centro direita, outro muito à esquerda”, Nuno Magalhães conclui que “matar o arco da governação tem um preço e isto faz parte desse preço”.

PS, o “conservador”

Já o dirigente do PSD e vice presidente da Assembleia, José Matos Correia, garante ao PÚBLICO que o problema vem de trás. “Não há revisão porque não há entendimento entre o PS e o PSD sobre isso”, afirma o vice-presidente do PSD, acrescentando: “A rejeição do PS já vem de trás, não creio que a gerigonça tenha influenciado. Mas não posso pôr de parte que hoje há uma esquerdização do PS e uma aproximação ao BE que pode agravar essa posição”.

E lembrando que em matéria de revisão constitucional o PSD tem sido sempre mais ousado, Matos Correia afirma: “A Constituição merecia uma série de clarificações que o PS recusa. O PS é um partido conservador. Estamos habituados a apresentar e os socialistas correm atrás do prejuízo. Foi PS que se opôs num primeiro momento à revisão que fez a reversão das nacionalizações, a liberalização da rádio e TV.”

Matos Correia foi autor de um projecto de revisão em 2010 que propunha a alteração de um só artigo, o que determina o poder do Presidente da República, no sentido de que fosse abolida a proibição de dissolver nos últimos seis meses do mandato. E é com essa experiência que assume que até “pode algum partido avançar com a abertura do processo, mas é para fazer número político”. E clarifica que esse papel não será desempenhado pelo PSD: “Nós não o faremos, não temos uma visão instrumental da Constituição. Os portugueses merecem mais dos seus políticos do que criarem jogos para serem notícias de jornal”.

Por seu lado, o presidente da Assembleia da República considera que só haverá revisão “no momento em que houver um número suficiente de questões importantes que a justifiquem”. E entende que esse momento não é chegado, argumentando mesmo que a dificuldade que o anterior “Governo teve em levar à prática algumas medidas” de governação, “não é problema que derive da especificidade da Constituição” portuguesa, mas é um problema inerentes a todas. Isto porque, por exemplo, “qualquer Constituição defende o princípio da previsibilidade, o princípio da confiança”, logo, “os princípios que foram invocados na maior parte das decisões do Tribunal Constitucional são princípios que não existem só na Constituição portuguesa”.

Ferro defende ainda que uma revisão a ocorrer terá de ser sempre “abrangente” para ampliar consensos, pelo que “ questões como as que foram levantadas sobre as regiões autónomas ou sobre o Banco de Portugal, são importantes mas ainda insuficientes para uma profunda revisão constitucional”.

Também Carlos César defende que há poucas razões para uma revisão agora. Rejeitando a possibilidade de ir a jogo com a intenção do CDS sobre a nomeação do governador do Banco de Portugal ou sobre a autonomia regional. Esta última “está limitada pelo facto de que só depois das regionais de Outubro haverá debate sobre o assunto nos Açores”.