PS altera lei das rendas para proteger lojas históricas

Projecto que será discutido na sexta-feira alarga período transitório para aumento das rendas até 2027. Será suficiente para salvar o património que está a desaparecer "todas as semanas"?

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Lojas seculares que fecham ou estão em risco de fechar, rendas que disparam e se tornam incomportáveis, senhorios que fazem obras nos edifícios e dão ordem de despejo aos inquilinos ditando o fim de espaços únicos na cidade – o desaparecimento das lojas históricas de Lisboa tornou-se notícia frequente.

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Lojas seculares que fecham ou estão em risco de fechar, rendas que disparam e se tornam incomportáveis, senhorios que fazem obras nos edifícios e dão ordem de despejo aos inquilinos ditando o fim de espaços únicos na cidade – o desaparecimento das lojas históricas de Lisboa tornou-se notícia frequente.

Para tentar travar este fenómeno, o Partido Socialista entregou no Parlamento um projecto que prevê a alteração da lei das rendas para proteger o comércio histórico, cuja discussão está prevista para a próxima sexta-feira, disse ao PÚBLICO Pedro Delgado Alves, o deputado responsável pela proposta. Esta passa por um alargamento do regime transitório da lei das rendas que garanta que este tipo de espaços não sofrerá grandes aumentos de renda até 2027 (actualmente o regime transitório está em vigor até 2017).

“É uma forma de protecção contra aumentos repentinos de rendas”, explica o deputado, sublinhando que é também proposto que este alargamento do regime transitório abranja os inquilinos com mais de 65 anos, porque “não faria sentido” oferecer essa vantagem às lojas históricas e não aos mais idosos. Quanto à entrada em vigor da lei, pretende-se que seja “o mais célere possível”.

As lojas e entidades que beneficiarão desta protecção são as que forem classificadas pelo município como “estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural”. Esse processo de classificação já podia ser feito – e para isso a Câmara criou o programa Lojas com História –, mas o que estava previsto por lei era, essencialmente, a protecção do edifício, explica Delgado Alves. “Agora cria-se a possibilidade de classificação a partir do acervo, do relevo para a memória histórica da cidade e outros critérios” mais ligados à actividade propriamente dita e não apenas ao edificado.

Os espaço assim classificados ficam também protegidos das regras aplicáveis depois da reabilitação de imóveis, que actualmente permitem que um senhorio que proceda a obras profundas possa cancelar o contrato com o inquilino proprietário da loja e dar-lhe ordem de despejo. Este tem sido, aliás, o problema maior nos últimos tempos. 

Dado que o período transitório da lei das rendas ainda se prolonga até 2017, os casos mais mediáticos de encerramento de espaços históricos, como as discotecas do Cais do Sodré, devem-se sobretudo a obras de requalificação. Quando entrar em vigor, a alteração da lei terá efeito apenas para novos projectos de obras, esclarece Delgado Alves, embora no caso das rendas possa aplicar-se a situações de litígio a decorrer porque ainda estão dentro do período transitório original.

“Hoje pode-se pôr uma loja com 200 anos na rua em seis meses”, resume Catarina Portas, proprietária das lojas A Vida Portuguesa, que tem sido uma das principais defensoras da necessidade de se proteger o comércio histórico e faz parte do Conselho Consultivo do programa Lojas com História, da Câmara, ao lado de vários olissipógrafos, professores universitários, agentes culturais e cidadãos preocupados com o futuro do comércio mais característico da cidade.

A iniciativa do PS “é um bom começo mas ainda há muito a fazer”, sublinha Portas, citando como exemplo iniciativas em Genebra ou em Paris destinadas a proteger as livrarias. No caso da capital francesa, a Câmara, apercebendo-se que muitas livrarias estavam a desaparecer, comprou espaços comerciais que aluga a preços bonificados aos livreiros. “A Livraria Portuguesa e Brasileira de Michel Chandeigne é um dos casos”, conta Catarina Portas.

Apesar de este ser um problema comum a várias cidades, a empresária diz estar particularmente preocupada com o que se passa em Lisboa neste momento, porque há uma coincidência de três factores: a alteração da lei das rendas, a pressão turística e “o investimento imobiliário estrangeiro”. “As três coisas coincidiram no tempo e isso é que é dramático”, diz, confessando que todos os finais de mês fica “com o coração nas mãos” a pensar quantas mais lojas históricas irão fechar.

“Muitos dos contratos que foram negociados com a nova lei das rendas e que não tinham limite passaram a ser de cinco anos e neste momento há vários a chegar ao fim”, alerta. Por tudo isto, mostra-se satisfeita com a proposta agora apresentada pelos socialistas. “É uma ideia que começámos a discutir há um ano no Conselho Consultivo do Lojas com História. Isto prova como este programa está a ser importante, apesar de nem sempre ter sido pacífico dentro da própria Câmara, que o interrompeu recentemente, mantendo-o parado durante quase quatro meses”, afirma.

O Lojas com História, que envolve uma colaboração entre a Câmara e a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, já definiu os critérios de classificação e está a fazer o trabalho de levantamento das lojas. Albio Nascimento, que participa no programa pelo lado da faculdade, explica que muito desse trabalho tem passado pela recolha de informações relativas à actividade e à história de cada estabelecimento. “Foi nessas duas áreas que sentimos mais falta de documentação, o edificado era o que já estava mais trabalhado.”

A iniciativa do PS vai ajudar, claro, mas “não é suficiente”, na opinião de Albio Nascimento. “É uma boa notícia, mas vai apenas adiar o problema. Precisávamos de uma protecção mais efectiva. Estamos a ver lojas fechar todas as semanas. Isto vai tranquilizar os lojistas por agora, mas não os vai deixar descansados em relação ao futuro. E neste momento 99% dos lojistas com quem falamos não vêem como vão conseguir manter o negócio.”