Hemingway e Miró: um quadro no centro de uma amizade insuspeita
Ernest Hemingway comprou La Masía a Joan Miró em 1925, em Paris. Foi o início de uma amizade que durou a vida de ambos.
La Masía, uma tela a óleo que Joan Miró (1893-1983) pintou entre 1921-22, é uma das obras-primas da colecção da National Gallery de Washington. É vista como uma obra de topo da primeira fase da criação do artista catalão que viria a marcar o movimento surrealista europeu. Mas é mais do que isso – é o elo de ligação, e o testemunho da amizade entre dois artistas que não se imaginaria tão próximos: Miró e… Ernest Hemingway (1899-1961).
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La Masía, uma tela a óleo que Joan Miró (1893-1983) pintou entre 1921-22, é uma das obras-primas da colecção da National Gallery de Washington. É vista como uma obra de topo da primeira fase da criação do artista catalão que viria a marcar o movimento surrealista europeu. Mas é mais do que isso – é o elo de ligação, e o testemunho da amizade entre dois artistas que não se imaginaria tão próximos: Miró e… Ernest Hemingway (1899-1961).
É esta relação, iniciada a meio da década de 20, quando o escritor Nobel norte-americano adquiriu aquele quadro em Paris, que está no centro do livro, recentemente editado em Espanha, La Masía. Um Miró para Mrs. Hemingway, de Àlex Fernández de Castro (edição Universidade de Valência).
Professor de Arte e História na Universidade Ramon Llull, em Barcelona, Castro demorou cinco anos a investigar e escrever este livro, que não apenas reconstitui a história da aquisição do quadro por Hemingway, mas também revela a posterior relação de amizade entre este e Miró. La Masía reproduz, em traços de pintura naïf, a casa de campo que a família do pintor adquiriu no início do século XX na localidade catalã de Mont-roig del Camp, em Tarragona. Foi pintado ao longo de “nove meses de trabalho constante e pesado”, disse Miró, acrescentando ter sofrido “muito, barbaramente”, durante esse período que começou na Catalunha e só terminou em Paris. La Masía retrata aquilo que então preenchia o quotidiano do pintor, das casas ao jardim e à árvore, passando pelas alfaias e pelos objectos de uso doméstico.
Hemingway viu nele o retrato fiel do país da Fiesta. La Masía tem “tudo aquilo que sentes pela Espanha quando estás lá, e tudo o que sentes quando estás longe e não podes ir lá”, escreveu o autor, em 1934.
A forma como Hemingway adquiriu o quadro é, por outro lado, mais um episódio aventuroso daqueles que também fizeram a imagem e o carisma do autor de O Velho e o Mar: em 1925, depois de ter visto La Masía numa exposição e sabendo que Evan Shipman (1904-1957), um poeta seu amigo, o tinha reservado, desafiou-o a jogar o destino do quadro aos dados, ou com moeda ao ar… – Àlex Fernández de Castro cita estas duas versões da estória, que depois prosseguiria com uma digressão nocturna dos dois escritores pelos bares de Paris a pedir dinheiro emprestado para a aquisição da pintura.
Miró terá depois manifestado o seu agrado pelo facto de a sua obra ter ido parar às mãos de Hemingway, e o “negócio” – que terá custado 3.500 francos – tornou-se o início de uma amizade entre ambos, que se prolongaria pelos anos e chegaria inclusivamente aos ringues de boxe, de que os dois eram fãs. “Às vezes, víamo-nos ‘cara a cara’ no ringue. ‘Cara a cara’ é uma maneira de dizer. Ele era um gigante, um colosso, e eu muito baixote. Era muito cómico”, recordou Miró em 1978, já após o suicídio do escritor.
O autor de La Masía. Um Miró para Mrs. Hemingway acrescenta: “Poucas vezes se registou uma amizade entre dois artistas mais diferentes. Um era alto e forte, o outro baixito, ainda que gostasse da actividade física. E também de carácter, já que Hemingway era extrovertido, fanfarrão, com um ego espampanante, descuidado no vestir, bebedor compulsivo e viajante; o outro era tímido, sedentário, bebedor moderado...”. A amizade prolongou-se pela vida adiante, sempre com La Masía em fundo.
O quadro, que Hemingway foi ora guardando ora deixando nas casas das mulheres de quem se ia separando, acabou oferecido pela última destas, Mary Welsh, à National Gallery de Washington, em 1968.