Zuma fragilizado por veredicto que o obriga a reembolsar Estado

Instância máxima da África do Sul diz que o Presidente não cumpriu dever de "defender e respeitar" a Constituição. Obras na sua residência custaram mais de 16 milhões de euros.

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O Tribunal Constitucional sul-africano ordenou ao Presidente Jacob Zuma que reembolse uma parte dos mais de 16 milhões de euros gastos pelo Estado nas obras de expansão da sua residência familiar, uma decisão histórica que fragiliza tanto política como financeiramente o chefe de Estado, no centro de vários escândalos. A maioria de que o ANC dispõe no Parlamento escuda Zuma das tentativas da oposição para o destituir, mas o veredicto instiga os que dentro do partido defendem o seu afastamento.

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O Tribunal Constitucional sul-africano ordenou ao Presidente Jacob Zuma que reembolse uma parte dos mais de 16 milhões de euros gastos pelo Estado nas obras de expansão da sua residência familiar, uma decisão histórica que fragiliza tanto política como financeiramente o chefe de Estado, no centro de vários escândalos. A maioria de que o ANC dispõe no Parlamento escuda Zuma das tentativas da oposição para o destituir, mas o veredicto instiga os que dentro do partido defendem o seu afastamento.

Culminando um caso que se arrasta há seis anos, a instância suprema da África do Sul concluiu que Zuma não cumpriu o dever de “garantir, defender e respeitar” a Constituição, de que deveria ser guardião, quando em 2014 ignorou o parecer da provedora anticorrupção, Thuli Madonsela, de que tinha “beneficiado indevidamente” de fundos públicos.

Em causa, as obras realizadas em 2009 na casa que possui na província de KwaZulu-Natal, e que incluíram, além de uma enorme vedação, uma piscina, um anfiteatro, um cercado para gado e um galinheiro. A provedora ordenou a devolução do dinheiro gasto nos melhoramentos não relacionados com o reforço da segurança – a justificação oficial para a despesa –, mas o Presidente e líder do Congresso Nacional Africano (ANC) recusou obedecer e pediu o parecer de comissões sob a tutela do Governo, que o exoneraram.

A oposição levou o caso ao Constitucional que, numa afirmação de independência face ao poder político, concluiu por unanimidade que o Presidente manifestou um “desrespeito substancial” pelos poderes que a Constituição confere à provedora, descrita na audiência desta quinta-feira como “a personificação da personagem bíblica de David” na luta contra o Golias da corrupção.

O Ministério das Finanças tem agora 60 dias para determinar qual foi o “custo razoável” das obras que nada tiveram a ver com a protecção da moradia e o Presidente terá depois 45 dias para reembolsar o Estado. Não é ainda claro qual o montante em causa, mas Madonsela adiantou à Reuters que o seu cálculo inicial apontava para 10 milhões de rands (587 mil euros), um valor que é quase quatro vezes o salário anual do Presidente sul-africano, que já anunciou que vai respeitar a decisão e  prometeu “reflectir sobre o veredicto”.

À saída do tribunal, Mmusi Maimane, líder da Aliança Democrática, o maior partido da oposição, disse que Zuma deixou de ter condições para se manter no cargo e anunciou que vai entregar no Parlamento uma moção para exigir a sua destituição. Julius Malema, antigo líder da juventude do ANC e fundador do partido radical Combatentes pela Liberdade Económica, que inúmeras vezes exigiu a Zuma que devolvesse o dinheiro, alegou que não resta outra opção ao ANC “que não seja demitir o Presidente”.  

Para ser aprovada, a destituição do Presidente teria de ser aprovada por dois terços dos deputados, uma fasquia difícil de ser atingida – apesar da contestação interna, o Congresso Nacional Africano (ANC) detém 249 dos 400 assentos no Parlamento. No entanto, os analistas não descartam a possibilidade de o histórico partido anti-apartheid deixar cair o seu líder, como fez com o ex-Presidente Thabo Mbeki, em 2008. Para já foi convocada uma reunião da cúpula do partido, na qual Zuma tem assento, para discutir “a natureza grave” do veredicto.

Citado em vários escândalos, o sempre polémico Presidente, de 73 anos viu a sua popularidade cair ainda mais depois de, em Dezembro, ter demitido abruptamente o então ministro das Finanças, numa decisão que fez o rand cair a pique. A contestação no ANC subiu de tom e o veredicto desta quinta-feira promete engrossá-la. “Todo o país espera com a respiração suspensa que ele ou o ANC tomem a decisão correcta e nos livrem deste pesadelo”, afirmou Mathews Phosa, antigo Tesoureiro do partido e o primeiro a pedir abertamente a sua demissão.