Morreu a arquitecta Zaha Hadid, a primeira mulher a ganhar o Pritzker
A arquitecta britânica de origem iraquiana morreu inesperadamente em Miami aos 65 anos.
A arquitecta Zaha Hadid morreu esta quinta-feira de ataque cardíaco em Miami aos 65 anos. “É com imensa tristeza que a Zaha Hadid Architects confirma que Zaha Hadid morreu subitamente às primeiras horas da manhã em Miami. Tinha contraído uma bronquite no início desta semana e teve um ataque cardíaco enquanto estava a ser tratada no hospital”, divulgou em comunicado o seu atelier.
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A arquitecta Zaha Hadid morreu esta quinta-feira de ataque cardíaco em Miami aos 65 anos. “É com imensa tristeza que a Zaha Hadid Architects confirma que Zaha Hadid morreu subitamente às primeiras horas da manhã em Miami. Tinha contraído uma bronquite no início desta semana e teve um ataque cardíaco enquanto estava a ser tratada no hospital”, divulgou em comunicado o seu atelier.
Hadid, uma britânica de origem iraquiana, foi a primeira mulher a ganhar o Prémio Pritzker de Arquitectura em 2004, a distinção mais importante na área. Habituada a ser pioneira num mundo de homens, foi também a primeira mulher a ganhar a medalha de ouro do RIBA em 2015, o prémio do Royal Institute of British Architects, 170 anos depois de ter sido instituído.
Conhecida pelos seus projectos que propõem espaços fluidos, Zaha Hadid desenhou, por exemplo, o Centro Aquático das Olimpíadas de Londres, o Centro Cultural Heydar Aliyev, em Baku, no Azerbaijão, o museu MAXXI, em Roma, a Ópera Guangzhou e a Innovation Tower de Hong Kong, ambos na China, a sede da BMW em Leipzig, na Alemanha, e o Centro Rosenthal de Arte Contemporânea, no Ohio, Estados Unidos.
Da matemática para a arquitectura
Hadid nasceu em Bagdad, no Iraque, em 1950, mas foi na Universidade Americana de Beirute que estudou Matemáticas, antes de optar pela Arquitectura. Em 1972 começou a sua formação na Architectural Association, em Londres, onde teve entre os seus professores o suíço Bernard Tschumi, o grego Elia Zenghelis e o holandês Rem Koolhaas, vindo a trabalhar com os dois últimos antes de, sete anos mais tarde, criar o seu próprio atelier na capital britânica – Zaha Hadid Architects –, hoje uma máquina impressionante com centenas de funcionários e representações em várias cidades do mundo.
Lembra o atelier no comunicado em que dá conta da sua morte que Hadid deu nas vistas logo no começo dos anos 1980, com os seus primeiros trabalhos, propostas para edifícios como The Peak (1983), em Hong Kong, que nunca chegaram a sair do papel.
A primeira encomenda importante da arquitecta, a que estabeleceu a sua reputação internacional, foi o Posto de Bombeiros (1993), em Weil am Rhein, na Alemanha, lembra ainda o atelier, numa prática que se viria a distinguir "pela inclusão de tecnologias inovadoras resultando numa arquitectura de formas inesperadas e dinâmicas". Quando ganhou o Pritzker, era uma arquitecta já surpreendentemente famosa, tendo em conta a quantidade de obra construída.
O presidente do júri do Pritzker, Jacob Rothschild, disse então que a arquitectura de Hadid é "sempre inventiva" e "alterou a geometria dos edifícios", afastando-se das tipologias existentes. Na mesma altura, Frank Gehry, também membro do júri e prémio Pritzker em 1989, sublinhou a clareza do seu percurso arquitectónico, acrescentando que cada novo "projecto é estimulante e inovador".
Numa entrevista ao El País, disse como estava agradecida a Gehry por Bilbau, por ter conseguido chegar onde não a deixaram ir, um dos seus temas preferidos: “O Guggenheim abriu a porta. Tinha de ser aberta por um homem. A mim não me teriam deixado. Por isso, estou-lhe agradecida. Graças a esse projecto já pude construir.”
O lendário mau feitio
Peter Cook, que escreveu o seu elogio na altura da medalha RIBA, falou do seu talento, mas também do seu mau feitio. “É verdade que o seu trabalho, embora cheio de forma, estilo e de um maneirismo desbragado, possui uma qualidade que alguns de nós podem descrever como um ‘olho’ impecável.” Durante três décadas, continuou, “aventurou-se onde poucos se atrevem”. E concluía: “Tanta autoconfiança é facilmente aceitável em realizadores e treinadores de futebol, mas alguns arquitectos sentem-se desconfortáveis, talvez estejam secretamente ciumentos do seu talento inquestionável.”
De personalidade forte – os obstáculos que de início teve de vencer para se afirmar numa área em que as mulheres eram olhadas com desconfiança fizeram-na assim, dizia –, Hadid parecia sempre disposta a defender os seus pontos de vista, mesmo que essa defesa lhe valesse duras críticas, como aconteceu em Setembro do ano passado, quando abandonou uma entrevista em directo na rádio pública britânica, feita a propósito da medalha RIBA.
As coisas em estúdio começaram a correr mal quando a jornalista da BBC Sarah Montague alegou que tinham morrido trabalhadores no estaleiro do Estádio de Al-Wakrah, que a arquitecta desenhou para o Campeonato do Mundo de futebol no Qatar, em 2022. “Isso é absolutamente falso – não há, de todo, mortes no nosso estádio. Eu processei alguém na imprensa por causa disso. Você devia verificar os seus factos”, disse Hadid.
Mais à frente, a apresentadora do programa da Radio 4 quis saber o que se passava com outro dos seus estádios, o dos Jogos Olímpicos de Tóquio de 2020, avançando que o primeiro-ministro nipónico decidira cancelá-lo devido aos seus custos astronómicos, substituindo-o por outro do arquitecto japonês Kengo Kuma. Quando a arquitecta estava a explicar-lhe que o que se passara em Tóquio fora um “escândalo”, a jornalista interrompeu-a para dizer que o programa estava a chegar ao fim e que ainda tinha mais algumas perguntas para lhe fazer. Foi aí que Hadid se levantou e, antes de sair deixando a jornalista pendurada, ainda lhe disse: “Não me faça perguntas se não quer que eu lhe responda. (…) Vamos acabar já com esta conversa.”
Em discurso directo
Quando ganhou a medalha RIBA, o jornalista Richard Waite perguntou-lhe, nas páginas do jornal da Associação de Arquitectos britânica, como via o facto de ser mulher num mundo de homens: “Ainda há um estigma em relação às mulheres. Mas já mudou muito – há 30 anos as pessoas achavam que as mulheres não conseguiam fazer um edifício. Essa ideia desapareceu, embora haja ainda um enorme preconceito”, disse. “As pessoas fazem-me perguntas a toda a hora sobre mulheres e arquitectura – eu realmente não sei o que responder.”
Com sentido de humor, Hadid resumia assim um dos obstáculos que as mulheres enfrentavam na arquitectura e noutras profissões habitualmente dominadas por homens: “Há lugares a que, como mulher, não podemos ir. Não podemos sair com os rapazes para jogar golfe, tomar um copo ou fazer vela. Ou melhor, podemos ir, mas nunca somos verdadeiramente incluídas.”
Na mesma entrevista, Hadid admitia que o que pensava sobre a arquitectura não mudara muito desde o início – “Ainda sou agressiva na procura de novas soluções e de novas formas de representar um programa [arquitectónico]” –, mas que a experiência e os conhecimentos técnicos acumulados a impediam de repetir erros do passado.
Num futuro claramente marcado por uma crise de alojamento nas cidades, disse-o em várias entrevistas, Hadid, associada a edifícios de custos elevados (estádios, museus nacionais, teatros de ópera), gostaria de dedicar parte do seu tempo a reflectir sobre a habitação social, sobre as mudanças que nela podia introduzir. Isto, sem abdicar da possibilidade de criar lugares capazes de inspirar as pessoas.
Todos os edifícios, mesmo um arranha-céus comercial, devem ter uma “componente cívica”, defendia, um espaço onde as pessoas pudessem construir múltiplos sentidos de comunidade. Isto porque, em cidades cada vez mais complexas e diversas em termos étnicos e culturais, é preciso criar territórios com que as pessoas se possa identificar, onde se sintam bem. “Construir comunidades fechadas, como mini-Kremlins, é um grande passo atrás – uma forma muito arcaica de viver”, argumentava, identificando como principais desafios da sua geração de arquitectos a promoção da sustentabilidade e o combate às disparidades sociais. “As comunidades contemporâneas têm de ser inclusivas.” E a arquitectura tem de ser “optimista”.