A soul amorosa e opulenta de Charles Bradley

A cada nota consegue ser sempre notável, impecável, irrepreensível e levar-nos a crer que a vida só pode ser assim.

Foto
Uma arma de encantamento maciço: a garganta de Bradley

Charles Bradley vai agora nos 68 anos de idade, e só começou a editar aos 63, sempre em altíssimo nível, diga-se, o que em termos futebolísticos faz dele uma espécie de James Vardy da soul. Ou, vá lá, Roger Milla. Ao terceiro tema de Changes, Nobody but you, estamos no seu território de eleição, a soul amorosa e opulenta, com guitarrinhas delicadas, metais em fundo e espaço para a voz, espantosa voz que, como é manifesto em Ain’t gonna give it up, transporta simultaneamente dor e uma vitalidade que contraria a própria dor.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Charles Bradley vai agora nos 68 anos de idade, e só começou a editar aos 63, sempre em altíssimo nível, diga-se, o que em termos futebolísticos faz dele uma espécie de James Vardy da soul. Ou, vá lá, Roger Milla. Ao terceiro tema de Changes, Nobody but you, estamos no seu território de eleição, a soul amorosa e opulenta, com guitarrinhas delicadas, metais em fundo e espaço para a voz, espantosa voz que, como é manifesto em Ain’t gonna give it up, transporta simultaneamente dor e uma vitalidade que contraria a própria dor.

Essa é uma das marcas dessa arma de encantamento maciço que é a garganta de Bradley: crê-se nela, tem as marcas de um homem vivido, que sabe que a vida é dura, o amor cheio de espinhos mas algures existe álcool para as feridas e uma cantiga que a anca aprecia.

Na admirável Changes, em que o quase septuagenário diz estar a mudar, os metais são dobrados por um lick de guitarra que realça ainda mais o vozeirão que liberta uma melodia perfeita – é uma canção magistral, com a exacta dose de esperança. Mas este vozeirão não comporta apenas tristezas; na admirável Ain’t it a sin Bradley diz que tentou ser um righteous man e o riff r’n’b descamba num refrão com metais que James Brown não desdenharia.

Nesta cartografia de todas as variações possíveis da soul, Bradley ainda passeia a sua excelência por temas mais leves e pop (como Things you do for love) ou entesoados (como Crazy for your love). E a cada nota na pauta consegue ser sempre notável, impecável, irrepreensível e levar-nos a crer que a vida só pode ser assim.