Bélgica, um país disfuncional
Quando, 12 horas depois do atentado terrorista em Bruxelas, o primeiro-ministro belga falou pela primeira vez aos jornalistas, não sabia quantas pessoas tinham morrido. À pergunta, mais do que previsível, Charles Michel respondeu apenas com um vago “muitos mortos, muitos feridos”.
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Quando, 12 horas depois do atentado terrorista em Bruxelas, o primeiro-ministro belga falou pela primeira vez aos jornalistas, não sabia quantas pessoas tinham morrido. À pergunta, mais do que previsível, Charles Michel respondeu apenas com um vago “muitos mortos, muitos feridos”.
Esta flagrante falta de controlo sobre a informação é só a ponta do icebergue de uma montanha gigante que esconde um sistema de segurança profundamente disfuncional.
As falhas do sistema belga estão a emergir ruidosamente. Quando sistematizadas, formam uma lista extensa. Quando comparadas com os vizinhos europeus, revelam um país semiparalisado.
E deveria ser exactamente o oposto. Foi da Bélgica que saiu o maior número de radicais que se juntaram às fileiras dos jihadistas islâmicos na Síria – quase 500 jovens. E nada disto é novo. Bruxelas e o bairro de Molenbeek estão no mapa do terrorismo há anos. O que fez a Bélgica com estes dados?
Continua sem uma linha telefónica dedicada à comunidade muçulmana, ao contrário do que fez a Holanda e a Alemanha; mantém por preencher 185 vagas nos quadros da polícia de Molenbeek; já não tem 19 forças policiais autónomas em Bruxelas, uma para cada um dos 19 bairros, mas continua a ter seis (para uma população de 1,4 milhões); os serviços secretos são um terço do dos holandeses; a polícia comunitária funciona em part-time; a prevenção não é levada a sério.
O debate sobre a eficácia da prevenção não fornece respostas taxativas. É muito difícil provar que a prevenção resulta – nunca saberemos o que teriam feito jovens em risco de se radicalizarem se não tivesse existido o trabalho de prevenção. Mas a prevenção não pode ser posta de lado. A ausência belga das grandes conferências internacionais sobre o tema é há muito notada. O mesmo em relação aos programas de desradicalização. A Noruega – que “deu” aos terroristas do autodenominado Estado Islâmico 81 radicais – investe activamente nestas duas frentes.
O problema belga é, no entanto, mais complexo. Especialistas sublinham há anos a ausência de coordenação que há na Bélgica quer ao nível das estruturas do contra-terrorismo clássico (vigilância, recolha de intelligence, policiamento, raides, etc.), quer de prevenção e desradicalização. No fundo, a estratégia para combater o terrorismo de hoje e o terrorismo de amanhã.
E por isso ninguém estranhou a notícia de que o aviso do FBI sobre dois dos terroristas de Bruxelas se perdeu. Os belgas dizem que não o receberam; o FBI e a Holanda dizem que o passaram. Isto ocorreu oito dias antes dos atentados. Mas já no Verão os serviços secretos turcos tinham feito aviso idêntico, quando deportaram um dos irmãos para a Holanda. Porque é que só o FBI ouviu os turcos?
A complexidade institucional, a extrema descentralização, os hiatos de comunicação entre os níveis federal e municipal, as duas línguas e as duas culturas e uma profunda falta de coordenação tornam a Bélgica perigosa para todos nós.