O Banif levou Luís Amado a rever o que pensa da União Europeia
O ex-ministro revelou aos deputados que propôs a Maria Luís Albuquerque sair para facilitar uma mudança na gestão do banco
O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que negociou o Tratado de Lisboa e chefiava a diplomacia quando o Governo de José Sócrates cumpria PECs e assinava um memorando de assistência financeira, um político sempre comedido nas suas análises, passou a ver a União Europeia com outros olhos, depois de estar quatro anos à frente do conselho de administração, não executivo, do Banif.
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O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que negociou o Tratado de Lisboa e chefiava a diplomacia quando o Governo de José Sócrates cumpria PECs e assinava um memorando de assistência financeira, um político sempre comedido nas suas análises, passou a ver a União Europeia com outros olhos, depois de estar quatro anos à frente do conselho de administração, não executivo, do Banif.
Visto do banco, o poder da Europa chegou a assemelhar-se a um “rolo compressor”, garantiu Luís Amado aos deputados nesta quarta-feira. As instituições europeias, criticou, logo na sua intervenção inicial na comissão de inquérito, funcionam como um “centro de poder burocrático extremamente agressivo” e evidenciavam “um preconceito em relação ao Banif”.
Este problema, continuou Amado, foi uma das razões para que o seu projecto para o banco acabasse assim, a “morrer na praia”. Tudo porque havia, garantiu, um objectivo claro da Direcção-Geral da Concorrência, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia de entregar o banco português – que era forte sobretudo nos Açores e na Madeira – a um banco de grande dimensão na Península Ibérica. O “Santander ou o Banco Popular”, especificou. “Há em Frankfurt e em Bruxelas uma visão para a arquitectura do sistema [da União Bancária] que concentra uma parte em bancos de grande dimensão. A vontade de concentrar num banco como o Santander era evidente.”
Isto levou Amado, em resposta ao deputado comunista Paulo Sá, a uma longa meditação sobre a “metamorfose do projecto europeu”, onde deixou claro o seu desencanto. “É um problema com que nos confrontamos. Temos de reavaliar a relação com a UE. Temos de revisitar os fundamentos dessa relação.”
Em quase todas as suas respostas mais significativas, Amado disparou nessa direcção. Questionado por Marques Guedes, do PSD, o ex-ministro socialista deixou uma crítica a Maria Luís Albuquerque, a anterior ministra das Finanças que, nas entrelinhas, acusou de não ter feito o braço-de-ferro necessário com a “burocracia” de Bruxelas. “Tinha de haver tensão política. Havia um momento em que o problema teria de ser colocado à Comissão. Havia um choque entre o interesse europeu e as instâncias nacionais. A interacção entre o Governo e a Comissão é política. É um choque de poder que é exigido.” Tudo porque, garante Amado, o Banif era “uma questão do Estado”. “Não é um banco de privados, da família Espírito Santo, era um banco do Estado.”
A relação da administração do banco com o Governo e o Banco de Portugal foi boa, revelou Amado, até ao início de 2015. A partir daí passou a ser “disfuncional”. “A partir do início do ano entrámos em disfuncionalidade”, afirmou, em resposta a Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda (BE). Desde logo porque o Governo não informou o banco do prazo dado por Bruxelas para um novo plano. Nessa altura, Maria Luís Albuquerque estaria, segundo cartas divulgadas pela deputada do BE, a tratar da substituição da administração do banco. Amado confirmou. “Para facilitar a solução propus ao governador e ao Ministério das Finanças que Jorge Tomé passasse a presidente do conselho de administração não executivo e o seu número dois presidisse à comissão administrativa.” Ou seja, Amado cederia o seu lugar a Tomé. Mas o plano da ministra fracassou.
Mas a posição “chantagista” de Bruxelas continuou. E as tentativas de capitalizar o banco iam fracassando – o exemplo mais relevante, com que Amado foi confrontado foi o da Guiné Equatorial, com quem o ex-ministro admite ter encetado contactos no Governo.
O tempo foi-se esgotando. E veio aquilo a que Amado chama de “tempestade perfeita”. As eleições, em Outubro, deixaram um “vazio de poder” até 26 de Novembro, quando o actual Governo tomou posse. Nessa altura já a posição do Banco de Portugal tinha mudado, também, garante Amado, sem se alongar em interpretações. Depois veio a notícia da TVI sobre uma alegada liquidação do banco. A fuga de mil milhões em depósitos. E o fim, com a resolução do banco, que Amado garante que “não esperava”, e a venda ao Santander, em final de Dezembro.
Houve mais uma crítica que parece dirigida a António Costa. Em resposta ao deputado João Almeida, do CDS, Amado considerou que a “introdução do Banif na agenda da campanha eleitoral foi um erro gravíssimo para o país”.