Think tank europeu propõe substituição da regra do défice estrutural
Economistas do Bruegel dizem que défice estrutural não é fiável para garantir uma política orçamental adequada e sugerem a sua substituição por um limite ao crescimento da despesa pública.
O défice estrutural está sujeito a demasiados erros de cálculo e por isso deve deixar de ser usado para fiscalizar a aplicação de uma política orçamental prudente por parte dos Estados-membros da União Europeia. Esta ideia é defendida por um dos mais importantes think tanks europeus, o Bruegel, que sugere em alternativa a aplicação de uma regra de limitação do crescimento da despesa pública.
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O défice estrutural está sujeito a demasiados erros de cálculo e por isso deve deixar de ser usado para fiscalizar a aplicação de uma política orçamental prudente por parte dos Estados-membros da União Europeia. Esta ideia é defendida por um dos mais importantes think tanks europeus, o Bruegel, que sugere em alternativa a aplicação de uma regra de limitação do crescimento da despesa pública.
Num relatório publicado esta terça-feira – intitulado “A Proposal to Revive the European Fiscal Framework” –, três economistas do Bruegel analisam o sistema de regras orçamentais actualmente em vigor na União Europeia, identificam diversas falhas e apresentam uma sugestão de mudança.
O principal problema identificado está precisamente na utilização do défice estrutural como um dos indicadores-chave para medir o rumo da política orçamental de cada um dos Estados-membros. Os autores dizem que “a implementação das regras é prejudicada pelo mal medido indicador do saldo estrutural e por previsões incorrectas, conduzindo a recomendações de política erróneas”.
O défice estrutural – que resulta do cálculo do défice nominal excluindo os efeitos da conjuntura económica e das medidas extraordinárias – foi o indicador central nas recentes negociações sobre o Orçamento entre o Governo português e as autoridades europeias. Em discussão estiveram a forma de cálculo e o esforço de redução que ficaria estabelecido pelo Governo. Apenas quando as duas partes concordaram que, com as medidas adoptadas, haveria uma redução de 0,2 pontos percentuais no défice estrutural este ano, é que Bruxelas aceitou não exigir ao executivo uma versão revista do OE. Ainda assim, de acordo com as regras europeias, Portugal deveria conseguir reduzir o défice estrutural em pelo menos 0,5 pontos percentuais.
Os responsáveis do Brugel, no entanto, mostram ter muitas dúvidas e incertezas em relação à forma como é feito o cálculo deste indicador, que frequentemente é alvo de revisões muito significativas. “Consideramos inaceitável que o enquadramento orçamental da UE dependa fortemente de um indicador (a variação do saldo estrutural) para o qual a revisão anual típica da estimativa é maior do que a acção de política que é exigida, especialmente porque as revisões até são bastante maiores em tempos de incerteza”, afirma o relatório.
Perante esta e outras fragilidades, os autores sugerem uma mudança do actual sistema de regras orçamentais. Num cenário ideal, diz o relatório, a mudança seria radical, com o desenho de um sistema que, deixando de contemplar a possibilidade de resgates, forçaria os países a individualmente serem mais responsáveis na condução da política orçamental. No entanto, reconhece o documento, uma alteração desse tipo não seria agora possível de passar à prática, sendo por isso recomendada nesta fase uma abordagem mais moderada.
Na proposta feita pelos economistas do Bruegel, o défice estrutural deixaria pura e simplesmente de ser usado como referência para aplicação das regras orçamentais europeias. Em substituição, passaria a ficar definido, nas leis de cada um dos países, um limite para o crescimento da despesa pública, que seria equivalente à taxa de crescimento potencial de médio prazo da economia mais o objectivo de inflação do banco central (que no caso dos países da zona euro seria de 2%).
Depois, este valor pode ainda ser reduzido se o país tiver um rácio da dívida pública superior a 60%. Por cada ponto de diferença entre a dívida de um país e os 60%, o limite de crescimento da despesa pública reduz-se em 0,02 pontos percentuais. Deste modo, os países com maior nível de endividamento ficam com a obrigação de limitar mais o ritmo de crescimento da despesa.
Os autores do relatório estabelecem ainda que, com o objectivo de tornar as regras o mais simples possível e para levarem em conta o efeito da conjuntura, para o cálculo deste indicador de despesa pública, não são consideradas as despesas com juros, as despesas relacionadas com o mercado de trabalho, como o subsídio de desemprego, e as despesas de carácter extraordinário. Em relação ao investimento público, o modo de contabilização deve ser idêntico ao usado pelas empresas, para que o seu efeito seja suavizado ao longo do tempo.
Para aplicar as regras, o Bruegel dispensa a existência de sanções, que diz não serem credíveis, e defende que a fiscalização deve ser feita por um conselho das finanças públicas europeu, com uma estrutura semelhante à do BCE, com seis elementos na administração, em conjunto com os presidentes de cada um dos conselhos das finanças públicas nacionais.
Os autores salientam que com estas regras a prioridade passaria a estar verdadeiramente na sustentabilidade orçamental, deixando-se de dar uma atenção central às variações momentâneas de indicadores orçamentais que ainda para mais são relativamente opacos. “O novo enquadramento seria simples, transparente, fácil de monitorizar, fácil de explicar e envolveria um indicador orçamental que estaria sob o controlo directo dos Governos”, afirma o relatório.