O bullying “é uma coisa para ser resolvida entre as crianças”

Associação criada em Braga envolve crianças e jovens em campanhas de sensibilização e estudos sobre o fenómeno. E dá-lhes a palavra para se pronunciarem sobre um problema que é seu.

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Alertar para o fenómeno passa também por educar os pais, que por vezes “desvalorizam situações graves” Paulo Pimenta

Vários tons de verde saltam à vista quando se entra na sala. Um pequeno grupo de crianças está de joelhos em cima de uma mesa a pintar dessa cor um manequim. Outras ajeitam no chão um grande laço, também verde, antes de o fotografarem. Não será necessário dizer qual a cor que escorre do pincel de Gonçalo Veloso quando o estudante de 17 anos dá as boas-vindas. Ele é o vice-presidente da Associação Anti-Bullying com Crianças e Jovens (AABCJ), criada em Braga no ano passado, e um dos membros mais activos nas tarefas que os membros da associação definiram para aquela tarde.

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Vários tons de verde saltam à vista quando se entra na sala. Um pequeno grupo de crianças está de joelhos em cima de uma mesa a pintar dessa cor um manequim. Outras ajeitam no chão um grande laço, também verde, antes de o fotografarem. Não será necessário dizer qual a cor que escorre do pincel de Gonçalo Veloso quando o estudante de 17 anos dá as boas-vindas. Ele é o vice-presidente da Associação Anti-Bullying com Crianças e Jovens (AABCJ), criada em Braga no ano passado, e um dos membros mais activos nas tarefas que os membros da associação definiram para aquela tarde.

Gonçalo anda acelerado, entre o rés-do-chão onde está a sala de trabalho e o gabinete no primeiro andar. É preciso colar molduras partidas, retocar manequins usados em exposições e acções de sensibilização e preparar as actividades dos próximos dias. Guarda, porém, uns minutos para apresentar o projecto da primeira associação de combate ao bullying criada em Portugal que envolve directamente crianças e jovens. O trabalho associativo ensinou-lhe aquela que é uma das principais mensagens da AABCJ: os menores devem ter uma voz para se pronunciarem sobre um problema que os afecta directamente. “Somos nós quem está dentro do fenómeno e o podemos detectar”, sublinha.

Fábia Dias, também com 17 anos, concorda: “Isto é uma coisa para ser resolvida entre as crianças”. Mas não da forma como os menores se habituaram a enfrentar problemas de violência em contexto escolar, alerta. Conta, por isso, um exemplo recente, que envolveu uma prima que teve problemas com um grupo de colegas de escola. “Noutra altura, ter-lhe-ia dito para pagar na mesma moeda”, diz. Neste momento, pelo contrário, dá como conselho aquilo que aprendeu na associação: o melhor caminho é denunciar a situação a um adulto, um funcionário da escola ou um professor, para que este ajude a resolvê-la.

Todas as quartas-feiras, ao final da tarde, a direcção da associação reúne no espaço Nexus, em Braga. À entrada do encontro desta semana, três elementos transportaram as cadeiras que haviam de preencher a pequena sala de reuniões. Na ordem de trabalhos havia um conjunto de informações sobre as próximas actividades do grupo, que organiza inquéritos de opinião regular sobre bullying e outros tipos de violência e ainda acções de sensibilização, normalmente com um suporte artístico: peças de teatro, pintura, desenho, escultura. Ou música.

Na última reunião era preciso ultimar os pormenores para a gravação, marcada para o dia seguinte, do hino da associação, criado em parceria com o músico Hugo Torres. David Esteves, que devia fazer um rap numa das partes da canção, diz que talvez não consiga estar presente. Há alguma apreensão durante uns instantes, até que uma das crianças mais novas pede a palavra para sugerir uma solução: um amigo seu podia cantar essa parte.

Aqui toda a gente tem direito à palavra, independentemente da sua idade. Por exemplo, em Abril, nas I Jornadas da Juventude Anti-Bullying de Braga, a primeira comunicação será feita pelos jovens que dirigem a associação. Não será uma estreia em eventos com carácter científico O departamento de investigação – que actualmente está a preparar um estudo de opinião sobre violência no namoro – é liderado por David Esteves, outro dos membros fundadores do grupo, que tem divulgado os dados recolhidos em congresso. Gonçalo Veloso já apresentou os resultados de um estudo de opinião sobre bullying conduzido há três anos num evento científico no Brasil.

Foi o “interesse em fazer alguma coisa em prol dos jovens” que levou Gonçalo a entrar na associação, conta o vice-presidente da AACBJ. A organização foi formalmente constituída em Agosto passado, mas a sua origem remonta ao ano lectivo 2008/2009. Nessa época, era o delegado da sua turma do 6.º ano, na Escola Básica 2,3 de Real – uma freguesia na periferia suburbana de Braga. Um caso de bullying entre os colegas levou a família de um dos envolvidos a transferi-lo de escola, o que acabou por despertar o interesse de Paulo Costa, que era o director de turma, pelo tema. Acabou por fazer um doutoramento sobre o assunto na Universidade do Minho – onde hoje é investigador do Centro de Estudos da Criança.

Não foi, todavia, apenas em termos académicos que Costa trabalhou o bullying nos anos seguintes. Aquela turma estudou, durante os três anos seguintes, o fenómeno da violência escolar e preparou acções públicas para fazer chegar o que aprenderam a outros colegas. Participaram em concursos, fizeram exposições e foram convidados para ir a escolas falar sobre o trabalho de sensibilização em que se tinham envolvido. Só este ano, já foram a 25 estabelecimento de ensino, de Viana do Castelo a Beja.

“No ano passado, percebemos que tínhamos trabalho suficiente para justificar a criação de uma associação”, conta Paulo Costa. O núcleo duro são esses antigos alunos da escola de Real, onde este professor de Educação Física continua a dar aulas, em paralelo com a actividade de investigação. A esse grupo inicial foram-se juntando, entretanto, outros associados. Actualmente, a organização reúne cerca de 200 pessoas e 23 crianças e jovens – a mais nova com 10 anos – fazem parte dos seus corpos sociais. E tem mais de 16 mil seguidores no Facebook, o que lhe permite chegar a escolas de Angola e Moçambique, com as quais estão neste momento a começar a ser construídas parcerias para novos projectos.

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Aqui toda a gente tem direito à palavra, seja qual for a sua idade Paulo Pimenta

Quando são divulgados novos dados sobre o fenómeno do bullying ou algum caso particular é mediatizado, os membros da associação discutem o assunto entre si. Por isso, os resultados do estudo da Organização Mundial de Saúde sobre a adolescência, que foi conhecido há duas semanas, não são propriamente uma novidade para Gonçalo Veloso. De acordo com essa investigação, há crianças com 11 anos dizem ter sido alvo de bullying na escola “duas ou três vezes por mês nos últimos três meses”, numa percentagem que varia entre 11%, no caso das raparigas, e 17%, para os rapazes. A média em termos internacionais é 13%, pelo que Portugal tem a 16.ª taxa mais alta de alunos de 11 anos que se dizem vítimas do fenómeno.

Os números crescem quando o que está em análise é a percentagem de adolescentes que foram vítimas “pelo menos uma vez nos últimos dois meses” — ou seja, quando se procura aferir ataques menos frequentes por parte dos colegas: 34% dos alunos de 15 anos dizem ter sofrido bullying. Bem acima da média internacional de 23%.

São números “preocupantes”, avalia o vice-presidente da associação, mas “não propriamente surpreendentes”. “Qualquer pessoa que esteja ligada a um contexto escolar consegue perceber que, em todas as escolas, existem casos de bullying e que, muitas vezes, não são identificados”. A responsabilidade, muitas vezes, é das próprias escolas “que têm dificuldades em admitir” este tipo de ocorrências. “Têm que estar mais atentas”, concorda David Esteves, apontando uma possível solução: “Se for preciso meter mais funcionários a trabalhar na escola que o façam”.

Há, porém, também um lado de responsabilidades das famílias, defende o mesmo dirigente. Os pais “desvalorizam situações graves”, com a desculpa de que, quando tinham a mesma idade, viram acontecer coisas semelhantes. Essa é uma realidade inconcebível para David Esteves, que defende que não se pode “deixar que estes casos sejam vistos como algo normal”.