E se jogar com o seu filho em vez de o ajudar a fazer uma ficha?
O tipo de TPC que na maior parte dos casos são passados pelos professores não estão entre o que ajudam de facto a ter melhor rendimento escolar, alerta investigador.
Os trabalhos para casa terão sempre de ser uma seca? E será que ajudam de facto os alunos a ter um melhor rendimento escolar? Os leitores que responderam ao desafio lançado pelo PÚBLICO não são unânimes nas respostas, o que é aliás recorrente em tudo o que diga respeita aos TPC. Mas também dão conta de que podem existir alternativas mais eficazes e motivadoras aos trabalhos que geralmente são os preferidos dos professores.
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Os trabalhos para casa terão sempre de ser uma seca? E será que ajudam de facto os alunos a ter um melhor rendimento escolar? Os leitores que responderam ao desafio lançado pelo PÚBLICO não são unânimes nas respostas, o que é aliás recorrente em tudo o que diga respeita aos TPC. Mas também dão conta de que podem existir alternativas mais eficazes e motivadoras aos trabalhos que geralmente são os preferidos dos professores.
Joana Sobral tem um filho de cinco anos que, por isso, só entrará no 1.º ciclo no próximo ano lectivo, mas treme só de pensar que vai entrar no mundo dos TPC. “Não sou contra os trabalhos de casa se estes servirem para se fazer em casa exercícios que usem o que se aprendeu na escola”, clarifica. “Podemos medir a mesa de jantar e o diâmetro do prato da sopa, subtrair este ao diâmetro do prato raso, podemos colocar azeite e água no congelador e ver e discutir o que acontece. Podemos ir para o quintal escavar à procura de bichos”, sugere. Mas o que não se deve fazer, e se faz, acrescenta, é voltar a “sentamo-nos à secretária e repetir o contexto da escola em casa”.
Também Sofia Coutinho, mãe de duas crianças com três e sete anos, defende que os TPC “se deviam aplicar a situações da vida real que lhes dessem prazer, lhes estimulassem a criatividade, o pensamento crítico e a capacidade de fazer perguntas”. E apresenta também vários exemplos do que podia ser proposto pelos professores. Aqui fica um: “Vais fazer algum passeio? Tenta descobrir o nome das árvores e dos animais e faz desenhos de cada um deles. Qual é que mais gostaste e porquê?”
Mas nestas férias o que o seu filho mais velho terá de fazer são oito páginas de fichas, que são “iguais para todos, como se os meninos fossem todos iguais, andassem todos ao mesmo ritmo e pensassem todas da mesma maneira”. “Para mim é assustador”, confessa.
O que podem os pais fazer em casa para ajudar os filhos? Este é um dos temas que em breve será posto em debate pela Associação de Professores de Matemática (APM). A sua presidente, Lurdes Figueiral, avança com uma resposta: “ Não são certamente os TPC, que são mais do mesmo do que fazem na escola”. Segundo esta docente, “o fundamental do trabalho de aprendizagem deve ser feito na sala de aula”, mas os pais poderão, por exemplo, ajudar os seus filhos, “fazendo com eles jogos de estratégia ou coisas do dia-a-dia, como uma receita de cozinha”, que são actividades mais próprias para férias e que ajudam ao mesmo tempo a desenvolver capacidades sobre o que se aprende na escola, mas de forma diferente.
Pouco eficazes
Maria José Araújo, do Centro de Investigação e Inovação em Educação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, frisa que há “uma mensagem essencial” que deve ser transmitida às crianças: “É bom andar na escola porque é bom aprender”. Ora, constata, “os TPC, tal como os conhecemos, (cópias, contas e fichas) dão às crianças uma informação contrária a esta e fazem com que estas a olhem como uma seca”.
“Existem três tipos de propósito nos trabalhos para casa: praticar; antecipar conteúdos da aula seguinte; transferência de conhecimentos, que envolve por exemplo soluções de problemas e tarefas mais abstractas”, enumera Pedro Rosário, professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Para este investigador, os TPC mais indicados para férias seriam os do terceiro grupo. A investigação feita também mostra, aliás, que são estes “os que estão mais relacionados com um maior rendimento escolar”, diz. Mas a prática mostra que “são os menos utilizados” pelos professores, que privilegiam os que têm “como propósito a prática/repetição” do que já é feito em sala de aula.
Tânia Sardinha, que é professora do 3.º ciclo e do secundário e tem duas filhas no 1.º e 2.º ano de escolaridade, considera que os TPC “poderiam ter um papel na melhoria dos resultados se fossem personalizados, isto é, feitos à medida de cada um dos alunos, procurando explorar e consolidar conteúdos nos quais a criança/jovem tivesse mais dificuldades”. Ao invés, afirma, a maioria dos professores envia trabalhos para casa padronizados que “servem apenas para dar a conhecer aos encarregados de educação (que supervisionam esta tarefa escolar) os conteúdos que estão a ser leccionados”.
Mas nem sempre é assim. Nelson Alves, que tem um filho no 4.º ano, dá conta de uma experiência diferente. Diz que logo que o filho entrou no 1.º ciclo a professora que o tem acompanhado perguntou aos pais qual a opinião que tinham sobre a existência de TPC nas férias: “A maioria queria que a professora mandasse trabalhos, mas chegámos a um acordo e nas férias os alunos fazem um diário. Todos os dias escrevem uma frase, nem que seja para dar conta de que não lhes apetece escrever”. Resultados? Chegaram ao 4.º ano a “escrever bem, sem erros, com gosto e criatividade”, relata Nelson Alves, para concluir: “Para os pais é um descanso e os miúdos acabam por aprender sem esforço e ainda ficam com um registo para mais tarde recordar”.
Desigualdades
Mas os pais estão quase sempre presentes quando os filhos realizam estas tarefas, confirmam os que responderam ao inquérito do PÚBLICO. Uns de forma mais activa, ou porque os filhos são mais pequenos ou porque têm mais dificuldades, outros tentando que os façam de forma autónoma, embora estejam disponíveis para responder a dúvidas e corrigir os TPC no fim. No agrupamento de Escolas de Carcavelos uma das razões para acabar com os trabalhos para casa foi precisamente o de muitos vezes, entre os mais novos, serem os que os acabam a fazer.
Mas como as famílias não são todas iguais este é também um meio de se perpetuar desigualdades, alertou a OCDE num estudo sobre o peso dos TPC no quotidiano das famílias. O que levou, aliás, a OCDE a recomendar que escolas e professores ajudem os seus alunos mais desfavorecidos a realizar os TPC, oferecendo, por exemplo, “auxílio aos pais nesse sentido, proporcionando aos jovens lugares calmos” onde os possam realizar.
“As crianças passam muitas horas na escola, em aulas. Deveria ser o suficiente para garantir a sua aprendizagem. Pode e deve esperar-se o apoio dos pais, mas nunca, como me parece acontecer frequentemente, esperar que estes assumam também o papel de professores em casa e que passem grande parte do seu tempo livre a acompanhar TPC e a tentar ensinar o que eles não conseguem aprender na escola”, defende Joana Vital, que tem uma filha no 3.º ano de escolaridade.
Cátia Rodrigues, psicóloga, faz uma promessa dirigida ao filho de cinco anos, que em Setembro entrará no 1.º ciclo: "Garanto que o meu filho nas férias e nos fins-de-semana vai aprender a brincar muito comigo e com o meu companheiro, vai-se sujar, vai cair, vai viver….”
Notícia corrigida às 19h57. Corrige o nome do centro de investigação a que pertence Maria José Araújo