Abrir despudoradamente às canções

A máscara de acessibilidade deste disco é uma âncora sabiamente largada no ouvinte: enreda-nos em melodias das quais não nos queremos libertar e, aos poucos, deixa-nos descobrir tudo quanto se está a passar à volta.

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Na sua sala do HAUS as guitarras estão sempre fora da caixa, os cabos estão ligados o tempo todo, a bateria está montada só à espera de ser açoitada. DR

A certeza de que as vozes dos Linda Martini não precisam de se levantar num grito, nem os instrumentos de soar com fúria terá no derradeiro tema de Sirumba, O Dia em que a Música Morreu, o seu exemplo mais redondo e perfeito.

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A certeza de que as vozes dos Linda Martini não precisam de se levantar num grito, nem os instrumentos de soar com fúria terá no derradeiro tema de Sirumba, O Dia em que a Música Morreu, o seu exemplo mais redondo e perfeito.

A contenção de que se dizem ter munido para o quarto álbum leva a que a habitual ansiedade presente na sua música seja agora atravessada não apenas por uma agitação interior, um desconforto com o mundo em volta, mas acolha também uma sombra de melancolia que disputa o espaço com uma tensão asfixiante. Na passagem de Turbo Lento para Sirumba, a música ganha uma outra riqueza, assente em subtilezas que antes até podiam existir mas morriam debaixo de uma saturação sonora. Bem se pode esconder uma pepita de ouro no fundo de águas turvas – nem ela chega à superfície, nem saberemos onde procurá-la. O que em nada desmerece os anteriores álbuns do grupo – o som apenas se tornou mais límpido e fácil de navegar.

Unicórnio de Sta. Engrácia

O Dia em que a Música Morreu é um flagrante mas faz-se acompanhar também na forma como os sopros se infiltram em Unicórnio de Sta. Engrácia e Farda Limpa, sem fazer disso um statement maior do que as canções. Talvez nunca antes tenham os Linda Martini estado tão perto de se abrir despudoradamente às canções, com Sirumba, Unicórnio de Sta. Engrácia ou Preguiça a lançarem o disco em temas que deixam claro um maior conforto melódico, ajudado por instrumentos que facilitam o caminho uns dos outros, em virtude dessa ansiedade que parecem ter domado apenas na medida em que evitam eventuais atropelos.

A escuta de Sirumba parece, na verdade, favorecer o tempo. Há muito mais a correr subterraneamente do que o primeiro contacto deixa perceber e é, por isso, um álbum que pede e volta a pedir que a ele regressemos. E, nesse sentido, ilude: aquilo que pode erradamente interpretar-se como uma satisfação mais imediata graças a uma máscara de acessibilidade, é antes uma âncora sabiamente largada no ouvinte – enreda-nos em melodias das quais não nos queremos libertar e, aos poucos, deixa-nos descobrir tudo quanto se está a passar à volta.