Na folha de pagamentos da Odebrecht está quase toda a república brasileira
Estão lá ministros do governo, líderes da oposição, senadores, deputado, governadores, presidentes de Câmara. Não estão Lula nem Dilma. Não é claro se são doações para campanhas ou subornos da maior construtora brasileira.
O drama da política brasileira virou uma tragédia na quarta-feira com a divulgação de uma longa lista de pagamentos feitos a mais de 200 figuras de mais de 20 partidos pela maior construtora brasileira, a Odebrecht, envolvida no escândalo de corrupção da Petrobras. A Polícia Federal apreendeu dezenas de folhas de cálculo na casa do presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa Silva Júnior – que era também um dos principais interlocutores do presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, na atribuição de doações financeiras a campanhas eleitorais –, que contêm duas centenas de nomes de todo o espectro político associados a montantes financeiros.
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O drama da política brasileira virou uma tragédia na quarta-feira com a divulgação de uma longa lista de pagamentos feitos a mais de 200 figuras de mais de 20 partidos pela maior construtora brasileira, a Odebrecht, envolvida no escândalo de corrupção da Petrobras. A Polícia Federal apreendeu dezenas de folhas de cálculo na casa do presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa Silva Júnior – que era também um dos principais interlocutores do presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, na atribuição de doações financeiras a campanhas eleitorais –, que contêm duas centenas de nomes de todo o espectro político associados a montantes financeiros.
É uma lista “ecuménica”, como descreveu o jornal Folha de S. Paulo: estão lá ministros do governo, líderes da oposição, senadores, deputado, governadores, presidentes de câmara. Estão o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, também do PMDB. Estão o ex-ministro da Casa Civil e chefe de gabinete da Presidente Dilma Rousseff, Jaques Wagner, e o adversário de Dilma nas últimas eleições presidenciais, de 2014, Aécio Neves, do PSDB. Estão “petistas” (militantes do PT, o partido do governo) como o senador Lindbergh Farias e “tucanos” (militantes do PSDB) como José Serra. Estão o ex-Presidente brasileiro José Sarney, do PMDB, os actuais presidentes de câmara de São Paulo (Fernando Haddad) e Rio de Janeiro (Eduardo Paes), próximos do governo, o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, um adversário do governo, e pelo menos oito deputados que integram a comissão que vai avaliar o processo de impeachment (destituição) contra Dilma no Congresso. A lista é tão extensa que o Jornal Nacional da Globo, o principal noticiário da televisão brasileira, declarou, quarta-feira à noite, que não ia referir nome algum para não ser selectivo e que não teria tempo para divulgá-la por inteiro...
Quem não está na lista: nem Dilma, que corre o risco de perder a presidência no próximo mês, nem o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que no último mês foi o principal alvo da Operação Lava Jato. Primeiro, foi levado de casa pela polícia para depor como se fosse ser preso; depois viu as suas conversas telefónicas, que estavam sob escuta por ordem judicial, serem divulgadas publicamente pelo juiz Sérgio Moro; e foi impedido de assumir o cargo de ministro do governo por causa das investigações em curso, apesar de não estar formalmente incriminado.
Do ponto de vista político, a actuação da Lava Jato, notam analistas brasileiros, tem estado sobretudo focada na relação entre a corrupção praticada dentro da companhia estatal Petrobras e o partido do governo, o PT. A revelação da lista da Odebrecht tem o potencial de ampliar as investigações para outros políticos e partidos, nota Thiago Bottino, professor de direito penal na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. Ela teve um efeito imediato em Brasília: segundo a Folha, os documentos circularam por todo o Congresso na quarta-feira, e os deputados tentavam verificar se o seu nome estava na lista, ou o dos seus adversários.
A divulgação da lista pela imprensa ocorreu um dia depois de se ficar a saber que a Odebrecht tinha um departamento de contabilidade paralela que se dedicava a pagamentos ilícitos – por outras palavras, subornos. Não é claro se os valores atribuídos a cada nome são doações legais para campanhas eleitorais ou pagamentos ilícitos, ou ambos. As construtoras envolvidas no escândalo da Petrobras são as maiores financiadoras de campanhas eleitorais no Brasil. Horas depois de os documentos circularem, aparentemente sem a sua autorização, o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, decretou que fossem colocados em segredo de justiça, afirmando, em despacho, ser “prematura” qualquer conclusão sobre a natureza dos pagamentos e lembrando que a Odebrecht realizou diversas doações eleitorais nos últimos anos. Muitos dos deputados mencionados na lista apressaram-se a dizer que os valores se referem a doações legais para campanhas, que foram declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral. Mas fica por explicar por que é que muitos dos políticos incluídos na lista estão associados a nomes de código ou alcunhas – o que, naturalmente, fez as delícias dos caricaturistas brasileiros. Uma pequena amostra: “Caranguejo”, “Drácula”, “Nervosinho”, “Viagra”, “Múmia”, “Colorido”... No departamento de “subornos” mantido pela Odebrecht, os beneficiários também eram mencionados por alcunhas, de forma a dificultar a sua identificação por terceiros.
Segundo Thiago Bottino, a divulgação da lista da Odebrecht pode esfriar um pouco o ritmo do processo de impeachment no Congresso. Uma vez que ela atinge um número tão grande de deputados, é possível que prevaleça “um sentimento de corporativismo, no sentido de se protegerem”. Bottino nota que a Câmara dos Deputados é formada por um bloco fiel ao governo, um bloco fiel à oposição, e o maior bloco é o dos indecisos, “que vão votar de um jeito ou do outro, de acordo com os seus próprios interesses”. Leia-se: autopreservação.