A Europa e o seu labirinto
Entre a espada da extrema-direita e a parede da história do futuro.
Na Europa está em curso um processo de legitimação do fascismo, do racismo e da islamofobia. Empurrados por fundamentalismos religiosos, atentados cobardes ou o medo como epidemia a escolha do fascismo tenderá a ser fácil de fazer. Tenho medo. Temos medo.
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Na Europa está em curso um processo de legitimação do fascismo, do racismo e da islamofobia. Empurrados por fundamentalismos religiosos, atentados cobardes ou o medo como epidemia a escolha do fascismo tenderá a ser fácil de fazer. Tenho medo. Temos medo.
A democracia tem os seus limites e estamos a atingi-los (outra vez). As recentes eleições na Alemanha somadas às eleições em França, na Polónia, na Hungria ou na República Checa trazem de volta fantasmas antigos. Pode o fascismo ascender ao poder de forma democrática? Pode o racismo ser mainstream na sociedade e o antiracismo uma ideologia minoritária? Aparentemente foi assim no passado e pode voltar a sê-lo no futuro. A demonização de um “outro” e a criação de mitos e estereótipos poderá contribuir para a afirmação de nacionalismos essencialistas, construídos contra, isto é, através de maiorias sem sentido, de maiorias pela negativa. Os “mouros”, voltam com uma conotação negativa. Voltam como potenciais terroristas. Voltaram os discursos racistas e as opiniões contra “eles” que se espalham nas redes sociais por entre comentários a notícias do quotidiano. Os inimigos vêm de origens historicamente conhecidas, estranhamente fáceis. Demasiado simples. Nós e eles somos uma soma nula. O que uns perderem ganham os outros. Demasiado simples. Estamos todos em perda. Tristes pela liberdade que já perdemos e que nos custará a recuperar.
À volta da Europa há sociedades em turbilhão. Na Síria, milícias combatem exércitos que combatem terroristas que, no fundo, são inimigos de todos, mas têm amigos e financiadores em vários locais (alguns perto de nós). Há exércitos contra exércitos e aliados de uns e de outros. No Iraque ou no Afeganistão a vivência quotidiana da paz não é mais do que alguns dias sem atentados ou raides aéreos e uma constante angústia sobre o futuro. Na Eritreia, na Líbia, Tunísia, Israel, Palestina ou na Nigéria a guerra tem outras intensidades e dinâmicas. Entre os conflitos religiosos, a luta fratricida ou étnica, a guerra entre bandos, gangs ou tribos e os conflitos transfronteiriços há muito por onde escolher num círculo de 5.000 km de raio a partir de Berlim. Ao mesmo tempo, por cá, uma mochila é uma arma e a guerra é ao fundo da rua, no metro, na estação, na escola. E solidários estamos também no medo que nos atinge com cada bomba que corta o silêncio das nossas vidas.
A causa última de todos estes fenómenos é a ganância, a luta pelo poder e o egoísmo. Por vezes, a certeza de sermos os únicos certos nas nossas convicções esconde a fragilidade das nossas dúvidas maiores. A desigualdade social (crescente) existente no globo, entre países e entre pessoas é uma consequência do nosso modelo sócio económico. Não tenhamos dúvida que somos a diferença na qualidade de vida entre países. Somos as diferenças salariais entre regiões. Somos a existência de desemprego endémico. Somos a ausência de planeamento e de esperança em muitas regiões e países do mundo. Somos tudo isso nas escolhas que fazemos no nosso dia a dia. No capitalismo financeiro avançado com a tal mão-invisível que tudo supervisiona e gere. Na democracia que construímos. Num mundo global as nossas escolhas são globalmente consequentes. Todas elas.
Confrontados com causas, porém, só olhamos para as consequências locais. Olhemos um pouco mais longe e talvez consigamos ver o mundo.
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Investigador CES