Câmara de Oeiras empregou filha de director através da empresa que a contratara

No serviço dirigido pelo pai ninguém percebia como é que a jovem ali trabalhava sem contrato. Câmara diz agora que o contrato era com uma empresa em que ela colaborava. Depois de mandar embora metade dos avençados, a câmara contratou-a directamente. PJ está a investigar a autarquia.

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Autarquia diz que está a colaborar com a PJ e que lhe cedeu um gabinete nas suas instalações NUNO FERREIRA SANTOS

Um dos principais dirigentes dos serviços da Câmara de Oeiras despachou favoravelmente a contratação de várias pessoas com base numa proposta redigida em papel timbrado da autarquia e assinada por uma arquitecta sua filha, que à data não tinha qualquer vínculo contratual com o município. Actualmente alvo de uma investigação da Polícia Judiciária, Pedro Carrilho, director do Departamento de Habitação e Reabilitação Urbana (DHRU) é suspeito de ter favorecido ao longo de mais de uma década empresas e técnicos com os quais mantinha relações profissionais e de negócio alheias às funções que exercia em exclusividade.

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Um dos principais dirigentes dos serviços da Câmara de Oeiras despachou favoravelmente a contratação de várias pessoas com base numa proposta redigida em papel timbrado da autarquia e assinada por uma arquitecta sua filha, que à data não tinha qualquer vínculo contratual com o município. Actualmente alvo de uma investigação da Polícia Judiciária, Pedro Carrilho, director do Departamento de Habitação e Reabilitação Urbana (DHRU) é suspeito de ter favorecido ao longo de mais de uma década empresas e técnicos com os quais mantinha relações profissionais e de negócio alheias às funções que exercia em exclusividade.

Contratada no início de 2015 pela Câmara de Oeiras, para prestar serviço no Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística (DPGU), Marta Carrilho já estava profissionalmente ligada à autarquia pelo menos há um ano. Nessa altura, a jovem arquitecta trabalhava na Companhia de Engenharia e Informática (CEI), empresa contratada pelo Departamento de Projectos Especiais (DPE), então dirigido por Pedro Carrilho e entretanto integrado no DHRU.

Foi na condição de representante da CEI que Marta Carrilho subscreveu, em 17 de Março de 2014, um ofício dirigido ao director do DPE, seu pai, através do qual formalizava a entrega do projecto de um edifíco municipal para o Casal das Chocas, que havia sido encomendado àquela empresa. E foi na condição de técnica do DPE que a mesma arquitecta subcreveu, no dia seguinte, uma informação devidamente numerada — em papel timbrado da Câmara de Oeiras — na qual propunha a contratação a diferentes técnicos dos projectos de especialidades (águas, electricidade etc.) que complementariam o projecto de arquitectura por ela feito na CEI. Dias depois, o chefe de divisão que analisou a informação emitiu um parecer de concordância, submetendo-o à consideração de Pedro Carrilho, que a aprovou. 

As explicações da câmara
O PÚBLICO perguntou à câmara em que data foi Marta Carrilho contratada pela primeira vez pela autarquia e a resposta foi a que está no portal da contratação pública: 28 de Janeiro de 2015. Como é que se explica  então que a mesma técnica tenha subscrito quase um ano antes uma informação interna do DPE? 

A resposta da autarquia presidida por Paulo Vistas não podia ser mais equívoca: A câmara celebrou com a CEI um contrato “para elaboração de projectos e apoio na recuperação do Bairro do Casal das Chocas, uma intervenção que contou, entre outros, com a colaboração da arquitecta Marta Carrilho. Refira-se que na elaboração de qualquer projecto é ao arquitecto que compete sugerir quais os projetos de especialidade necessários à concretização do projeto de execução”.

Num segundo momento, face a uma nova pergunta, a autarquia adiantou que “à data, tinha contrato com uma empresa e no âmbito desse contrato a empresa alocava recursos a determinados projetos do ex-DPE, em função das necessidades/prioridades do município. A arq. Marta Carrilho foi um desses recursos, enquanto colaboradora da empresa, e terá sido nesse âmbito que assinou a referida informação.” 

Esta explicação vai ao encontro das justificações dadas por Paulo Vistas e pelo director do DPGU, Batista Fernandes, em defesa da contratação daquela arquitecta, na reunião de câmara que a aprovou em Dezembro de 2014, com os votos contra do PS e da CDU. “Era necessário alguém para coordenar [uma equipa camarária], a ideia foi redireccionar um recurso já contratado no âmbito de avença ou prestação de serviços de uma unidade orgânica para outra”, afirmou então o presidente da câmara eleito pelo IOMAF, movimento criado por Isaltino Morais. 

De acordo com a acta da reunião, Batista Fernandes especificou que havia “uma equipa ou uma estrutura empresarial em nome individual ou não que prestava serviço na DHRU [dirigida por Pedro Carrilho]” e que, depois de falar com Paulo Vistas chegou-se à conclusão de que “se podia redireccionar esse profissional para o DPGU”. Esse profissional era Marta Carrilho, conforme se lê na proposta de contratação aprovada.

Ou seja: a filha do director trabalhava no departamento dirigido pelo pai através de uma empresa que a câmara não identifica, mas que tudo indica ser a CEI, e que ele contratara. Em 2014, segundo a autarquia, cessaram “cerca de metade das avenças prestadoras de serviços” a esse departamento. Foi nessa altura que a câmara decidiu contratar directamente Marta Carrilho, em regime de avença.

Contratos para amigos
Como o PÚBLICO já noticiou, Pedro Carrilho acumulou ilegalmente, durante muitos anos, as suas funções de director de departamento, que por regra exigem exclusividade, com o exercício de actividades privadas. Os seus serviços de projectista ainda hoje são anunciados na internet, remetendo para a morada do Archoscidade, em Paço de Arcos, que tinha contratos de avença com o departamento municipal que ele dirigia.

Nos últimos 15 anos, esse departamento fez contratos por ajuste directo no valor de pelo menos 667 mil euros com dois arquitectos, Nuno Couto e Maria João Gonçalves, e com os respectivos ateliers, um deles o Archoscidade, encerrado há cerca de um ano. 

Os colegas de atelier do director e as suas empresas não eram, porém, os únicos avençados cuja ligação ao DPE e ao actual DHRU suscita dúvidas a quem analisa em pormenor o Portal Base. 

A Planorbital Unipessoal, por exemplo, tem contratos de avença com a câmara, para os serviços de Pedro Carrilho, desde 2011. Nestes período, os quatro contratos assinados atingem os 94 mil euros. A empresa é propriedade de um engenheiro residente em Sesimbra, João Cruz, cuja mulher, também engenheira, é dona da firma de projecto Baía dos Números Unipessoal. Esta, por sua vez, celebrou desde 2010 outros quatro contratos idênticos, praticamente com o mesmo valor.

Obras em casa
João Cruz foi, juntamente com Nuno Couto, o autor dos projectos de uma grande obra efectuada por Pedro Carrilho na sua moradia pessoal. O respectivpo processo de obra encontra-se actualmente nas mãos da Polícia Judiciária.

Também a empresa Rovla Unipessoal, que nos últimos dois anos foi contratada cinco vezes para obras dos serviços dependentes de Pedro Carrilho, chama a atenção. Não tanto pelo valor dos contratos, cerca de 60 mil euros no total, mas pelo facto de o seu proprietário, Manuel Joaquim Gomes, ser uma pessoa muito próxima de Carrilho e efectuar regularmente trabalhos como medidor orçamentista para o seu departamento.

Estes trabalhos, todavia, não são objecto de contrato com a Rovla, nem com o próprio Manuel Joaquim Gomes. Quem a câmara contrata em regime de avença para fazer o que ele faz desde 2010 é a MRTF Unipessoal, uma empresa cuja dona é casada com o medidor orçamentista. Neste período foram celebrados quatro contratos no valor de 72 mil euros.

Quando o PÚBLICO divulgou as ligações de Pedro Carrilho ao Archoscidade, no início de Fevereiro, a câmara confirmou que ele nunca tinha sido autorizado — o que nalguns casos é legalmente possível — a acumular funções públicas e privadas, pelo que iriam ser “adoptadas as necessárias diligências para apuramento dos factos”. Questionado na semana passada sobre as medidas tomadas, o chefe de gabinete de Paulo Vistas afirmou que o arquitecto foi confrontado pelo presidente da câmara, tendo negado que alguma vez tivesse acumulado.

Por outro lado, a autarquia confirmou que o caso está a ser investigado pela Polícia Judiciária, à qual “têm sido facultados à todos os elementos solicitados” e a cujos inspectores foi disponibilizado um gabinete nas instalações da câmara.

No departamento dirigido por Pedro Carrilho, que não quis falar ao PÚBLICO, há 12 arquitectos do quadro da autarquia, alguns dos quais se queixam de não ter trabalho. Nos últimos anos, o serviço tinha habitualmente mais avençados do que técnicos da câmara.