“A utopia serve para caminharmos”, diz Carvalho Rodrigues
O físico que coordenou o único satélite português deu a sua última lição no IADE, em Lisboa, onde defendeu que é preciso “espantar a sombra” e continuar a dançar.
Na última lição pública de Fernando Carvalho Rodrigues, nesta segunda-feira, no IADE, em Lisboa, foi dada à palavra “empreender” um sentido raro. O coordenador-geral do primeiro (e único) satélite português, o PoSat-1, lançado em 1993, escolheu para título da lição Empreender; a Dançar com Arte, Ciência e Design. E rapidamente o público que o ouviu pôde compreender o motivo do ponto e vírgula que separa as duas partes da frase.
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Na última lição pública de Fernando Carvalho Rodrigues, nesta segunda-feira, no IADE, em Lisboa, foi dada à palavra “empreender” um sentido raro. O coordenador-geral do primeiro (e único) satélite português, o PoSat-1, lançado em 1993, escolheu para título da lição Empreender; a Dançar com Arte, Ciência e Design. E rapidamente o público que o ouviu pôde compreender o motivo do ponto e vírgula que separa as duas partes da frase.
“O verbo empreender tem duas formas. Uma é transitiva que é empreender a fazer qualquer coisa. Outra é a intransitiva, que é cismar, prender, estar ensimesmado, perplexo. É como se uma sombra estivesse a passar-nos por cima. ‘O que é que empreendes?’ É um significado que se usa muito na Beira, quando se vê alguém parado, paralisado. Não é quando se está a fazer alguma coisa. É quando se está sem fazer nada. Quando se está fechado”, explicou ao PÚBLICO, pouco depois de ter terminado a última lição, e rodeado de pessoas que o vieram felicitar.
Um dos últimos slides da sua apresentação mostrava um quadro do artista norte-americano Henry Casselli, onde se vê pintado o astronauta John Young, da NASA, momentos anos de entrar para o vaivém Columbia, a 12 de Abril de 1981. O astronauta parece estar envolvido em sombras. “Está a preparar-se”, interpretou Fernando Carvalho Rodrigues, olhando para o quadro. Está a antecipar toda a radiação a que se irá submeter no espaço e a todas as alterações fisiológicas de um mundo sem gravidade, sugeriu o físico. “O que te ensombra?”, questionou Carvalho Rodrigues, a olhar agora para o público, retomando a ideia de empreender. “Sombra sai da minha frente”, disse ainda, “siga a dança”.
“Normalmente, na última aula, as pessoas têm a sombra da nostalgia. E a própria audiência diz ‘eh pá, é a última vez’”, disse Carvalho Rodrigues ao PÚBLICO, justificando o tema que trouxe para a lição, e afirmando que ele irá continuar a dançar. Além de ter sido professor catedrático do IADE, o investigador foi coordenador científico da Unidade de investigação em Design e Comunicação do instituto entre 2001 e 2015. Mal terminou a apresentação, o instituto ofereceu-lhe a posição de professor emérito.
Mas a última lição já tinha sido uma demonstração dessa dança, em que o físico saltitou de um tema para o outro, passando pela beleza dos números, que descrevem o mundo, falando da ponte entre a invenção e a inovação, da importância da ciência e do “design” e olhando para o mundo de amanhã, feito de “seres fabricados”, a famosa inteligência artificial.
“Quando formos nove mil milhões de seres nascidos, haverá 1,5 triliões (milhão de bilião) de seres fabricados”, disse. “Estamos a dar a seres fabricados prerrogativas humanas”, defendeu, exemplificando que hoje, quando entregamos o IRS, já não contactamos com humanos, fazemos tudo virtualmente. “Os seres fabricados são o chão e a linha do horizonte”, advertiu, referindo-se então à utopia. “A linha do horizonte foi criada por causa da utopia. O estupor da utopia serve para caminharmos, se não houver utopia fica tudo parado.”
Fernando Carvalho Rodrigues licenciou-se em física na Universidade de Lisboa em 1969, e doutorou-se cinco anos depois, em Engenharia Electrónica na Universidade de Liverpool, no Reino Unido. Em 1977, ganhou o Prémio Pfizer pelos resultados na aplicação de processamento de imagem em medicina. Em 1985, tornou-se professor catedrático no Instituto Superior Técnico de Lisboa, onde esteve até 1996. Entre 1999 e 2012, foi director de Programa de Ciência da NATO.
Mas foi com o lançamento do PoSat-1, a 26 de Setembro de 1993, que o investigador ganhou notoriedade nacional, e ganhou a alcunha de "pai" do satélite português. De 50 quilos, o aparelho pertence à classe dos microssatélites, e partiu para o espaço a bordo de um foguetão Ariane-4, que descolou da Guiana Francesa. Desde 2006 que deixou de comunicar com Portugal. Como está o PoSat-1? “Está velho, como eu.”