O ano de 2015 marca o big bang da economia ociosa
A indústria do táxi treme por causa da Uber e outros sectores passarão pelo mesmo. Um dos gurus mundiais da gestão vê múltiplos exemplos. As empresas tradicionais que se cuidem.
O currículo de Kenichi Ohmae é longo. Em 1994, a Economist nomeou-o um dos cinco gurus mundiais de gestão empresarial. Tem mais de 100 obras publicadas e algumas das ideias que defende farão arrepiar em Portugal aqueles que se indignaram no passado quando Passos Coelho e Miguel Relvas disseram que o estrangeiro podia ser uma solução para os trabalhadores qualificados que por cá tinham caído no desemprego. Bacharel em Química e licenciado em Física Nuclear, diplomas que obteve no Japão, Ohmae, 73 anos, doutorou-se em Engenharia Nuclear no MIT, nos EUA. Mas é o seu percurso como consultor, empresário e professor que o tornaram conhecido mundialmente. Liderou a McKinsey na Ásia e no seu país natal fundou uma escola de MBA. Hoje, diz que o desafio do mundo desenvolvido é gerir a abundância de recursos ociosos. A Uber é de quem mais se fala, mas poderíamos falar de outras empresas, incluindo portuguesas, como a Farfetch, que assentam no mesmo modelo: são intermediários, sem risco de inventário e pouco ou nenhum fundo de maneio, que exploram a dinâmica entre oferta e procura através da tecnologia. Aos europeus, Ohmae recomenda que “pensem nas férias quando forem velhos”. Aos portugueses, aconselha a ambição de se tornarem globais, aproveitando a convergência da Internet e dos sistemas de localização e dos telemóveis. Porque é esta tríade que poderá pautar o crescimento nos próximos anos, defende Ohmae, em entrevista ao PÚBLICO, durante o QSP Summit, que juntou 1200 gestores há uma semana, em Matosinhos.
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O currículo de Kenichi Ohmae é longo. Em 1994, a Economist nomeou-o um dos cinco gurus mundiais de gestão empresarial. Tem mais de 100 obras publicadas e algumas das ideias que defende farão arrepiar em Portugal aqueles que se indignaram no passado quando Passos Coelho e Miguel Relvas disseram que o estrangeiro podia ser uma solução para os trabalhadores qualificados que por cá tinham caído no desemprego. Bacharel em Química e licenciado em Física Nuclear, diplomas que obteve no Japão, Ohmae, 73 anos, doutorou-se em Engenharia Nuclear no MIT, nos EUA. Mas é o seu percurso como consultor, empresário e professor que o tornaram conhecido mundialmente. Liderou a McKinsey na Ásia e no seu país natal fundou uma escola de MBA. Hoje, diz que o desafio do mundo desenvolvido é gerir a abundância de recursos ociosos. A Uber é de quem mais se fala, mas poderíamos falar de outras empresas, incluindo portuguesas, como a Farfetch, que assentam no mesmo modelo: são intermediários, sem risco de inventário e pouco ou nenhum fundo de maneio, que exploram a dinâmica entre oferta e procura através da tecnologia. Aos europeus, Ohmae recomenda que “pensem nas férias quando forem velhos”. Aos portugueses, aconselha a ambição de se tornarem globais, aproveitando a convergência da Internet e dos sistemas de localização e dos telemóveis. Porque é esta tríade que poderá pautar o crescimento nos próximos anos, defende Ohmae, em entrevista ao PÚBLICO, durante o QSP Summit, que juntou 1200 gestores há uma semana, em Matosinhos.
Por que diz que 2015 marca o início de uma nova era?
No ano passado vi muitas empresas novas a emergir, ligadas ao ciberespaço e ao GPS, que estão a convergir nos telemóveis e a criar novos negócios globais. As sementes que víamos há cinco anos provocaram um big bang em 2015 e os efeitos vão aparecer daqui para a frente.
Esse big bang significa o quê para o mundo empresarial?
É o momento zero. É o início da corrida, todos estão na linha de partida, não há ninguém atrasado. No Japão dizemos: “Organizem-se para aproveitar os recursos ociosos que não estão a ser aproveitados”.
É uma especificidade do Japão?
Não. Isto está a acontecer agora mesmo, num gigantesco continente digital!
Dá a sensação de que estamos sempre a falar das mesmas empresas, Uber, Airbnb...
Poderia citar-lhe de memória cerca de 20 exemplos, além dos que referiu. No Japão, por exemplo, a Raksul, que está a baixar os custos de impressão e a mudar esse mercado. Ou a Safie, que vende um sistema de segurança para casa muito simples e mais barato, porque só necessita de uma câmara e um smartphone, e que pode ser usado por qualquer um mas que no meu país está muito dirigido às consumidoras [a americana Dropcam oferece um serviço semelhante e foi adquirida por uma subsidiária da Google por 555 milhões de dólares em Junho de 2014]. Temos a Crowdworks, que está a mudar o mercado laboral japonês [e que há um ano ponderava investir noutras latitudes], e de tantas outras empresas que surgem como cogumelos. Nos EUA, só para dar outro exemplo, temos a Rideshare. Na escola que fundei no Japão criámos muitos negócios deste género. O modelo, mais uma vez, é o mesmo: o negócio funciona com base na informação geográfica e na arbitragem sobre recursos ociosos.
Quem está a liderar esta vaga de novas empresas?
Os exemplos que lhe dei são projectos de jovens acabados de formar, ou que ainda nem saíram das universidades ou nem passaram por lá. Quem está a liderar isto? Alguém que não está no establishment, que não trabalha nas grandes empresas tradicionais.
E que mensagem tem para essas empresas?
Esta reconfiguração é um grande problema para elas. Trabalho com algumas delas e deparo-me com queixas de que a gestão de topo não digere a mudança acelerada a que assistimos. São empresas que viviam muito bem num ambiente económico estável, sem mudanças bruscas, mas que face ao novo panorama tendem a ter medo de que o seu sucesso esteja condenado neste novo ambiente.
Por exemplo...?
A Sharp e a Toshiba estão a cair aos pedaços. Eram empresas mundiais, bem estabelecidas, financeiramente saudáveis e ninguém acreditaria que fossem apanhadas na espiral de problemas em que se encontram desde há cinco anos. A gestão de topo é muito lenta e não consegue encorajar os empregados, porque não cresceram com a necessidade de lidarem com esses desafios. São empresas que têm as melhores respostas para a velha economia.
O que lhes falta?
Iniciativa para se dividirem em diferentes unidades, mais pequenas, e o incentivo para pegarem em jovens e dizer-lhes: “venham, arrisquem, ajudem-nos a mudar a nossa empresa”.
Há alguém que tenha feito isso?
A General Electric (GE) tentou, nos Estados Unidos. Quando era liderada pelo Jack Welch [entre 1981 e 2001], a GE pensou que por cada unidade de negócio que tinha, teria de criar uma “anti-unidade”. Pensaram assim: se alguém surgir para destruir o nosso modelo de negócio, então que sejamos nós próprios, através dessas “anti-unidades”, que garantiriam a sobrevivência do negócio sob outras formas.
Nessa altura a Internet não tinha a força que tem hoje...
Agora, estas empresas precisam de dar uma nova volta. Algumas delas, se querem prosperar, vão ter de criar os seus “adversários” – ou pelo menos pensar e agir como eles. Isso significa que a gestão de topo tem de estar disponível para tolerar esses jovens outsiders e trabalhar com eles.
O que trazem esses jovens?
No século XX as empresas procuravam sucesso académico, que traziam as respostas da escola e contratavam quem “fizesse mais, melhor e mais rápido”. O problema é que as respostas da escola de hoje ainda são para problemas antigos. No século XXI, as empresas precisam de profissionais com “picos” de imaginação, que sejam shakers e shapers, que têm os smartphones nos cromossomas e não somente talento académico.
Defende que os próximos tempos pertencem à idle economy [economia ociosa]. Como se define este conceito?
A economia ociosa representa uma grande oportunidade para os países desenvolvidos, onde as pessoas têm muitas coisas, mas que são recursos em estado ocioso. Exemplo: no Japão, um casal que tem lugares de estacionamento aluga-os, das 9h às 17h, por 150 euros mensais, enquanto está fora a trabalhar. Mas podemos pensar em carros, casas, cinemas, trabalhadores, tudo... O ponto é: fazer arbitragem de recursos ociosos, sejam estes profissionais qualificados, instalações, equipamentos ou tecnologia, é uma enorme oportunidade nos países que hoje gerem a abundância e não a escassez. Pelo contrário, nos países subdesenvolvidos, os recursos são escassos. O Estado e as pessoas querem comprar. Enquanto for assim, o consumo sustentará o crescimento económico.
Para um europeu, habituado a trabalhar por conta de outrem, esse modelo significa o fim do vínculo laboral...
Alguém vai fazer essa arbitragem de recursos ociosos se nós não a fizermos. Tudo isso me parece uma desculpa para não fazer a mudança. Provavelmente haverá gente jovem, agressiva e talvez até mal-intencionada que vai aproveitar esta realidade. Se ficarmos simplesmente a gozar os benefícios da protecção do trabalho, arriscamo-nos a ver os nossos negócios ultrapassados.
Esse modelo funcionará em todos os países?
Penso que não. Alguns governos vão tentar banir este tipo de arbitragem, mas isso representará também uma perda para os consumidores, porque perdem a possibilidade de escolher entre o modelo tradicional e uma nova forma de negócio, em que o custo é muito mais baixo. Nos países em que não se der essa escolha aos consumidores, haverá uma sobrevalorização do poder governamental.
Há algum problema que o Estado regule, digamos?
Penso que a sociedade, como um todo, não ficará satisfeita se tiver de se contentar com a segunda melhor opção, que não optimiza a alocação dos recursos de uma economia. E é precisamente nesse cenário que surgirão empresas agressivas a fazer a arbitragem.
Quanto mais vai durar o crescimento das economias emergentes com base no consumo?
Mais cinco a dez anos. Em África, há países onde as transferências de dinheiro se fazem por telemóvel e já há todo o tipo de comércio electrónico. Na Índia e na China, o e-commerce tornou-se mais relevante do que os grandes centros comerciais e hipermercados. A construção de shoppings, sobretudo em locais mais remotos, está a ser substituída pelo comércio online. O shopping está hoje na ponta dos nossos dedos! Dentro de cinco a dez anos, vamos encontrar o motor do crescimento na ponta dos dedos!
Em Portugal, 99,9% das empresas são de micro, pequena ou média dimensão. Na conferência em que participou no Porto deixou-lhes uma mensagem pouco tranquilizadora…
Assim que assumimos que somos uma pequena ou média empresa já estamos a perder o jogo.
Por que diz isso?
Dizermos a nós próprios que somos pequenos ou médios e que a fatia de leão pertence aos grandes é uma mentalidade derrotista. Pensar que somos uma PME é uma forma de nós próprios definirmos ou até limitarmos a nossa grandeza. O tamanho é infinito, as oportunidades são infinitas e o mercado hoje é todo o planeta.
O que deveriam pensar?
Que podem tornar-se o número um do mundo. Algumas destas empresas da economia ociosa vêm do zero e chegam em três ou quatro anos a valer 50 mil milhões de dólares, como a Uber.
Isso não é apenas optimismo?
Há cinco anos, a Uber não existia. Há três, era pequena. Hoje é gigante. Penso que não se deveria distinguir empresas com base no tamanho. É preciso a ambição de querer chegar a número um do mundo. Hoje podemos ultrapassar todas as fronteiras neste ecossistema mobile. No momento em que uma empresa nasce, ela deve ter a ambição de servir toda a sociedade. E a sociedade é global. Essa é a beleza do ambiente mobile: há dois sistemas operativos dominantes, iguais em todo o lado. Isso representa um enormíssimo potencial de crescimento.
Criar empresas tipo Uber? É isso que recomendaria aos empresários portugueses?
Hoje chega-se da noite para o dia a mercados relevantes através do comércio electrónico. Por isso, deveriam encorajar esta ideia de que uma empresa se deve tornar global no dia em que nasce.
Ambição é uma questão individual, cultural…?
É de família.
Como assim? Na Ásia e na Europa, a ambição é encarada de forma diferente…
Tudo depende da família. Muitas famílias judaicas educam as suas crianças para serem as melhores na escola, na comunidade e para que alcancem algo de grandioso nas suas vidas. Em Taiwan, as pessoas são educadas para resistirem às tentações territoriais, políticas e culturais da China. O receio que existe de serem ultrapassadas está enraizado nas próprias famílias. Independentemente do que aconteça ao país, as famílias querem sobreviver e ter sucesso.
E que cenário encontra na Europa?
A Europa tem de se tornar mais competitiva, não se enredar numa vida confortável. Pensem em férias quando ficarem velhos.
Portugal tem ambição?
Tenho encontrado muita gente que pensa como eu. Mas temos aqui um problema governamental e também familiar. Deveriam educar os jovens para não se ficarem no conforto de Portugal ou da Europa. Porque é isso que estão a fazer as cidades, regiões e países que querem ser relevantes nesta nova era global. Sair para a Europa já não chega. Devem ir muito mais além.
O que quer dizer com isso?
Vivam na China uns anos, ou no Vietname. China e Índia têm muitas coisas más, mas a ambição é comum entre os que conseguiram ter sucesso global. Por isso, não culparia tanto os governos, porque estes não se mudam da noite para o dia. Mas podemos mudar a nossa família, ou a nossa empresa.
Diz que Portugal, como outros países, vive o “middle country dilemma”. Como se define esse dilema?
É uma posição muito perigosa. Quando um país tem sucesso, os salários sobem e a economia torna-se menos competitiva, se não houver inovação. Foi o que vimos acontecer no México, ou na Coreia do Sul, em cinco ou seis anos. Para sair dessa armadilha, uma economia precisa de apostar na inovação.
Num mundo repleto de incerteza que papel tem a estratégia?
No passado, pensávamos na empresa, na concorrência e nos clientes, No século XXI, estratégia é pensar no cliente, no que ele quer. A concorrência, nesse sentido, perde relevância. O foco está no cliente e no que procura. Com a internet, sabemos melhor quem é, onde está, o que quer e quando. Podemos estabelecer uma relação directa com ele. A isso chamamos narrowcasting. No século XX, fazíamos broadcasting. Agora dirigimo-nos a um grupo específico. E se a nossa base de dados for muito boa, podemos dirigir-nos a um indivídio só – a isso se chama pointcasting. Esta é a mudança na estratégia.