Dilma sugere prisão de Sérgio Moro, o juiz que aprendeu na escola Mãos Limpas

Herói ou justiceiro com uma agenda política, o juiz da Operação Lava Jato defende há muito que "a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da acção judicial".

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Sérgio Moro é um discípulo da mítica Operação Mãos Limpas Paulo Whitaker/Reuters

O Brasil e os Estados Unidos estão separados pela língua, mas a dimensão e a proximidade geográfica fazem com que a grave crise política no país sul-americano seja cada vez mais um tema de conversa a Norte.

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O Brasil e os Estados Unidos estão separados pela língua, mas a dimensão e a proximidade geográfica fazem com que a grave crise política no país sul-americano seja cada vez mais um tema de conversa a Norte.

"Em nome de todos os americanos, gostaria de agradecer ao Brasil por fazer com que a política dos EUA pareça ser civilizada", escreveu no Twitter um dos gurus da análise de riscos internacionais, Ian Bremmer, num momento em que a campanha para as eleições presidenciais norte-americanas desce a toda a velocidade até aos patamares mais baixos da dignidade.

Um dos nomes que se destaca sempre que alguém escreve ou fala sobre o período que o Brasil atravessa neste momento é o de Sérgio Moro, o juiz que lidera a investigação ao maior escândalo de corrupção política e empresarial no país, que nasceu na empresa Petrobras e é conhecido como Operação Lava Jato.

Para quem está convencido de que o ex-Presidente Lula da Silva é corrupto – e que a Presidente Dilma Rousseff deveria ser destituída, embora no âmbito de um caso diferente, relacionado com as contas do seu primeiro governo –, o juiz Sérgio Moro é um herói, uma espécie de Batman de Maringá que chegou para combater as trevas da corrupção no Brasil; para quem acredita na inocência de ambos, Moro é um juiz guiado por uma clara agenda política: a destruição dos maiores símbolos vivos do Partido dos Trabalhadores e da sua luta pelo fim das desigualdades no país.

Com um Brasil dividido entre as duas imagens, o jornal Folha de S. Paulo veio dar esta sexta-feira um puxão de orelhas ao juiz, acusando-o de ter despido a toga e de ter feito uma "temerária incursão pelo cálculo político" quando decidiu divulgar conversas telefónicas entre Lula da Silva e Dilma Rousseff.

"Não se trata de relativizar o peso das notícias acerca da Operação Lava Jato, ou de minimizar o efeito político e jurídico das gravações telefónicas divulgadas nesta semana. O imperioso combate à corrupção, entretanto, não pode avançar à revelia das garantias individuais e das leis em vigor no país. Tal lembrança deveria ser desnecessária num Estado democrático de Direito, mas ela se torna relevante diante de recentes atitudes do juiz federal Sérgio Moro, em geral cioso de seus deveres e limites", lê-se no editorial do jornal brasileiro, intitulado "Protagonismo perigoso".

Numa reacção esta sexta-feira, a própria Presidente lançou um duro ataque contra Sérgio Moro, sem nunca referir o nome do juiz, dizendo que "em muitos lugares do mundo, quem grampear [fez escutas] um Presidente vai preso se não tiver autorização judicial da Suprema Corte".

Quinta-feira, numa discussão na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o professor de Direito Penal Sérgio Salomão Schecaira defendeu essencialmente o mesmo destino que Dilma Rousseff aponta a Sérgio Moro: o juiz devia "ser preso" por ter revelado as escutas, sendo uma prova de que faz "uso selectivo" das informações no âmbito de "um golpe que está em curso".

Outro juiz, Marcelo Semer, da Associação Juízes para a Democracia, disse que "há um estado policial que está desalojando o Estado democrático de Direito no país". Na sua conta no Twitter, Semer escreveu que "a chicana de juiz [é] mais grave do que a de réu. Juiz é garantidor de direitos. Não xerife, acusador, salvador da pátria..."

Mais do que uma questão de esquerda ou direita – contra a defesa dos desfavorecidos e em nome de uma "pequena burguesia que chega ao poder, com forte sentimento moralizante e conservador", como disse no ano passado o advogado Lenio Streck à edição brasileira do El País –, vale a pena perceber que o juiz Sérgio Moro é um discípulo dos métodos da mítica Operação Mãos Limpas, que provocou um gigantesco rombo na política italiana na década de 1990.

Um dos principais indicadores públicos da forma como Moro entende o trabalho de um juiz que tenta combater a grande corrupção é um texto que o próprio escreveu em 2004 na Revista Jurídica do Centro de Estudos Judiciários, recuperado esta sexta-feira pela BBC Brasil.

Numa das passagens, o juiz defende que o envolvimento da opinião pública é essencial para que a Justiça tenha sucesso – um argumento que é facilmente usado contra si pelos que o acusam de ter uma agenda política quando decidiu divulgar as escutas entre Lula da Silva e Dilma Rousseff: "Na verdade, é ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reacções. Um Judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, é condição necessária para suportar acções judiciais da espécie. Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da acção judicial."

No mesmo texto, Moro defende o recurso a negociações de penas com arrependidos – algo que tem sido uma marca da Operação Lava Jato, e que contribuiu para que mais nomes de envolvidos tenham caído com a rapidez de uma fila de dominós. "Sobre a delação premiada, não se está traindo a pátria ou alguma espécie de 'resistência francesa'. Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio", escreveu o juiz em 2004.

Mas há quem tente olhar para além da polémica sobre o juiz herói, o juiz comprado ou o juiz justiceiro – no site norte-americano Vox, o académico Matthew Taylor, que se dedica a estudar os casos de corrupção no Brasil, diz que, no final, quem sairá a ganhar é esse mesmo Brasil que agora parece ter mergulhado nas trevas.

"Antes do caso Petrobras, quem tinha de decidir se os custos da corrupção ultrapassavam os seus benefícios, decidiria sem qualquer dificuldade tornar-se corrupto", disse Taylor. Numa visão optimista, o especialista conclui que a Operação Lava Jato é tão importante que "mudou essa avaliação".