Violência contra idosos é cada vez mais visível

Primeiro estudo sobre a prevalência de violência contra idosos na população portuguesa estima uma prevalência de 12,3% ao longo de um ano.

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Paulo Pimenta

Portugal tardou a reconhecer que os idosos podem ser vítimas de maus tratos no seio da família. E as estatísticas sobre isso “ainda são menos abundantes do que as relativas a outras formas de violência doméstica”, nota a socióloga Isabel Dias, professora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A visibilidade do fenómeno está, por fim, a crescer.

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Portugal tardou a reconhecer que os idosos podem ser vítimas de maus tratos no seio da família. E as estatísticas sobre isso “ainda são menos abundantes do que as relativas a outras formas de violência doméstica”, nota a socióloga Isabel Dias, professora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A visibilidade do fenómeno está, por fim, a crescer.

A sociedade está cada vez mais envelhecida. O Relatório Anual de Segurança Interna não permite perceber quantos idosos se queixam de violência, mas o número de casos que vão chegando à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima vai mostrado a tendência de crescimento de denúncias: passou de 774 em 2013 para 852 em 2014 – os dados de 2015 só serão revelados no final de Março.

“Haverá grandes cifras negras”, lembra Teresa Morais, procuradora do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto (DIAP) que coordena uma secção dedicada em exclusivo aos crimes de violência doméstica e maus tratos. “É mais complicado para um idoso chegar às instâncias formais e fazer uma denúncia.”

O primeiro estudo sobre a prevalência de violência contra idosos na população portuguesa, apresentado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) em 2014, admitiu uma prevalência para os vários tipos de agressões de 12,3% ao longo de um ano (314 mil casos). O estudo, conduzido pela socióloga Ana Gil, conclui que o cônjuge/companheiro é o grande protagonista de violência física (49,5%). Seguem-se os filhos (30%) e as filhas (8,9%). A agressão também pode ser perpetrada por noras/genros (3%) ou outros familiares (5%), nomeadamente netos (2,3%) ou netas (0,2%). Quando se fala de negligência, o peso de filhos (27,3%) e filhas (21,3%) aumenta. Em qualquer caso, impera o silêncio: 64,9% não falam sobre a situação nem apresentam queixa.

“É algo muito difícil de aceitar”, torna Teresa Morais. A violência, sobretudo quando perpetrada por descentes, “repercute-se muitas vezes na vítima como uma assunção de que ela própria falhou e que toda a sua actual vivência é, no fundo, resultado de um prévio fracasso educativo ou inter-relacional”, explica a procuradora. Ao medo, à tristeza e à vergonha junta-se um enorme sentimento de culpa.

Entre os factores de risco, muitos investigadores colocam a elevada dependência dos idosos, a nível de prestação de cuidados, mas consideram também a dependência financeira dos membros da família, sobretudo cônjuges ou filhos. Há mesmo quem entenda, sublinha Isabel Dias, que “os perpetradores de abusos sobre os idosos são mais dependentes do que o contrário”. A dependência de que fala nota-se, sobretudo, no domínio da habitação ou do sustento.

Há outros factores. Admite-se a possibilidade de transmissão geracional (as pessoas que maltratam idosos teriam crescido em ambientes violentos) e do stress potenciar comportamentos violentos (aspectos como o desemprego, a falta de dinheiro, o divórcio). Isabel Dias acha importante ponderar também a qualidade da relação dos idosos com os cônjuges ou filhos.

Na opinião de Teresa Morais, há que pensar nas respostas que existem. O sistema penal está longe de fornecer todas as respostas necessárias a estes casos. O que acontece quando o cuidador é o agressor?, questiona. “Ou tiramos o cuidador da casa e o idoso fica sozinho, apenas com instâncias sociais que tratam da higiene, da alimentação, da casa, e falta aí muita coisa, a pessoa também vive de afectos, de interacção. Ou o institucionalizamos e desenraizamos.”