Violência ameaça paralisar zona central de Moçambique

Ataques atribuídos à Renamo tornam muito perigosa a viagem em vários troços da EN1. Há já quem fale num clima de guerra civil.

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Segundo o ACNUR, 11.500 moçambicanos fugiram da violência para o vizinho Malawi James Oatway/AFP/MSF

O principal eixo que liga o Norte ao Sul de Moçambique tornou-se, em muitos troços, uma estrada fantasma: os antigos guerrilheiros da Renamo voltaram a pegar em armas e a levar a cabo ataques mortíferos contra civis, ameaçando de paralisia o Centro do país.

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O principal eixo que liga o Norte ao Sul de Moçambique tornou-se, em muitos troços, uma estrada fantasma: os antigos guerrilheiros da Renamo voltaram a pegar em armas e a levar a cabo ataques mortíferos contra civis, ameaçando de paralisia o Centro do país.

“Na semana passada, registámos oito ataques dos homens da Renamo, que fizeram um total de três mortos, incluindo uma criança de três anos, e 23 feridos”, afirmou Inácio Dina, porta-voz da polícia moçambicana, por estes dias em Maputo.

Na origem da violência, está a contestação da Renamo contra os resultados das eleições presidenciais e legislativas de Outubro de 2014, ganhas novamente pela Frelimo, no poder em Moçambique desde 1975. Em Junho do ano seguinte, ocorreram confrontos esporádicos entre as tropas governamentais e o braço armado do partido da oposição, na região centro do país. E a situação ficou ainda mais envenenada quando o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, ameaçou em Dezembro passado tomar o poder nas províncias em que diz ter vencido nas presidenciais.

A tensão atingiu o pico no último mês, desta vez com vítimas civis. A Renamo fez, segundo a polícia, mais de 30 ataques na Estrada Nacional 1 (EN1), a principal via que liga o Norte ao Sul do país, em represália contra uma vaga de sequestros e assassinatos de uma dezena dos seus representantes locais.

“É preciso ser realista. Aqui, em Maputo, no Sul, não se sente nada, mas não há dúvidas: o país está em guerra”, comenta Fernanda Lobato, do colectivo de bloggers Olho de Cidadão. “É verdade que os confrontos aconteceram somente em certas zonas. Mas há pessoas a morrer, há refugiados a fugir. Isso são factos.”

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 11.500 moçambicanos estão actualmente refugiados no Malawi. A maior parte deles dizem fugir dos atropelos cometidos pelo Exército, que já não esconde a sua vontade de desarmar a Renamo pela força.

“Moçambique não está em guerra”, riposta Inácio Dina, questionado pela AFP. Só em três das 11 províncias tem havido incidente, alega, e “o Exército está posicionado para garantir a segurança dos viajantes e dos turistas que circulam nesta região”.

Caos absoluto
O Exército escolta os veículos que atravessam os troços mais perigosos da EN1. Mas, segundo a imprensa local, só três ou quatro colunas de veículos conseguem viajar por dia. “Espero que a paz regresse. Não temos possibilidades de nos deslocar de avião e circular de carro tornou-se um caos absoluto”, queixa-se Lasmim Eugenio, um viajante ouvido pelo jornal local Diário de Moçambique, de Nhamapaza (província de Sofala).

Nos últimos dias, outros eixos rodoviários do Centro do país foram também atingidos pela violência: dezenas de pessoas ficaram feridas em emboscadas a autocarros de passageiros, que a Renamo suspeita estarem a ser usados para transportar tropas. Como consequência, as embaixadas desaconselharam os seus cidadãos a deslocarem-se à região central.

Entre 2013 e 2014, a Renamo paralisou o centro de Moçambique para denunciar a não reintegração dos antigos guerrilheiros no Exército e na polícia, tal como previam o acordo de paz de 1992. “Tudo o que negociámos e assinámos, a Frelimo deitou ao lixo”, afirmou na segunda-feira passada Afonso Dhlakama à emissora alemã Deutsche Welle, a partir das montanhas da Gorongosa (Centro) onde está refugiado desde Outubro.

Para Egídio Vaz, analista político moçambicano, os acordos de paz assinados em 1992, após 16 anos de guerra civil, e o acordo de cessar-fogo concluído em Setembro de 2014, nunca foram realmente postos em prática, provocando a ira da Renamo.

“O regresso ao diálogo é possível, se e apenas o Presidente Filipe Nyusi for capaz de garantir a segurança de Dhlakama”, diz o analista, lembrando que o líder da oposição “foi visado pessoalmente várias vezes nos últimos meses”

Nas últimas semanas, o Presidente Nyusi anunciou várias iniciativas para se encontrar com Dhlakama. Mas o líder da Renamo exige uma mediação internacional e diz estar pronto a negociar assim que controlar seis das 11 províncias do país.