Curdos proclamam "sistema federal" no Norte da Síria
Iniciativa, uma afronta para a Turquia, surge em resposta à exclusão das negociações em Genebra. Formações curdas dizem que entidade não é um primeiro passo para a independência.
Os partidos curdos da Síria proclamaram a criação de um sistema federal nas áreas que controlam no Norte do país, o equivalente a 14% do território nacional. A iniciativa é vista como um passo em direcção a uma autonomia semelhante àquela de que goza o Curdistão iraquiano, cenário que não é aceite nem pelo regime nem pela oposição síria e que constitui uma linha vermelha absoluta para a Turquia.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os partidos curdos da Síria proclamaram a criação de um sistema federal nas áreas que controlam no Norte do país, o equivalente a 14% do território nacional. A iniciativa é vista como um passo em direcção a uma autonomia semelhante àquela de que goza o Curdistão iraquiano, cenário que não é aceite nem pelo regime nem pela oposição síria e que constitui uma linha vermelha absoluta para a Turquia.
A decisão foi tomada numa reunião de dois dias em Rmeilan, no Nordeste, que juntou 150 delegados de partidos curdos, mas também árabes e assírios, na mesma altura que, em Genebra, representantes do Presidente Bashar al-Assad e dos grupos rebeldes participam nas negociações mediadas pelas Nações Unidas. Tal como aconteceu em Fevereiro, os curdos foram excluídos do processo, por insistência da Turquia, que não vê naqueles grupos mais do que ramificações do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), com quem está há décadas em guerra.
Esta proclamação, explicou à AFP o analista curdo Mutlu Civiroglu, “é uma mensagem política” dirigida aos negociadores em Genebra: “Se nos ignorarem, vamos determinar nós mesmos o nosso futuro.”
A região federal “Rojava-Norte da Síria” – Rojava é a designação curda para as áreas ocidentais do Curdistão histórico, actualmente parte do território sírio – engloba os cantões de Afrin, no nordeste do país, Kobani e Jazira, estes últimos formando uma faixa ininterrupta de território ao longo de 400 quilómetros na fronteira com a Turquia, entre o rio Eufrates e o Iraque. Nesta “administração autónoma” serão ainda incluídas zonas recentemente conquistadas ao Estado Islâmico e à rebelião síria pelas milícias curdas do YPG, áreas que são maioritariamente árabes e turcomanas.
Os responsáveis curdos afirmam, no entanto, que a iniciativa não assenta em razões “étnicas” – dois presidentes, um árabe e um curdo, vão chefiar o conselho federal –, nem deve ser vista como um primeiro passo para a independência daquela região. “Este sistema federal inscreve-se naquilo que consideramos uma necessidade, a adopção do federalismo à escala nacional”, disse à AFP o responsável curdo Ibrahim Ibrahim.
A solução federal foi várias vezes apontada como solução para a pacificação da Síria que, após cinco anos de guerra, está efectivamente dividida entre as forças leais a Assad, os grupos da rebelião, as forças curdas e os jihadistas do Estado Islâmico. Mas a ideia arrasta consigo o fantasma da partição do país, de que a independência da minoria curda (10% da população) poderia ser o primeiro passo.
Numa primeira reacção, um responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros sírio disse à agência Sana que a proclamação curda “não tem qualquer efeito legal, político, social ou económico” e avisou que Damasco não tolerará qualquer “ataque à integridade territorial”. A rebelião que desde o início da guerra desconfiou das intenções curdas – sentimento agravado com a recente ofensiva do YPG contra a região de Azaz – também se insurgiu, dizendo que “qualquer tentativa para formar entidades regiões ou administrações [à margem das negociações] usurpa a vontade do povo”.
Mas a proclamação do Rojava é sobretudo uma afronta para a Turquia que classifica o YPG como grupo terrorista, mesmo sendo ele a principal arma em terra da coligação internacional contra o Estado Islâmico. Ancara, receando qualquer iniciativa que reacenda os desejos de autonomia da sua minoria curda, bombardeou no mês passado posições das milícias curdas quando estas, aproveitando os bombardeamentos russos, tentaram conquistar Azaz, uma ofensiva que abriria caminho à ambição de unir todos os cantões curdos num único território ao longo da fronteira.