Cloacas com 2000 anos continuam a fazer parte da rede de saneamento de Beja
É o vestígio de maior dimensão deixado pela presença romana no Alentejo. A rede tem, ainda hoje, vários quilómetros de extensão e continua a garantir o escoamento das águas residuais.
A caixa do tempo existente no subsolo da cidade de Beja continua a revelar segredos sobre a ocupação romana que decorreu entre os séculos I a.C e V d.C. Ao vasto património já conhecido, com destaque para a estação arqueológica da rua do Sembrano e o fórum romano, juntam-se quilómetros da rede de cloacas que há 2000 anos escoavam os esgotos e as águas pluviais da cidade então designada Pax Iulia.
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A caixa do tempo existente no subsolo da cidade de Beja continua a revelar segredos sobre a ocupação romana que decorreu entre os séculos I a.C e V d.C. Ao vasto património já conhecido, com destaque para a estação arqueológica da rua do Sembrano e o fórum romano, juntam-se quilómetros da rede de cloacas que há 2000 anos escoavam os esgotos e as águas pluviais da cidade então designada Pax Iulia.
O arqueólogo Miguel Serra, da empresa Palimpsesto, que há vários anos participa no estudo do sistema de cloacas instaladas em Beja, disse ao PÚBLICO que se trata da “maior construção” que os romanos deixaram na cidade, subsistindo “vários quilómetros de traçados e de condutas” que “ainda hoje garantem” o escoamento das águas residuais produzidas por uma população calculada em cerca 23 mil habitantes.
Vários troços foram referenciados ao longo de décadas em diversos locais da cidade e até na periferia da área urbana. E continuam a sê-lo: Durante as obras que estão a ocorrer na rua General Teófilo da Trindade, foram identificados três troços de cloaca com quatro metros de largura exterior nesta artéria e na sua proximidade. No interior do centro histórico, na rua Conde da Boavista e o Museu Regional de Beja foi descoberto um troço com 40 metros de comprimento que ladeia o cine-teatro Pax Júlia e informações orais referem que em obras antigas foram detectadas galerias em tijolo.
Miguel Serra apresentou os resultados de diversas intervenções arqueológicas realizadas na cidade de Beja sobre as cloacas de Pax Iulia, no seminário Patrimonio Sostenible - Géstion de museos y yacimientos arqueológicos en Lusitania, que decorreu entre os dias 4 e 5 de Março no Museu Nacional de Arte Romana de Mérida.
Uma das conclusões do estudo apresentado realça a “grande importância” dos trabalhos arqueológicos sobre o sistema de cloacas de Beja porque permite conhecer como era a cidade na época romana. Com efeito, nas cidades romanas dotadas de rede de esgotos, “esta segue pela orientação das ruas”, pormenor que o arqueólogo classifica de “crucial” para o “estudo do urbanismo da cidade.”
O investigador diz que é urgente fazer o levantamento exacto dos restantes troços da cloaca conhecidos na cidade, sugerindo que seja criada uma política de salvaguarda do património em futuras obras ao longo desta que é a maior obra romana identificada no Alentejo. E alerta para os riscos de manter a estrutura em funcionamento tal como “ainda acontece hoje em dia,” facto que contribui “bastante para a sua deterioração.”
Descoberta muralha romana junto a cemitério dos séculos XVI e XVII
Por outro lado, as obras que estão a decorrer no local onde existiu um cinema ao ar livre designado Parque Vista Alegre, em Beja, revelaram, na passada semana, novos vestígios arqueológicos, nomeadamente “um troço da muralha e porta romanas construídas durante o 1º século a.C que foram posteriormente sobrepostas pela muralha medieval”, anuncia Miguel Serra. A presença da porta romana, que já tinha sido sugerida pelo historiador Leonel Borrela, é agora confirmada pela identificação de ombreiras e soleiras.
É o primeiro local da cidade onde apareceu a estrutura defensiva que teria circundado a mesma área (cerca de 30 hectares) que a muralha medieval. “Há essa possibilidade”, admite o investigador, realçando o facto de também ter sido descoberto no interior do Castelo de Beja um troço de muralha romana.
Grandes blocos de pedra foram utilizados na sua construção sem que seja patente a aplicação de qualquer tipo de argamassa na consolidação da estrutura.
Mais tarde, em 1253 e durante o reinado de D. Afonso III ocorreu a primeira restauração dos chamados “muros de Beja”. Hoje pode observar-se a grande quantidade de materiais dos edifícios romanos que foram utilizados na construção da muralha medieval. Até pilastras visigóticas lá de encontram, a cabeça de um touro romana, soleiras de portas, pedras decoradas, etc.
As obras de recuperação do Parque da Bela Vista que estão a ocorrer neste momento, revelaram ainda um cemitério dos séculos XVI e XVII, com 9 enterramentos. Miguel Serra disse ao PÚBLICO que estava à espera de encontrar enterramentos islâmicos como os que foram encontrados durante os trabalhos de acompanhamento arqueológico efectuados pela empresa Palimpseto, no projecto de remodelação da rede pública de água de Beja, entre 2006 e 2007. Foram identificados 11 enterramentos a poucos metros do local onde agora foi identificado o cemitério da época moderna.
Até ao momento apareceram esqueletos de indivíduos masculinos que morreram em idade jovem, entre os 20 e os 30 anos, o que corresponderá a uma população muito específica da cidade.
Numa análise preliminar, o arqueólogo admite que se possa estar perante “uma espécie de cemitério dos indigentes ou rejeitados”. Os despojos humanos “apresentam joanetes e marcas de grande esforço de quem carregava pesos desde muito novo. Alguns apresentavam sinais de raquitismo e subnutrição e um deles caminharia com a ajuda de muletas. Outro apresentava costelas partidas e cicatrizadas e marcas no interior do crânio, provavelmente resultantes de aneurisma.”
Os trabalhos de prospecção vão prosseguir com a abertura de novas valas em busca de vestígios da necrópole islâmica.