Na cabeça criativa de nove arquitectos

Como é o processo de trabalho dos arquitectos portugueses? Uma exposição e um ciclo de conferências na Gulbenkian querem ajudar a perceber.

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João Luís Carrilho da Graça vem logo pela manhã a sair da sede Fundação Gulbenkian. Foi acertar as luzes no espaço que lhe é dedicado na exposição Inside a Criative Mind, que esta quinta-feira é inaugurada em Lisboa, e não vai ficar para a visita com os jornalistas que é já dali a bocado. Talvez através de “uma trepanação” se possa entrar dentro da cabeça de um arquitecto, brinca, depois de explicar o seu método de trabalho.

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João Luís Carrilho da Graça vem logo pela manhã a sair da sede Fundação Gulbenkian. Foi acertar as luzes no espaço que lhe é dedicado na exposição Inside a Criative Mind, que esta quinta-feira é inaugurada em Lisboa, e não vai ficar para a visita com os jornalistas que é já dali a bocado. Talvez através de “uma trepanação” se possa entrar dentro da cabeça de um arquitecto, brinca, depois de explicar o seu método de trabalho.

A exposição comissariada por Eduarda Lobato de Faria pega em sete ateliers portugueses e faz um zoom sobre sete projectos. Alguns muito conhecidos, como a Igreja de Santo António (2008), de Carrilho da Graça, em Portalegre, a Casa das Histórias (2009), de Eduardo Souto de Moura, em Cascais, o Museu Iberê Camargo (2008), de Álvaro Siza, em Porto Alegre (Brasil), ou ainda o Centro Cívico do Centro Histórico (2012), de Gonçalo Byrne, em Leiria; outros que acabam de ser terminados, como o Centro Sociocultural da Costa Nova (2016), do atelier ARX, no concelho de Ílhavo; ou que estão ainda em obra, como o Centro de Convívio de Grândola (2016), do atelier Aires Mateus, ou a Biblioteca Pública e Arquivo Municipal de Angra do Heroísmo (2016), de Inês Lobo.

Carrilho da Graça começa por lembrar que é de Portalegre e fala da paisagem marcada por afloramentos de quartzitos. “No sítio onde se ia construir a igreja percebia-se que podia haver esses afloramentos. Escavou-se até encontrá-los.” Na igreja, a rocha – que se vê através de uma grande janela e já está no exterior – serve de cenário ao altar. “O projecto é aparentemente simples no seu conjunto, já me perguntaram se era uma igreja protestante, mas a presença da rocha parece talha dourada.”

Perguntamos-lhe pela importância da memória no seu processo de trabalho, do lugar, das pré-existências. Carrilho da Graça afirma que não gosta dos termos “pré-existências e memória do lugar”. “Chego a um sítio e tenho um programa. Tento que o programa tenha um sentido mais alargado do que está na sua letra. Recupero o que está no sítio e que é mais forte e intenso.” Podem ser pré-existências, reconhece, mas esse parece-lhe um termo demasiado romântico, que implica uma atitude excessivamente cuidadosa. A sua acção “é mais interventiva”. O resto devemos mesmo perguntar à comissária, que entretanto está a chegar.

Já na sala de exposições temporárias do edifício-sede, cá em baixo, Eduarda Lobato Faria explica que o seu projecto “é uma ideia ambiciosa que junta exposição de arquitectura com um ciclo de conferências”. O ciclo, aliás, começa já esta sexta-feira, com Álvaro Siza às 18h30 no auditório 3, “e reforça tudo o que se passa na exposição”.

Antes de ouvir os nove arquitectos ao vivo (há duas duplas, os irmãos Mateus, do atelier ARX, e os irmãos Aires Mateus), é possível escutá-los, através de sete filmes feitos pela realizadora Catarina Mourão, que acompanham em cada espaço aquele material que é mais comum encontrarmos em exposições de arquitectura: esquissos, desenhos técnicos, fotografias, maquetas. Algumas, como a maqueta seccionada da igreja de Carrilho, à escala 1:20, “é absolutamente nova, acabada esta noite”, tal como a do centro da Costa Nova dos ARX, que mostra a estrutura em madeira do edifício. Há ainda, entre outro material inédito feito de propósito para a exposição, a Macchina Prospettica de Byrne, um objecto enigmático, diz a comissária, que pretende simular a experiência deste edifício-praça de Leiria à escala da rua.

“O que se passa nesta sala é uma parte da arquitectura portuguesa. Seleccionámos sete exemplos de rigor, de seriedade de amor à profissão”, diz no início da apresentação a comissária. “O caminho do arquitecto é longo, denso e muitas vezes tortuoso”, acrescenta, explicando que fez este projecto também a pensar nos seus alunos da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa. Quis mostrar o método de trabalho focado só num projecto, “desde a primeira ideia à obra construída”.

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Interrogada sobre se tinha encontrado entre os arquitectos portugueses algo de comum na forma de pensar, Eduarda Lobato Faria destaca a devoção à arquitectura, “um enorme rigor na forma de pensar e uma seriedade absoluta na forma de a conceber, essa já muito individual”. E o discurso em volta do lugar, continua muito presente ou foi superado? “Penso que o lugar é sempre um rastilho fundamental.” Nas sinopses que fazem dos projectos, “há arquitectos que falam do lugar, em que isso é mais evidente”, mas na matriz comum a comissária regressa à devoção: “Todos são estudiosos, procuram superar-se em cada obra. São inconformistas e isso leva a todo um processo que vai crescendo.”

Na visita à exposição, Eduarda Lobato Faria está acompanhada pelo arquitecto Manuel Aires Mateus, que explica que o projecto para o centro de idosos em Grândola teve cinco versões diferentes e durou 14 anos. “Interessava-nos falar um bocadinho da verdade do projecto”, explica o arquitecto, também autor da nova sede da EDP em Lisboa, sobre a razão da escolha feita para responder ao pedido da comissária, que quer mostrar como é entrar na cabeça de um arquitecto.

“Este é um dos projectos mais longos que tivemos. Por nossa culpa, por irmos à procura da resposta.” Com um programa muito simples, é um espaço de 600 metros quadrados que contém o quotidiano de uma comunidade idosa mas deve também funcionar em dias de festa. “Tem esta dificuldade de um mesmo espaço que tinha de trabalhar em duas escalas.” O espaço pode funcionar horizontalmente como um todo, pois o chão está livre, mas também verticalmente, de uma forma seccionada, através da influência e da valorização do tecto. Aires Mateus explica que o tecto incorpora vários vazios piramidais, muito verticais e acusticamente absorventes, que se transformam na prática em vários tectos, que por sua vez exercem uma compressão sobre o espaço, subdividindo-o, de certa forma, e criando novas autonomias espaciais. “Como é que se limita o espaço através de uma coisa primária que é o solo e outra coisa também primária que é a forma de o cobrir?”, questiona Manuel Aires Mateus, explicando que, assim, “os vários pequenos grupos de idosos podem encontrar-se nestes espaços que se tornam íntimos verticalmente”.

Para os Aires Mateus, este projecto significa uma viragem, uma sequência que começa aqui em Grândola, vai para a Mesquita de Bordéus e continua nos museus de Lausanne: o espaço não é só limitado e trabalhado pelo muro, mas também através da compressão do tecto. Eles que falaram durante muito tempo da espessura da parede – aqui também presente, e onde escondem, por exemplo, as casas de banho , falam agora do chão e do céu. “Interessa-nos trabalhar com aquilo que não sabemos.”