Digital detox: nesta casa os telemóveis ficam à porta
Trocaram Londres por Aljezur para abrir um projecto de "digital detox" onde o surf e o yoga são centrais. A marca "Offline Portugal" foi um dos 20 negócios apoiados pelo VEM, programa de incentivo ao regresso dos emigrantes do anterior governo. Para Bárbara e Rita foi apenas um incentivo financeiro — o regresso já estava decidido
O telemóvel e a tecnologia como bengala permanente. As amizades programadas, a espontaneidade a zeros, a falta de contacto visual. Bárbara Miranda traçou o perfil da cidade em pouco tempo: em Londres, a metrópole gigante, as pessoas viviam “solitárias”, dependentes da tecnologia, na sua “própria bolha” — e isso soava-lhe deprimente. Naquele momento, com a amiga Rita Gomes como parceira, decidiu que queria fazer algo em relação ao assunto. E assim foi. Neste fim-de-semana, em Aljezur, abrem as portas da “Offline House”, projecto de digital detox (é isso mesmo: desintoxicação digital) que esteve entre os vinte negócios apoiados pelo VEM, programa de incentivo ao regresso dos emigrantes do anterior governo. Querem desconectar da rede para conectar com as pessoas.
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O telemóvel e a tecnologia como bengala permanente. As amizades programadas, a espontaneidade a zeros, a falta de contacto visual. Bárbara Miranda traçou o perfil da cidade em pouco tempo: em Londres, a metrópole gigante, as pessoas viviam “solitárias”, dependentes da tecnologia, na sua “própria bolha” — e isso soava-lhe deprimente. Naquele momento, com a amiga Rita Gomes como parceira, decidiu que queria fazer algo em relação ao assunto. E assim foi. Neste fim-de-semana, em Aljezur, abrem as portas da “Offline House”, projecto de digital detox (é isso mesmo: desintoxicação digital) que esteve entre os vinte negócios apoiados pelo VEM, programa de incentivo ao regresso dos emigrantes do anterior governo. Querem desconectar da rede para conectar com as pessoas.
As duas amigas não entram no típico perfil de emigrantes empurrados pela crise. Bárbara, 34 anos, arquitecta, despediu-se de um atelier em Lisboa em 2010 depois de quatro anos de trabalho. Queria especializar-se em design de interiores e sobretudo viajar — e sabia que o salário português nunca lhe daria fôlego para isso. Rita, 36 anos, fez o curso de psicologia clínica e encontrou emprego logo de seguida na câmara de Torres Vedras. Mas cinco anos de trabalho depois, em 2010, sentia-se assustada com a ideia de ter um “emprego para a vida”. Seria mesmo aquilo que queria fazer para sempre? Pediu uma licença sem vencimento e partiu. Fez voluntariado, trabalhou nos jogos olímpicos, passou por uma ONG que lutava contra a fome e o desperdício alimentar. Deu aulas de inglês na Tailândia e em Barcelona.
Rita e Bárbara conheceram-se em Londres. Por lá, descobriram sonhos comuns — e decidiram, cinco anos depois de terem emigrado, que haviam de regressar a Portugal. Não foi o VEM que as fez voltar, mas o apoio de 20 mil euros do programa concebido pelo ex-secretário de estado Pedro Lomba — apontado como "inconsequente" por alguns analistas e criticado pela oposição — "veio mesmo a calhar”, graceja Rita. A psicóloga estava na Tailândia a dar aulas (e a fugir do frio londrino) quando uma jornalista da RTP, amiga de uma amiga, a contactou. Estava a fazer um trabalho sobre emigrantes portugueses pelo mundo e queria saber o que achavam sobre o programa VEM. “Eu não conhecia. Fiquei a saber nessa altura que havia um apoio para aquilo que queria.”
Aquilo que Rita e Bárbara queriam era abrir em Portugal um espaço onde a tecnologia não tivesse lugar e as pessoas se relacionassem sem essa bengala, fazendo do yoga e do surf os principais meios para a “desintoxicação”. Um espaço onde um jantar fosse apenas um jantar — e não uma sessão fotográfica para o Instagram. Onde ninguém pudesse fazer “check-in” à entrada através de uma qualquer rede social. Onde as pessoas falassem apenas olhos nos olhos. Onde os telemóveis, "tablets" e computadores ficassem à porta. O reverso do que encontraram no Reino Unido nos anos em que lá viveram: “Em Londres, ninguém olha nos nossos olhos. Os ‘dates’ são combinados online, já não se fala sequer ao telefone. Usa-se Whatsapp, Facebook events... Perdeu-se o encanto de um primeiro encontro”, diz Bárbara em conversa com o P3.
A “Offline Portugal”, marca que criaram, não tem uma filosofia fundamentalista contra a tecnologia: defende apenas que precisamos de pausas do online e a felicidade fica mais próxima assim. “De forma alguma queremos que os telemóveis e a internet desapareçam, apenas chamamos a atenção para o uso excessivo.”
A medicina dá-lhes razão. O estudo da dependência da internet foi recomendado na última edição do Manual de Doenças Mentais (DSM-V), lançado pela Associação Americana de Psiquiatria em 2013, e em Portugal o SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) alargou a área de intervenção a dependências sem substância, onde a internet é incluída. Um estudo do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) feito no final de 2014 também fazia coro: três quartos da população até aos 25 anos apresentava dependência do mundo digital e 13% destes mostravam mesmo sinais severos de adição, concluiram os investigadores.
As criadoras da marca “Offline Portugal” — cujo primeiro grande projecto é a “Offline House”, na Arrifana, mas que irá integrar também organização de eventos à volta do conceito “offline” — conhecem bem este diagnóstico. Antes de desenharem o projecto final, Rita e Bárbara leram vários estudos sobre dependências e "digital detox", um conceito nascido nos Estados Unidos da América em 2011 para responder a esta realidade. E perceberam que apesar da dependência crescente há também “um número crescente de pessoas a tentar reduzir o uso de redes sociais e tecnologia”. No Reino Unido, “mais de metade (53%) afirmam querer passar mais tempo de qualidade” com amigos e família.
Os encantos da Arrifana, em pleno parque natural do sudoeste alentejano e costa vicentina, eram velhos conhecidos da dupla. E quando pesquisavam o local ideal para a casa foi fácil chegar ali. Na “Offline House” há oito quartos — um deles com beliches, para estadias mais económicas — jardim e piscina. Há instrumentos musicais espalhados por todo o lado (e à disposição dos hóspedes), jogos de tabuleiro, xadrez, cartas e uma televisão que raramente vê o “on” accionado. Para ajudar na desintoxicação há surf, yoga e outros actividades feitas em parceria com instituições locais, com pacotes de três ou sete noites.
Desde Janeiro a viver na casa, as duas amigas e Sten, namorado de Bárbara que se juntou ao projecto como professor de surf, têm feito vários “testes” com amigos. E com eles próprios. Uma vez por semana, e alternadamente porque têm um negócio para gerir e precisam de estar contactáveis, desligam por 24 horas seguidas. E todos os dias ao final da tarde ficam “offline” e incontactáveis para o mundo. A principal diferença? “Passamos a ter mais tempo para tudo”, diz assertiva Bárbara Miranda. E Rita Gomes acrescenta: “Não é imediato. A gestão de emoções demora. Mas depois de nos habituarmos a estar sem rede a diminuição do stress é enorme.”