É inevitável a desumanização da Europa?
Na sua última crónica, Jorge Miguel Campos pretende esclarecer ambiguidades, mas no máximo consegue é expor uma abordagem tendenciosa, parcial e bastante incompleta da relação UE/ Turquia
Após a leitura da última crónica de Jorge Miguel Campos acerca da inevitabilidade do estabelecimento de uma aliança entre a Turquia e a UE, penso que seria interessante ter em conta alguns aspectos na medida em que o autor afirma ter a ambição de esclarecer ambiguidades mas que, no máximo, aquilo que consegue fazer é expor uma abordagem tendenciosa, parcial e bastante incompleta da relação União Europeia (UE)/ Turquia no que diz respeito à situação escandalosa que se vive na UE e que envolve milhares refugiados.
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Após a leitura da última crónica de Jorge Miguel Campos acerca da inevitabilidade do estabelecimento de uma aliança entre a Turquia e a UE, penso que seria interessante ter em conta alguns aspectos na medida em que o autor afirma ter a ambição de esclarecer ambiguidades mas que, no máximo, aquilo que consegue fazer é expor uma abordagem tendenciosa, parcial e bastante incompleta da relação União Europeia (UE)/ Turquia no que diz respeito à situação escandalosa que se vive na UE e que envolve milhares refugiados.
Neste parágrafo o autor sublinha que o actual panorama “ (…) é a hipótese de reforçar a cooperação com uma nação chave para a resolução de três problemas que ameaçam de forma destacada a União Europeia: a guerra civil síria; o crescimento da ameaça terrorista, com destaque para o ISIS; e a vaga de deslocados oriundos dos conflitos do Médio Oriente. Com o aproximar da Primavera e da bonança meteorológica, os fluxos intensificar-se-ão novamente e poderemos assistir a um segundo episódio do terrível caos humanitário (…) ".
O autor preferiu omitir que:
1) a guerra civil na Síria não "ameaça de forma destacada" a UE. A guerra civil na Síria chacina toda uma nação. Essa guerra civil é patrocinada pela UE, pelos EUA e pelos seus aliados. Os "danos colaterais" dessa guerra motivada e mantida por interesses puramente estratégicos e económicos são milhões de pessoas que viram as suas vidas e as suas casas destruídas, as suas famílias dizimadas e, pelo facto de muitas das zonas terem sido reduzidas a terrenos baldios repletos de destroços, se viram obrigadas a não se deixarem morrer, procurando uma hipótese de vida noutra parte do planeta.
2) O autor também ignora ou, mais uma vez, preferiu omitir que "o crescimento da ameaça terrorista" é sustentado pela própria Turquia que, ao comprar petróleo aos seus supostos inimigos — o ISIS — garante o seu apoio no combate aos seus verdadeiro inimigos — os curdos — que ocupam a região sudoeste da Turquia e cuja comunidade de estende pela Síria, Irão e Iraque. Prova disso são os bombardeamentos às posições do PKK no norte do Iraque que se seguiram ao atentado em Ancara.
3) A intensificação dos fluxos de refugiados e o "caos humanitário" aos quais o autor da crónica, hipocritamente, faz referência não são o resultado da melhoria das condições meteorológicas da Europa mas sim de um cenário de guerra na qual a UE e os seus aliados ocidentais participam e através do qual condenam milhões de homens, mulheres, crianças, idosos à indignidade, ao desespero, a um estado de infrahumanidade e à morte, dentro e fora das fronteiras da Síria. Aquilo que o mestrando em Comunicação Estratégica encara como sendo " (…) apenas o estímulo moralizador para uma aposta mais intensa no reforço da cooperação, solidariedade e responsabilidade entre estados" resulta na assinatura de um pacto entre a UE e a Turquia que visa a expulsão de todos os refugiados que tenham entrado através da Turquia, novamente, para o território turco. É de sublinhar que esse pacto viola a Convenção Europeia de Direitos Humanos e a legislação humanitária internacional. E é esta a UE distinguida com o Prémio Nobel da Paz?
Num ponto estou de acordo com o mestrando em Comunicação Estratégica: num panorama em que a UE viola as premissas mais básicas da legislação humanitária internacional e a sua própria convenção dos Direitos Humanos, faz todo o sentido que se alie a um regime sanguinário como o de Erdogan que, ao apoiar indefetivelmente a radical Irmandade Muçulmana (aconselho o autor a informar-se também sobre o que é esta organização) dá um novo conteúdo à máxima de Franklin Roosevelt: "Erdogan may be a son of a bitch, but he’s our son of a bitch". O que prova que ter aliados terroristas não é problemático. Problemático é ter opositores aos interesses estratégicos e económicos da UE, sejam eles realmente terroristas ou não.