Consequências da devastação florestal
O derrube desenfreado das florestas é a acção antrópica que mais contribui para o chamado “Aquecimento Global”.
A Ilha de Páscoa (Rapa Nui na língua nativa) situada no Oceano Pacífico (Polinésia Oriental), que hoje pertence ao Chile (3700 km da costa oeste deste país), esteve coberta por uma floresta subtropical antes da chegada de polinésios, há cerca de 1600-1700 anos (300-400 depois de Cristo). Esta floresta foi completamente devastada pelos rapanuios, o que, praticamente, provocou a extinção deste povo.
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A Ilha de Páscoa (Rapa Nui na língua nativa) situada no Oceano Pacífico (Polinésia Oriental), que hoje pertence ao Chile (3700 km da costa oeste deste país), esteve coberta por uma floresta subtropical antes da chegada de polinésios, há cerca de 1600-1700 anos (300-400 depois de Cristo). Esta floresta foi completamente devastada pelos rapanuios, o que, praticamente, provocou a extinção deste povo.
Um exemplo mais recente disso foi a devastação florestal da Islândia. Antes da colonização humana e da pastorícia, a região de baixa altitude e não muito afastada do litoral era coberta por uma floresta (taiga), predominantemente com árvores de folha caduca (pouco diversificada), arbustos e subarbustos. Seguia-se-lhe, em altitude, a tundra natural e, finalmente, no “andar” confinante com as neves perpétuas e glaciares, o “permafrost”, com vegetação esparsa, entre rochas e nas anfractuosidades das rochas, e rochedos nus ou cobertos de líquenes ou de líquenes e musgos.
Com a ocupação humana da Islândia, a floresta foi sendo derrubada, para construção de habitações e embarcações, produção de mobiliário e utensílios, bem como para lenha, acabando por desaparecer quase completamente (existem reduzidas relíquias da taiga natural).
Apesar de se ter este conhecimento, as florestas continuam a ser derrubadas a um ritmo verdadeiramente alucinante e drástico. Actualmente, por cada 10 segundos é derrubada uma área de floresta tropical correspondente à superfície do relvado de um campo de futebol, ou seja o equivalente à área de Inglaterra por ano. Assim, resta no Globo Terrestre pouco mais de 20% da cobertura florestal que existia depois da última glaciação (Würm), isto é, após o início do período actual, o Holoceno (Antropogénico). Números da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que, na década de 2000 a 2010, 13 milhões de hectares/ano dessas florestas tropicais foram derrubados. Por exemplo, no Brasil, que está entre os cinco países com maior área de floresta, a perda chegou a 2,6 milhões de hectares anuais. Da “Floresta Atlântica” brasileira (não confundir com “Floresta Amazónica”), vulgarmente designada por “Mata Atlântica”, resta menos de 6% do que existia quando os portugueses chegaram ao Brasil.
Apesar de se saber isso, a grande maioria da população mundial não tem a mínima noção do que está a acontecer ao planeta em que vivemos e que não é mais do que uma pequeníssima “ilha” do Universo, que temos vindo a desflorestar e que é, simultaneamente, uma grande “gaiola”, que temos vindo a abarrotar de lixo há milénios. Sabemos que as florestas, particularmente as equatoriais (pluvisilva), devido à enorme biomassa vegetal que elaboram diariamente, são ecossistemas de elevadíssima biodiversidade. Sabemos, ainda, que os seres vivos (biodiversidade) constituem a nossa fonte alimentar, fornecem-nos substâncias medicinais (cerca de 90% dos medicamentos são de origem biológica), vestuário (praticamente tudo que vestimos é de origem animal ou vegetal), energia (lenha, petróleo, ceras, resinas, etc.), materiais de construção e mobiliário (madeiras), etc. Até grande parte da energia eléctrica que consumimos não seria possível sem a contribuição dos outros seres vivos pois, embora a energia eléctrica possa estar a ser produzida pela água de uma albufeira ou por aerogeradores, as turbinas precisam de óleos lubrificantes. Estes óleos são extraídos do “crude” (petróleo bruto), que é de origem biológica.
Sabemos, ainda, que a nossa espécie depende de biodiversidade elevada, pois só aparecemos na Terra quando existia o máximo de biodiversidade no nosso planeta e, além disso, formamo-nos junto aos ecossistemas terrestres de maior biodiversidade, as florestas tropicais africanas. Além disso, constantemente se descobrem novas utilidades de plantas, animais e outros seres vivos, que, apesar de serem conhecidos há muito, ainda não estavam suficientemente estudados, alguns até já em vias de extinção.
Se continuarmos a derrubar as florestas como temos vindo a fazer, calcula-se que antes do fim deste século o planeta onde vivemos, praticamente, não terá florestas. Isto é, a Terra estará transformada numa “ilha” sem florestas, tal como aconteceu com a Ilha de Páscoa e com a Islândia.
O derrube desenfreado das florestas é a acção antrópica que mais contribui para o chamado “Aquecimento Global”, devido ao desaparecimento dos maiores consumidores de dióxido de carbono (CO2), como são as árvores tropicais, que chegam a ter 120m de altura e cerca de 6.000 toneladas de biomassa. Além disso, esses “monstros” vivos, são as maiores fábricas naturais de oxigénio (O2). Apesar de se saber isso, grande parte dos países não só não promove qualquer tipo de reflorestação, como também não consegue travar o derrube desenfreado e os incêndios florestais. Infelizmente, Portugal é dos piores exemplos. Todos os anos as nossas florestas, naturais ou de produção, são devastadas por incêndios de enormes proporções e em grande número. Os meses mais quentes em Portugal estão transformados em piroverões, que talvez venham a ser propagandeados como uma nova atracção turística lusitana. Por outro lado, a reflorestação também não é possível, pois os governos nacionais das últimas décadas, delapidaram e até destruíram os “Serviços Florestais”. Assim, as nossas montanhas estão novamente desnudadas de florestas e transformadas em desertos de rocha, com as bacias hidrográficas dos rios nacionais sem solos de retenção das águas pluviais. Por isso, as inundações passaram novamente à periodicidade anual e cada vez mais devastadoras, como são exemplos as dos rios Águeda (a Serra do Caramulo é, actualmente, um deserto rochoso) e Mondego (a serra da Estrela e da Lousã são rocha desnudada).
Não se trata de qualquer alarmismo, como, por conveniência, somos, por vezes, apelidados. Há mais de três décadas fomos considerados alarmistas quando começámos a alertar para a subida do nível médio dos oceanos, com a consequente erosão costeira. Infelizmente o “fenómeno” aí está à vista até dos mais incrédulos.
O que é lamentável é não termos governantes que tenham a mínima noção do desastre para o qual caminhamos se continuarem a preocupar-se, única e exclusivamente, com a economia e as finanças. Os noticiários das nossas estações de televisão são disso exemplo. Todos eles iniciam com a ”crise económica” e questões financeiras.
Enfim, se não forem tomadas medidas urgentes, brevemente a Terra será uma “ilha” universal, desflorestada, poluída, repleta de lixo e sem população humana.
Biólogo (jaropa@bot.uc.pt)