Portugal, a ciência e o futuro

É preciso sangue novo nas cátedras e este tem de entrar ao arrepio dos tradicionais compadrios.

No consulado de Nuno Crato, a ciência portuguesa, que tinha crescido visivelmente no tempo de José Mariano Gago, definhou. O orçamento diminuiu a olhos vistos, os números de bolsas e de projectos caíram a pique, os equipamentos anquilosaram. Para cúmulo, uma pseudo-avaliação, encomendada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) à European Science Foundation, dizimou metade das unidades científicas nacionais: por imposição de uma cláusula contratual, que só deixou de ser secreta por pressão dos média, metade das unidades deviam perecer. Os relatórios liquidatários foram feitos à distância, por júris a quem faltava em muitos casos competência. A direcção da FCT, chefiada por Miguel Seabra, ao atropelar as leis e os costumes mostrou não ter réstia de bom senso, não conseguindo sequer justificar a distribuição que fez pelos sobreviventes da fatia de erário público destinada à ciência. A comunidade científica foi-se apercebendo cada vez mais do despautério, a ponto de, no final da legislatura, já praticamente ninguém, a não ser o próprio ministro, defender a FCT.

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No consulado de Nuno Crato, a ciência portuguesa, que tinha crescido visivelmente no tempo de José Mariano Gago, definhou. O orçamento diminuiu a olhos vistos, os números de bolsas e de projectos caíram a pique, os equipamentos anquilosaram. Para cúmulo, uma pseudo-avaliação, encomendada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) à European Science Foundation, dizimou metade das unidades científicas nacionais: por imposição de uma cláusula contratual, que só deixou de ser secreta por pressão dos média, metade das unidades deviam perecer. Os relatórios liquidatários foram feitos à distância, por júris a quem faltava em muitos casos competência. A direcção da FCT, chefiada por Miguel Seabra, ao atropelar as leis e os costumes mostrou não ter réstia de bom senso, não conseguindo sequer justificar a distribuição que fez pelos sobreviventes da fatia de erário público destinada à ciência. A comunidade científica foi-se apercebendo cada vez mais do despautério, a ponto de, no final da legislatura, já praticamente ninguém, a não ser o próprio ministro, defender a FCT.

Manuel Heitor, o novo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que tinha sido secretário de Estado no período áureo de Mariano Gago, foi, honra lhe seja feita, uma das muitas vozes que reagiram em defesa da ciência em Portugal. Antes de chegar ao governo, promoveu e assinou um Livro Negro da Avaliação da Ciência em Portugal, que constituiu um impressionante repositório do que a administração anterior tinha feito em manifesto prejuízo do país. Espera-se, por isso, que vire agora a página e volte a colocar o sistema científico nacional numa trajectória de aproximação à Europa, o que significa o seu reforço significativo, em especial aproveitando a rede de unidades existente e rendibilizando os recursos humanos muito qualificados de que o país dispõe e que, não encontrando aqui acolhimento, estão a procurá-lo lá fora. A medida que tomou de formar um grupo de trabalho para definir a nova orientação da FCT teve o mérito de sinalizar o restabelecimento da confiança com a comunidade científica. O mesmo se pode dizer do encurtamento que ordenou dos efeitos da “avaliação” anterior, mandando preparar outra para 2017. E ainda da sua intenção, declarada numa entrevista ao PÚBLICO, de alargar o emprego científico (“Vou flexibilizar o emprego científico”, 27/2/2016).

No entanto, o problema criado pela FCT anterior está longe de estar resolvido. Em consequência do processo inquinado à partida pela intenção arrasadora, certas disciplinas e certas áreas geográficas foram favorecidas, ao passo que outras foram relegadas para uma infausta subalternização, em certos casos mesmo aniquilação, tornando o país pior. Pensava-se que o grande número de recursos submetidos seria examinado de um modo sério por peritos independentes, conforme exigia o regulamento. Mas a desilusão foi grande quando o novo presidente da FCT, nomeado pelo ministro após o compasso de espera do grupo de trabalho, assinou de cruz os processos que tinham sido deixados em cima da sua mesa. Não viu os dossiers, em vários casos feridos por absurdidades, tornando-se na prática mero executor do testamento deixado pelo responsável anterior. E não viu que afinal os recursos não foram analisados por peritos independentes, podendo ter havido conluio entre os painéis de avaliação e de recurso. Quando se apercebeu que estava dar a bênção a uma “avaliação” que ele próprio tinha criticado, o ministro declarou que o quinhão de centros condenados por Crato e Seabra não ia morrer às mãos dele. Contudo, uma vez que a maior parte dos meios já se encontram comprometidos, terá de mostrar que tem mais do que migalhas para dar aos deserdados do governo PSD-CDS. Ninguém reclama que se rompam os contratos assinados, mas manda a decência que sejam reparadas as injustiças flagrantes, que são não só materiais, mas também reputacionais. Reclama-se que se anule a “pena de morte” que impende sobre muitos cientistas. O ministro não ordenou ainda uma auditoria à “avaliação”, como o programa do governo indica expressamente, mas a ética mais elementar determina que ela seja feita para averiguar responsabilidades.

Por outro lado, a referida entrevista foi pouco clara no que respeita ao aproveitamento dos nossos recursos humanos. Heitor falou de “flexibilização” do emprego científico, um termo não muito feliz. O que ele tem que fazer – e rapidamente – é reforçar as universidades para que elas empreendam a renovação geracional que é absolutamente vital para o nosso sistema científico e de ensino superior. Ciência e universidade têm que se entrosar mais. É preciso sangue novo nas cátedras e este tem de entrar ao arrepio dos tradicionais compadrios. Temos jovens talentosos que merecem que se lhes dê futuro. Portugal precisa deles. O bom futuro deles será também o nosso.

Professor universitário (tcarlos@uc.pt)