Por dia, 12 pessoas morrem com infecções hospitalares em Portugal

Mortes associadas a infecções durante internamentos são sete vezes superiores aos óbitos por acidentes de viação em Portugal. Relatório oficial destaca a mortalidade pela primeira vez e ministério anuncia incentivos financeiros para hospitais que reduzam taxa de infecção

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A situação é condenada pelos sindicatos médicos, que, ainda assim, não se mostram surpreendidos Enric Vives-Rubio

O consumo de antibióticos está a diminuir, tal como a resistência aos antimicrobianos em Portugal. Mas as mortes associadas às infecções em internamentos - que atingiram 4606 casos em 2013, ou seja, mais de 12 por dia - são uma causa de preocupação para os responsáveis da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que pela primeira vez este ano destacam esta estimativa em comparação com o número das vítimas mortais em acidentes de viação, que é sete vezes inferior.

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O consumo de antibióticos está a diminuir, tal como a resistência aos antimicrobianos em Portugal. Mas as mortes associadas às infecções em internamentos - que atingiram 4606 casos em 2013, ou seja, mais de 12 por dia - são uma causa de preocupação para os responsáveis da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que pela primeira vez este ano destacam esta estimativa em comparação com o número das vítimas mortais em acidentes de viação, que é sete vezes inferior.

Para tentar contrariar este problema, o Ministério da Saúde vai dar em 2017 incentivos financeiros aos hospitais que consigam reduzir as infecções, adiantou o secretário de Estado Adjunto e da Saúde Fernando Araújo, durante a apresentação do relatório Portugal – Prevenção e Controlo de Infecções e Resistência aos Antimicrobianos 2015, esta terça-feira, em Lisboa. "Morre-se sete vezes mais por infecções do que nos acidentes de viação", enfatizou Fernando Araújo.

Mesmo "salvaguardando algum viés", porque é impossível determinar se a infecção hospitalar é a causa única da morte, os responsáveis pelo programa da DGS nesta área tão complexa recuperaram no relatório agora conhecido os dados sobre mortalidade já compilados no documento do ano passado, mas comparam os números com os óbitos por acidentes de viação, de forma a alertar a população para a dimensão deste problema.

O relatório inclui também as  projecções internacionais no longo prazo que atestam a magnitude das implicações da crescente resistência a antibióticos, a nível mundial: por volta de 2050, cerca de 390 mil pessoas na Europa e 10 milhões no planeta morrerão anualmente, vítimas deste problema, se nada for feito entretanto. 

Reportando dados de 2014, o documento assinala ganhos e perdas. Pelo lado positivo, assistiu-se a uma redução da incidência de algumas infecções, entre 2011 e 2014, como é o caso da pneumonia associada à intubação traqueal nas unidades de cuidados intensivos, que passou de 8,6% para 7,1%, e da infecção associada a cirurgias do cólon e recto, que desceu de 20,7,% para 17,2%. 

No que respeita ao consumo de antimicrobianos, observou-se uma queda, entre 2011 e 2014, de 27% no uso em ambulatório e mais de 8% a nível hospitalar na classe das quinolonas (antibióticos de largo espectro). Também pela positiva registou-se uma diminuição no consumo de carbapenemos, antibióticos de muito largo espectro indicados para utilização em algumas infecções graves por agentes multiresistentes. O consumo diminuiu pela primeira vez em Portugal, 5%, entre 2013 e 2014. Mesmo assim,  ainda é 2,3 vezes superior à média europeia, alertam os especialistas que notam que estes são muitas vezes a última arma terapêutica.

Na classe dos carbapenemos a principal ameaça é constituída pela bactéria Klebsiella pneumoniae, cujas resistências têm registado uma evolução de “maior magnitude”.  Em 2015, registou-se um surto de infecção por esta bactéria no hospital de Gaia, onde foram detectados 102 doentes portadores da estirpe da bactéria resistente a carbapenemos que fez três vítimas mortais, em Novembro. Portugal surge no relatório a meio da tabela, como um país onde já ocorrem surtos episódicos de infecção. Mas, no mapa europeu, a Grécia e a Itália figuram numa posição bem pior, estando numa situação endémica.

Voltando a Portugal, no que respeita à resistência desta bactéria a carbapenemos, entre 2013 e 2014 até se registou uma diminuição de 0,3 pontos percentuais, passando para 2,1%. Porém, até 2007 nem sequer havia qualquer registo a nível nacional de uma estirpe de Klebsiella pneumoniae resistente a carbapenemos. A primeira situação foi reportada em 2008 e, desde então, tem-se verificado uma tendência para aumento da percentagem de estirpes de Klebsiella isoladas. No relatório agora divulgado, os especialistas avisam que "a perspectiva do seu progressivo crescimento, a concretizar-se, deve inspirar cuidado, atendendo ao perfil de resistência extensiva e aparente facilidade de geração de surtos".

Os autores do relatório notam ainda que, em sentido inverso, na classe de antibióticos das cefalosporinas de terceira geração (antibióticos também de espectro alargado mas menos abrangentes do que os carbapenemos), entre 2007 e 2014, a taxa de resistência desta estirpe mais do que duplicou, subindo de 16,5% para 40,9%. Um aumento de 147%. Neste caso específico, e em comparação com os restantes países europeus, Portugal ocupa agora o segundo lugar com a taxa mais elevada de resistência.

Em 2014, embora se tenha registado um decréscimo na taxa de alguns microorganismos multirresistentes, como Staphylococcus aureus resistente à meticilinaEnterococcus ou Acinetobacter, as taxas ainda se mantêm elevadas, “considerando-se fundamental a sua redução”, refere ainda o estudo. A situação mais preocupante verifica-se nas bactérias classificadas como “Gram-negativo”. Exemplo disso é o caso da elevada resistência aos antibióticos da classe das quinolonas, da bactéria Escherichia coli, responsável por grande parte das infecções urinárias "não complicadas".

Um dos objectivos fundamentais do Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Infecções e Resistência aos Antimicrobianos é a redução das taxas de infecção associada aos cuidados de saúde, através da prevenção e do controlo da sua transmissão. O cumprimento e manutenção de boas práticas constituem o instrumento básico de prevenção da transmissão destas infecções. Por isso, está em curso uma campanha que se estende a todo o território nacional sobre as precauções básicas do controlo de infecção. Também os níveis de conhecimento para a saúde são considerados "prioritários", tendo como objectivo envolver o cidadão, tornando-o num "parceiro activo", lê-se no documento. 

O grupo de trabalho da DGS avançou entretanto com programas de apoio à prescrição de antibióticos nas unidades de saúde, principalmente nas unidades hospitalares. A nível dos cuidados primários e continuados foram também implementados programas, apoiando os profissionais no esforço de promoção do “uso racional de antibióticos”, pois o seu uso recorrente pode torná-los menos eficazes. 

Em Portugal, funcionam vários programas de vigilância epidemiológica que incidem essencialmente nas principais infecções ou procedimentos de maior risco, como a infecção nosocomial da corrente sanguínea, a infecção adquirida nas unidades de cuidados intensivos de adultos, a infecção do local cirúrgico, e a infecção adquirida em unidades de cuidados intensivos neonatais. A adesão tem sido crescente, resultando os dados de 2014 da participação de 393 serviços em 59 hospitais.