Debate instrutório dos vistos gold começa hoje

Patrão de José Sócrates foi apanhado nas escutas da Judiciária a dizer que ia ser apresentado a António Costa e que controlava o então vice-presidente da Câmara de Lisboa. Primeiro-ministro e Manuel Salgado negam contactos com Lalanda de Castro.

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Juiz Carlos Alexandre daniel rocha

Começa hoje no Palácio da Justiça, em Lisboa, o debate instrutório do processo dos vistos gold. No final desta espécie de pré-julgamento o juiz de instrução criminal Carlos Alexandre terá de decidir se existem indícios suficientes da prática de crimes económicos para levar a tribunal mais de dezena e meia de arguidos.

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Começa hoje no Palácio da Justiça, em Lisboa, o debate instrutório do processo dos vistos gold. No final desta espécie de pré-julgamento o juiz de instrução criminal Carlos Alexandre terá de decidir se existem indícios suficientes da prática de crimes económicos para levar a tribunal mais de dezena e meia de arguidos.

A concessão de vistos dourados a cidadãos chineses em condições mais favoráveis do que permitiam as leis e regulamentos em vigor é o lado mais visível da acusação formulado pelo Ministério Público. No entanto o processo encerra outros aspectos tão ou mais relevantes no que à imputação de crimes a altos dirigentes da administração pública e governantes diz respeito.

É o caso do papel que o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo terá desempenhado quer na contratação de helicópteros Kamov para combate a incêndios quer no perdão, por parte do fisco, do pagamento de 1,8 milhões de euros de IVA num negócio destinado a tratar em hospitais portugueses feridos de guerra líbios em que estava envolvido um amigo seu, Jaime Gomes. O Ministério Público suspeita de que Miguel Macedo, ao qual imputa três crimes de prevaricação e um de tráfico de influência, intercedeu pelo amigo junto do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio e ainda junto do ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, a quem terá pedido ajuda para desbloquear a vinda para Portugal dos feridos após o encerramento da embaixada portuguesa em Trípoli, em Julho de 2014.

Jaime Gomes tinha como parceiro neste negócio o patrão de José Sócrates na farmacêutica Octapharma, Lalanda de Castro. Quer um quer outro foram entretanto constituídos arguidos no processo dos vistos gold, após serem escutados pela Judiciária. Numa das conversas telefónicas registadas pela polícia a 12 de Novembro de 2014, véspera da detenção de grande parte dos arguidos, Jaime Gomes diz a Lalanda que quer arranjar maneira de António Costa, então presidente da Câmara de Lisboa, receber um investidor chinês interessado em desenvolver um projecto imobiliário nos terrenos da antiga Feira Popular. O investidor chinês pretendia não se submeter à hasta pública prevista pela Câmara de Lisboa.

“Falas ao JS [José Sócrates], ao teu subordinado. Dizes-lhe que ele [o investidor chinês] quer comprar a Feira Popular”, sugere o empresário amigo de Miguel Macedo. Quando o patrão da Octapharma conta que no dia seguinte irá jantar em sua casa com António Costa, o qual lhe será apresentado por José Sócrates, Jaime Gomes dá-lhe instruções: “Então vais dizer ao Costa amanhã no jantar que tens um conhecido que quer comprar a Feira Popular”.

E explica-lhe que até àquela altura o investidor em causa só conseguiu ser recebido pelo então vice-presidente da autarquia, Manuel Salgado. “Conheço o Salgado muito bem”, responde-lhe o patrão de Sócrates. “Eu mando no Salgado”, garante. O amigo de Miguel Macedo não se dá por satisfeito: “Já sei que mandas no Salgado. Eh pá, mas eu não quero que mandes no Salgado. Eu quero que tu mandes no Costa”.

Questionado pelo PÚBLICO, Manuel Salgado, que continua a ser vereador do Urbanismo, declara não conhecer Lalanda de Castro, acrescentando não ter ideia de alguma vez ter estado com ele, mesmo nalguma reunião ou evento social. Diz ainda ignorar por que motivo o patrão de Sócrates se gabou de mandar nele.

No mesmo sentido vão as declarações do hoje primeiro-ministro, que nega ter tido agendado um jantar com o patrão da Octapharma, ou que José Sócrates tenha intermediado qualquer contacto entre os dois. Contactado pelo PÚBLICO, o advogado do empresário farmacêutico, Paulo Saragoça da Matta, não quis comentar este diálogo.

Uma vez que o jantar alegadamente aprazado não se terá chegado a realizar, o assunto não mereceu particular desenvolvimento por parte dos investigadores e não consta da acusação. O debate instrutório que hoje se inicia deverá terminar amanhã. Só posteriormente será conhecida a decisão do juiz Carlos Alexandre.