Adeus, Paulo. Vai e não voltes

Portas fez muito pelo jornalismo português, mas muito pouco pela política portuguesa.

Paulo Portas foi-se embora e os recados que deixou no seu discurso de despedida provam que não vale a pena termos demasiadas saudades dele. Sempre houve dois Paulo Portas. De um lado, o Portas solar, jornalista e polemista culto e brilhante, criador de frases de génio e uma cabeça dois dedos acima da dos colegas. Do outro, o Portas sombrio e impenetrável, dos Jaguares e das 61 mil fotocópias do ministério da Defesa, do benemérito Jacinto Leite Capelo Rego e dos submarinos, que há 25 anos circula pela política portuguesa com demasiadas suspeitas em cima de si e do seu partido.

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Paulo Portas foi-se embora e os recados que deixou no seu discurso de despedida provam que não vale a pena termos demasiadas saudades dele. Sempre houve dois Paulo Portas. De um lado, o Portas solar, jornalista e polemista culto e brilhante, criador de frases de génio e uma cabeça dois dedos acima da dos colegas. Do outro, o Portas sombrio e impenetrável, dos Jaguares e das 61 mil fotocópias do ministério da Defesa, do benemérito Jacinto Leite Capelo Rego e dos submarinos, que há 25 anos circula pela política portuguesa com demasiadas suspeitas em cima de si e do seu partido.

Na hora da despedida, o Paulo Portas solar deixou palavras bonitas à sua sucessora e aliviou-se de um par de lágrimas, enquanto o Paulo Portas sombrio resolveu atirar-se a Carlos Costa e realçar a importância das boas relações entre Angola e Portugal. Terei algumas saudades do primeiro, mas fico muito feliz por o segundo deixar a política activa. Não sou só eu: oito em cada dez almas que escutaram a sua defesa assolapada de Angola ficaram convencidos de que o futuro homem de negócios Paulo Portas é bem capaz de vir em breve a frequentar os salões de Luanda e seus arredores – e que, portanto, aquele foi menos um discurso sobre o seu passado do que sobre o seu futuro.

Portas recordou que há duas mil empresas portuguesas em Angola, que essas empresas “merecem protecção”, e que há 10 mil empresas que exportam para lá e que “não podemos esquecer”. Donde, “dentro do que a Constituição dispõe e a lei impõe”, Portas aconselhou que se evite “a tendência para a judicialização da relação entre Portugal e Angola”, porque “esse seria um caminho sem retorno”.

Mas como raio é que se impede a “judicialização” das relações entre Portugal e Angola? Isso Portas não explicou. Será que não se pode investigar possíveis crimes em Portugal que envolvam altas figuras do regime angolano? Será que temos de olhar para Portugal como a máquina de lavar favorita de Angola e agradecer a preferência? Tenho pena que o futuro homem de negócios Paulo Portas não tenha elaborado com mais profundidade acerca de tão brilhante conceito. Ele apelou a um “compromisso”, porque afinal “entre Portugal e Angola há afinidades electivas”, e eu fiquei com a ideia de que talvez seja um compromisso e umas afinidades electivas semelhantes àquelas que o procurador Orlando Figueira é acusado de ter praticado durante alguns anos, com grande empenho.

E como se não bastasse Angola, também o governador do Banco de Portugal apanhou por tabela. Já aqui disse várias vezes, e repito, que Carlos Costa terá certamente cometido muitos erros nos últimos anos. Mas quanto mais vejo políticos à esquerda (António Costa) e à direita (Paulo Portas) atacá-lo sem pudor, mais convencido fico de que o melhor para o país é que ele permaneça firme no seu lugar. “O Banco de Portugal continua a falhar”, diz o irrevogável Paulo Portas, esse homem que raramente falhou, sobretudo enquanto responsável pelo famoso guião para a reforma do Estado, um dos mais patéticos documentos que o país já teve o desprazer de ler. Portas que não brinque connosco. O país certamente precisaria da sua cabeça, só que agarrado a ela vem aquele género de pragmatismo luso-angolano que anda a enterrar o país há 40 anos. Portas fez muito pelo jornalismo português, mas muito pouco pela política portuguesa.