Médicos exaustos: do mérito à prevenção
São horas e horas seguidas até à exaustão nos blocos operatórios, noites nos cuidados intensivos e mais horas de bloco operatório.
Desde a faculdade que o curso de medicina exige trabalho intenso de estudo, pesquisa e dedicação. Um esforço enorme só mitigado pelo entusiasmo e paixão pela profissão, a “última profissão romântica”.
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Desde a faculdade que o curso de medicina exige trabalho intenso de estudo, pesquisa e dedicação. Um esforço enorme só mitigado pelo entusiasmo e paixão pela profissão, a “última profissão romântica”.
O curso e o internato de especialidade são um misto de estudo teórico-prático e investigação. Aprende-se o que está nos livros e bebe-se o “sumo” da sabedoria e experiência dos mais velhos. É um conhecimento que passa por osmose para o nosso cérebro e para as nossas mãos, no caso da cirurgia.
São horas e horas seguidas até à exaustão nos blocos operatórios, noites nos cuidados intensivos e mais horas de bloco operatório, por vezes 35 horas seguidas! Numa semana pode trabalhar-se mais de 100 horas em ambiente de grande stress e intensidade. Não falo de cor, mas sim por experiência vivida. Chega-se a colapsar num lugar qualquer do hospital, às vezes deitado como um cão! Este tipo de exaustão não é boa para os doentes (maior probabilidade de ocorrerem erros médicos), nem para o profissional.
A síndrome de burnout é um distúrbio psíquico de carácter depressivo e ansioso que leva ao esgotamento. Foi identificado em 1974 pelo psicanalista Herbert J. Freudenberger, em Nova Iorque, e está intimamente ligada à vida profissional, especialmente à área da saúde. Este distúrbio resulta de um “período de grande esforço no trabalho com intervalos muito curtos de recuperação.”
Dependendo da personalidade, alguns profissionais resistirão melhor do que outros, basta, por exemplo, que tenham necessidade de menos horas de sono e uma boa estrutura psíquica. A competição é tão forte entre colegas e as vagas tão restritas que nos faz ultrapassar os limites.
Se a isto ainda acrescentarmos os chamados "factores indesejáveis", isto é, factores que distorcem a livre concorrência e que são tão vulgares em Portugal, como é descrito por José Gil no seu livro Portugal e o Futuro, mais a situação se agrava. Estas "injustiças" levam com facilidade à depressão e ao esgotamento. Este quadro é mais frequente no sexo masculino e surge ainda mais nas personalidades introvertidas e de tipo sensitivo.
Por último gostaria de salientar a questão do mérito, ou melhor, a falta do seu reconhecimento. Como dizia George Halifax, o mérito é “como os rios, quanto mais profundo menos ruído faz”. E é assim que pessoas de grande mérito não vêm muitas vezes reconhecido o seu real valor pela interferência dos tais factores estranhos, facto que, aliado ao atrás exposto, pode em última circunstância levar a situações limite e mesmo ao suicídio, que entre clínicos atinge a impressionante cifra de 38% das mortes prematuras, segundo a psiquiatra Antonia Frasquilho.
Como poderemos então prevenir este quadro tão grave, que sendo silencioso e envergonhado se torna difícil de detectar? Há várias ferramentas que podem ajudar na sua detecção, como conversas periódicas com a psicóloga do serviço o que seria uma rotina saudável. Há também técnicas que podem ser utilizadas para a prevenção e que nos levam até a pensar que algumas poderiam fazer parte do curriculum de medicina. O coaching, por exemplo, as artes marciais e o mindfulness, recentemente abordado por Catarina Borges e Vânia Teixeira.
Aprender a cuidar de nós próprios para cuidar dos outros é o tema do excelente trabalho de Sandra Oltra, que demonstra que o autocuidado entre médicos é uma responsabilidade ética.
O primeiro passo, o do seu reconhecimento, diz respeito a todos nós e começa em nós próprios. Os alunos de Medicina devem ser preparados física e psiquicamente para as futuras condições de trabalho. O médico, enquanto paciente, deve ser tratado de forma atempada e rigorosa para se evitar uma situação de não retorno que pode terminar em catástrofe. Sejamos honestos, também somos humanos, também lambemos as nossas feridas. Nem sempre conseguimos ser "super".
"Nós poderíamos ser melhores se não quiséssemos ser tão bons" Sigmund Freud.
Cirurgião Cardiovascular