Simplificação legislativa procura tornar leis mais próximas das pessoas
O objectivo é tornar o Estado mais operacional e mais próximo dos cidadãos, para que estes percam menos tempo e tenham menos custos. A tarefa passa pelo estudo do impacto das leis antes de aprovadas e pela criação de um centro de competência no Estado para fazer essa avaliação.
O Governo estima ter poupado 11 milhões de euros equivalentes a 180 mil horas de trabalho do conjunto de produtores de batata existentes em Portugal. A estimativa resulta do estudo sobre o impacto da lei feito, de acordo com as novas regras de simplificação legislativa, para o processo de transposição da directiva europeia sobre regime jurídico da produção e comercialização da batata de consumo e da batata para semente, aprovado na semana passada.
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O Governo estima ter poupado 11 milhões de euros equivalentes a 180 mil horas de trabalho do conjunto de produtores de batata existentes em Portugal. A estimativa resulta do estudo sobre o impacto da lei feito, de acordo com as novas regras de simplificação legislativa, para o processo de transposição da directiva europeia sobre regime jurídico da produção e comercialização da batata de consumo e da batata para semente, aprovado na semana passada.
“A lei da batata decorre de uma directiva comunitária que não estabelece uma solução” fechada para essa regulamentação, explica ao PÚBLICO o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Miguel Prata Roque, acrescentando que “a tradição portuguesa na legislação é criar entraves, o regime anterior duplicava os requerimentos e impunha o pedido de uma licença”.
A opção do governo foi outra: “Substituímos o regime de licenciamento por uma comunicação ao Estado, agora é o Estado que tem que fiscalizar. Isto permite poupar 180 mil horas de trabalho no total dos produtores de batata. Avaliando o valor das horas poupadas, foram poupados 11 milhões de euros para os produtores de batata.”
Se o regime jurídico da produção da batata beneficiou das novas regras, uma lei foi já devolvida pela Presidência do Conselho de Ministros ao respectivo Ministério. Foi um diploma sobre o novo regime de aquicultura que iria ao Conselho de Ministros presidido pelo anterior Presidente Cavaco Silva. “Depois do estudo do impacto da lei percebeu-se que o regime seria kafkiano e não foi aprovada”, explica, adiantando que “estão a decorrer os trabalhos técnicos para o seu aperfeiçoamento, para a sua simplificação”.
A ideia do Governo é que “não vale a pena pedir ao cidadão duas vezes a mesma informação”, ou seja, “não faz sentido o Estado ter a informação através de um organismo e pedi-la novamente”. Prata Roque garante que o objectivo é “criar uma nova cultura na administração pública”, em que seja claro que “quanto mais kafkiano é o sistema, mais as pessoas fogem de cumprir a lei, esta deve ser simples e facilmente compreensível”.
O secretário de Estado reconhece que “é impossível sujeitar todas as leis a estes critérios de fiscalização”, logo “a prioridade são os diplomas que criam encargos às pequenas e médias empresas”. Garante que “o objectivo é criar uma barreira, uma protecção do interesse do cidadão e das empresas”. E refere que nos Estados Unidos “o estudo de impacto das leis só é feito quando envolvem verbas de 100 milhões de dólares americanos e no Canadá o limite é 50 milhões de dólares canadianos”.
Outra inovação introduzida pelo Governo é a de que a regulamentação das leis tem de estar pronta quando estas são aprovadas. O secretário de Estado alerta para o facto de haver, "neste domínio, um problema que foi deixado pelo anterior Governo”, já que” a reforma do código de procedimentos administrativos impõe que todos os regulamentos tenham 30 dias de consulta pública”. Assim, agora “uma lei só é aprovada se acompanhada das portarias regulamentadoras, mas estas tem de ser submetidas a consulta pública durante 30 dias, pelo que isso atrasa a entrada em vigor da lei”, frisa o secretário de Estado.
Limpar o sistema
A simplificação legislativa é uma das promessas do programa do Governo e começou a ser posta em prática logo com a decisão de que o Governo só aprova leis uma vez por mês, os restantes Conselhos de Ministros são para debate e preparação de trabalho. “Este Governo assumiu a opção de não legislar”, afirma Prata Roque, defendendo que “não serve resolver os problemas por decreto, hoje é mais importante e prioritário dotar a administração de meios para fazer vigorar a legislação existente.”
Assim, o Governo chefiado por António Costa legisla uma vez por mês, apenas este mês houve duas reuniões com aprovação de legislação, porque se realizou o Conselho de Ministros sobre Assuntos do Mar, que foi presidido pelo Presidente da República cessante, Cavaco Silva. Já a legislação que “afecte a vida de uma empresa só entra em vigor duas vezes por ano”, a 1 de Janeiro e a 1 de Julho, para que “possa ser possível informar os interessados”.
Esta inovação levou a uma diminuição das leis aprovadas. Ao fim de mais de quatro meses, “o Governo aprovou “uma média de 5,5 leis por mês”, explica Prata Roque, sublinhando que “o Governo anterior tinha uma média de 18 leis por mês, em 2009 a média foi de 28 decretos por mês, em 1995 era de 29 por mês e em 1986 de 45 por mês”, sublinha o secretário de Estado.
O objectivo é conseguir que as leis que existem sejam cumpridas e estejam regulamentadas. De acordo com um relatório da Assembleia da República aprovado no final da última legislatura, estavam por regulamentar 95 leis com origem no Parlamento. Destas, a lei n.º 34/2003, de 22 de Agosto, que estabelece o reconhecimento e a valorização do movimento associativo popular, continua por legislar há mais de 12 anos. É para evitar esta situação que Prata Roque anuncia estar a ser criado um calendário de regulamentação e um sistema electrónico de alertas para os vários ministérios.
Outra dimensão da simplificação legislativa que está a ser atacada pelo Governo refere-se ao emaranhado de leis que caíram em desuso em Portugal ao longo de quarenta anos de democracia sem nunca terem sido devidamente revogadas. Para por fim a essa situação, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros explica que foi iniciada “a inventariação de legislação a revogar”. O processo começou pelo princípio, ou seja, em 1975. Nesse ano foram já “identificados 438 decretos-leis” caídos em desuso”. Prata Roque adianta que o Governo vai “proceder à sua revogação de acordo com o critério que passa por obedecer “a uma sequência cronológica, numa base trimestral”.
Aposta na administração
A simplificação legislativa impõe que cada lei que afecte a vida das pessoas e das empresas tenha um parecer vinculativo da ministra da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, explica o secretário de Estado.
Um dos problemas que dificultam a implementação deste regime de simplificação legislativa é a falta de meios humanos, já que a Presidência do Conselho de Ministros “não tem uma unidade de avaliação de custos”, assume Prata Roque, que diz nunca ter funcionado a unidade deste tipo constituída pelo anterior Governo, junto do Ministério da Economia.
“A opção deste Governo é criar centros de competência dentro da administração pública”, para contrariar a “erosão que a administração tem sofrido, bem como por fim ao recurso a consultores externos”, diz Prata Roque. Para isso, acrescenta, “está já a ser instalado um centro de avaliação junto do Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros, de modo a “reforçar este Centro e cortar com os pareceres externos”.
Com este objectivo, “o Orçamento do Estado para este ano prevê já verbas que permitem contratar mais três consultores para o centro que tem 10 funcionários, o que equivale a um aumento de 33,3 %”, anuncia o secretário de Estado, que expressa um desejo: “Não podemos estar dependentes da boa vontade de cada governo. Quando eu deixar de ser secretário de Estado, é bom que o Governo seguinte mantenha este serviço, até porque tem memória história sobre o processo legislativo.”