Refugiados: para lá dos nossos muros!
Mal vai uma União quando perante uma crise existencial decide ignorar justamente o que lhe deu origem: os valores.
Desde o final de 2014, cada vez mais pessoas - na sua maioria refugiados - tentam entrar na Europa. Os Estados-Membros foram lentos a reagir e o pouco que conseguiram aprovar, não aplicaram. Veja-se o mecanismo de recolocação, que permite distribuir os requerentes de asilo por toda a Europa: só pela Grécia terão entrado mais de 800.000 pessoas, o mecanismo propunha que 96.000 fossem redistribuídas durante dois anos. No início de Março, menos de 900 tinham sido abrangidas...
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Desde o final de 2014, cada vez mais pessoas - na sua maioria refugiados - tentam entrar na Europa. Os Estados-Membros foram lentos a reagir e o pouco que conseguiram aprovar, não aplicaram. Veja-se o mecanismo de recolocação, que permite distribuir os requerentes de asilo por toda a Europa: só pela Grécia terão entrado mais de 800.000 pessoas, o mecanismo propunha que 96.000 fossem redistribuídas durante dois anos. No início de Março, menos de 900 tinham sido abrangidas...
Ainda que toda a solidariedade acordada fosse cumprida - e não foi - ela seria insuficiente para permitir à Grécia, em particular, gerir este influxo de pessoas.
O resultado desta (in)acção dos Estados-Membros transformou um movimento extraordinário de pessoas numa crise existencial da Europa, colocando em risco o mais tangível sucesso da integração Europeia: Schengen. Desde Setembro do ano passado, diversos países já reintroduziram controlos nas fronteiras internas.
Na passada semana, os Estados-Membros reuniram-se - uma vez mais - com o Governo Turco. Na sua declaração, os Chefes de Estado e de Governo reconheceram a sua incapacidade em resolver a crise e fizeram-no "contratando" ou - na gíria inglesa - fazendo outsourcing à Turquia, para solucioná-la. Entre os serviços contratados, está, para futuro, fazer regressar a território turco todos quantos cheguem às ilhas gregas vindos de lá, inclusivamente os sírios, cujos pedidos de asilo têm sido maioritariamente aceites pelos Estados-Membros. Como contrapartida, poderemos ter de desembolsar 3 mil milhões de euros (a acrescerem aos 3 mil que já tinham sido prometidos em Novembro). Prometemos ainda facilitar a entrada de turcos na Europa. E prometemos reabrir o processo de adesão.
Para além da ironia de hoje aceitarmos o que em Novembro se considerava inaceitável, estas contrapartidas devem fazer pensar: o dinheiro prometido em Novembro ainda não está reunido; os turcos com frequência ultrapassam a duração do seu visto, ficando a residir ilegalmente na UE; e a adesão da Turquia, levanta por si só um debate em toda a sociedade europeia. Não menos relevante, o Acordo ignora os evidentes problemas democráticos, de respeito pelo Estado de Direito e pelos Direitos Fundamentais, abundantemente assinalados pela Comissão Europeia, pela Eurojust e por diversas Organizações Não Governamentais.
Por outro lado, aquilo que pedimos à Turquia, levanta outras questões. O futuro Acordo parece acreditar que o mecanismo de recolocação (que não funcionou entre os Estados-Membros) irá afinal funcionar entre a Turquia e a UE. Acresce que todos os Estados-Membros da UE ratificaram a Convenção de Genebra e os seus protocolos - os instrumentos mais importantes de direito internacional no âmbito dos refugiados. E a União Europeia tem um conjunto de regras mínimas europeias relativas ao asilo. Mas a Turquia não só não está abrangida pelo Direito Comunitário como só está obrigada a aplicar a Convenção de Genebra a refugiados... europeus. Esse é o modelo falhado de guantánamo: enviar as pessoas para um território onde não haja os constrangimentos que existem no nosso.
Mal vai uma União quando perante uma crise existencial decide ignorar justamente o que lhe deu origem: os valores.
Deputado do PSD ao Parlamento Europeu