Catarina Portas faz parceria para tentar salvar Casa Alves
O novo proprietário do edifício da mercearia histórica de Alfama deu à família Alves, naquele espaço há 60 anos, “até meados de Julho” para sair. Empresária tem criticado crescente descaracterização da cidade, de que é exemplo recente o novo McDonald's no Chiado.
Preocupada com o anunciado desaparecimento de mais uma mercearia histórica, Catarina Portas propôs aos proprietários da Casa Alves, na Rua São João da Praça nº 112, em Alfama, Lisboa, uma parceria com a sua loja, que passa por colocar na velhinha mercearia, nascida em 1957, produtos de A Vida Portuguesa à consignação.
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Preocupada com o anunciado desaparecimento de mais uma mercearia histórica, Catarina Portas propôs aos proprietários da Casa Alves, na Rua São João da Praça nº 112, em Alfama, Lisboa, uma parceria com a sua loja, que passa por colocar na velhinha mercearia, nascida em 1957, produtos de A Vida Portuguesa à consignação.
Trata-se, explicou Catarina Portas num post no Facebook (o PÚBLICO tentou contactá-la mas a empresária encontrava-se em viagem), de “uma escolha de produtos que possam completar a oferta [da Casa Alves], atraindo os estrangeiros que se estão a instalar no bairro […] sem nunca desvirtuar o espírito de mercearia”. A ideia é, com este apoio, tentar perceber se a Casa Alves “consegue facturar o suficiente para poder pagar uma nova renda actualizada (e, claro, certamente influenciada pela pressão turística)”.
Catarina conta que no dia 1 de Março uma equipa d’A Vida Portuguesa instalou-se durante a tarde e parte da noite na mercearia “e, entre caixotes e escadotes, arrumou, arrumou, arrumou”. Assim, durante os próximos três meses vai ser possível comprar produtos d’A Vida Portuguesa, para além dos habituais da Casa Alves. É o tempo necessário para “perceber se esta ideia funciona e para sensibilizar os senhorios”.
Para já, passaram-se apenas dez dias, mas, disse ao PÚBLICO, José Luís Alves, o proprietário, já se nota alguma mudança. “As pessoas passam na rua, vêem os produtos e, como são coisas nacionais, como as conservas, puxam mais pelo interesse”, explica, confirmando que tem vendido um pouco mais.
Os problemas da mercearia de Alfama começaram há já algum tempo em grande parte por causa da concorrência da grande distribuição, explica a empresária no Facebook. “E, à medida que Alfama foi perdendo habitantes, os fregueses foram diminuindo ao mesmo ritmo que as prateleiras se foram esvaziando”. Hoje é “a última mercearia da rua” graças, escreve Catarina Portas, ao sr. Zé Luís que, com a ajuda da filha Carina, “nunca desistiu”.
José Luís conta que a casa está na família há perto de 60 anos, primeiro com o seu pai e depois com ele há já três décadas. No entanto, sabe que é muito mais antiga. “Ainda tenho aqui um recibo com a data de 1917, do proprietário anterior, que depois passou a loja ao meu pai”. As coisas começaram a tornar-se mais difíceis “com a crise, como aconteceu com toda a gente”.
Mas o golpe fatal surgiu com a venda do prédio e a decisão do novo senhorio de fazer obras profundas e, ao abrigo da nova lei das rendas, enviar uma ordem de despejo. “O novo proprietário deu-nos até meados de Julho para sairmos”, conta José Luís, explicando que não lhes foi apresentada nenhuma alternativa.
Foi nessa altura Catarina conheceu Carina Alves, que lhe contou a história e disse que muitos turistas entravam na mercearia “mas apenas para tirar fotografias, por vezes lá compravam uma Pasta Couto ou um pacote de bolachas”. Dessa conversa surgiu a ideia de tentar uma parceria com A Vida Portuguesa. “Não sei como é que isto vai terminar”, diz José Luís Alves quando lhe perguntamos quais são as suas expectativas. “Mas vou fazer o que for possível. Quero que a loja se mantenha.”
Para Catarina Portas, esta é uma forma de ajudar Lisboa a “provar ao mundo inteiro que é possível resistir a algum comércio e turismo globais que tudo trituram para tornar todas as cidades uma amálgama sem interesse, descaracterizada”. E sublinha: “Esta causa tem vindo a tornar-se central na minha vida”.
Tem a convicção de que “Lisboa pode ser uma cidade extraordinária com história, identidade, diferença, carácter, diversidade”. Daí a recente indignação, também através do Facebook, com o anúncio da abertura de mais um McDonald’s no centro do Chiado, em frente à Brasileira.
Catarina Portas, que é membro do conselho consultivo do programa da Câmara Municipal de Lisboa Lojas com História, diz não compreender a forma como se está a deixar desaparecer muitas lojas históricas. Em Fevereiro do ano passado, a autarquia anunciou o programa para a projecção das Lojas com História com o qual, disse na altura a então vereadora da Economia e Inovação Graça Fonseca, se pretendia estancar a “sangria” do encerramento de espaços antigos. No entanto, admitiu também a agora secretária de Estado, a Câmara tem “limites de intervenção muito mais fortes do que as pessoas julgam”, não podendo, por exemplo, impedir que um McDonald’s se instale num destes espaços.
No seu post, Catarina explica que quando alguma publicação destinada a turistas lhe pedir sugestões sobre locais em Lisboa, gostaria de sugerir por exemplo o “Restaurante Palmeira (fechou em Novembro para dar lugar a um projecto de alojamento turístico)”, a Mercearia Alves ou a Loja da Fábrica de Sant’Anna “em processo de despejo para dar lugar a um hotel”, mas o mais provável é ter que mandá-los para “o McDonald’s do Chiado ou o Starbucks da estação do Rossio”.
No ano passado, graças a uma iniciativa do grupo de cidadãos Fórum Cidadania Lx, nasceu o Círculo de Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa, que integra várias lojas - incluindo a Casa Alves - e que tem por objectivo travar a tendência de desaparecimento destes espaços e revitalizar o comércio tradicional.