Bancos travam impacto da Euribor negativa nos empréstimos da casa
Só os projectos de lei do Bloco e do PCP podem obrigar os bancos a amortizar capital nos empréstimos à habitação.
A aplicação das taxas Euribor negativas aos empréstimos à habitação continua a gerar interpretações divergentes e só dois projectos de lei do Bloco de Esquerda e do PCP, em discussão no Parlamento, poderão obrigar os bancos a reflectir integralmente estas taxas e a assumir a amortização de parte do capital dos empréstimos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A aplicação das taxas Euribor negativas aos empréstimos à habitação continua a gerar interpretações divergentes e só dois projectos de lei do Bloco de Esquerda e do PCP, em discussão no Parlamento, poderão obrigar os bancos a reflectir integralmente estas taxas e a assumir a amortização de parte do capital dos empréstimos.
Numa altura em que as taxas Euribor já apresentam um valor negativo considerável, até porque todos os prazos utilizados nos empréstimos da casa já estão abaixo de zero, o diploma do Bloco de Esquerda pretende estabelecer que o valor negativo da taxa de juro tem de ser reflectido e aplicado nos contratos. O que pode ser mais grave para os bancos é que o projecto de lei estabelece que isso também se aplique “nas situações em que a aplicação da taxa de juro com adição da margem [do banco, o chamado "spread"] assuma valores negativos”.
A proposta de diploma, que em termos práticos obriga os bancos repercutir a taxa negativa no capital em dívida, assegurando uma parte da sua amortização, acontece numa altura em que os bancos sustentam que a carteira de crédito à habitação lhes dá prejuízo. Isto num contexto em que o sector financeiro está a lutar para regressar aos lucros (sem operações de carácter extraordinário).
Os dois diplomas – o do PCP complementa o do BE ao proibir alterações unilaterais das taxas de juro e de outras condições contratuais – pretendem responder à interpretação restritiva que as instituições financeiras estão a fazer da recomendação do Banco de Portugal (BdP) sobre esta matéria que não tem força de lei.
A carta-circular 26, de Março de 2015, refere que “nos contratos de crédito e de financiamento em curso não podem ser introduzidos limites à variação do indexante que impeçam a plena produção dos efeitos decorrentes da aplicação desta regra legal”.
Na prática, as instituições financeiras estão a abater o valor negativo da Euribor ao spread, mas ficam-se por aí – ou seja, de acordo com o que o PÚBLICO apurou, as instituições financeiras não estão a aplicar a Euribor negativa quando o spread é totalmente anulado, considerando que, a partir desse momento, a taxa de juro dos contratos passa a ser zero.
Se o valor negativo da Euribor (depois de anulado o spread) continuar a ser reflectido no contrato, o banco tem de amortizar mensalmente uma pequena parte do capital em dívida, acelerando o seu pagamento. É isto que os bancos não aceitam fazer e a recomendação do supervisor sobre esta matéria não tem força de lei.
Por enquanto, esta aplicação parcial da carta-circular só estará a ter impacto num número muito reduzido dos empréstimos (com spreads de 0,10% e 0,15%), mas pode assumir maior relevância nos próximos dois ou três meses, se as taxas Euribor continuarem a cair, como é expectável.
Exemplificando, a média da Euribor a três meses em Fevereiro fixou-se em - 0,184%. Aplicada esta taxa aos empréstimos com revisão no corrente mês e com um spread de 0,15%, a taxa final já fica abaixo de zero, dando lugar ao pagamento de capital. O contrato de futuros da Euribor a três meses para Junho coloca esta taxa em - 0,33% , o que anula os spreads de 0,25% e 0,30%, e, neste patamar, já começa a estar em causa um número considerável de contratos de empréstimos.
A maioria dos empréstimos à habitação em Portugal está associada à Euribor a seis meses, que está negativa em 0,115%, o que implica que, a manter-se a tendência de queda, como é expectável, vai começar a anular os spreads mais baixos e a reduzir o seu valor. Também a Euribor a 12 meses já está em valor negativo.
Decisão está nas mãos do PS
A resistência dos bancos à aplicação das taxas negativas começou no ano passado (a Euribor a três meses acumula valores negativos desde 26 de Abril) e foi por isso que o Banco de Portugal (BdP) publicou a carta-circular.
Questionado pelo PÚBLICO sobre a interpretação dos bancos, o BdP limitou-se a dizer que “está a acompanhar a implementação da Carta Circular n.º 26/2015/DSC”, mas o PÚBLICO sabe que o supervisor espera que a situação fique clarificada com os projectos de lei apresentados.
O BdP e a Associação Portuguesa de Bancos (APB) vão ser ouvidos no âmbito da discussão na especialidade dos dois diplomas, na Comissão de Orçamento e Finanças, que ainda não tem data marcada.
Contactada pelo PÚBLICO, a APB não se mostrou disponível para se pronunciar sobre os projectos de lei. No entanto, a associação está completamente contra a aplicação do valor negativo da taxa na taxa final, defendendo que a Euribor deveria assumir o valor de zero, o que permitiria aos bancos continuar a cobrar o valor do spread.
Numa tomada de posição anterior à carta-circular do BdP, a associação defendia que “constitui um contra-senso ter associado a um crédito – em que é a instituição bancária que presta um serviço ao cliente – uma taxa de juro negativa, pois tal significaria ser o banco a pagar ao cliente pelo empréstimo que lhe concedeu”.
Ainda quando a questão se colocava apenas ao nível dos juros que os bancos deixavam de receber, a APB recordava que a concessão de crédito é feita através do que se denomina por "contrato de mútuo oneroso", pressupondo, por isso, o pagamento de juros pelo mutuário, neste caso o cliente bancário, ou seja, quem é financiado”.
Os dois projectos de lei já foram aprovados na generalidade na Assembleia da República, com os votos favoráveis do PS, mas ainda não está garantido que o partido do Governo vá deixar tudo como está nos projectos do PCP e Bloco de Esquerda, que deverão ser fundidos.
No essencial, a iniciativa do Bloco estabelece as regras de aplicação da Euribor negativa aos contratos de crédito, que terá de continuar a ser reflectida sem limitações. O PCP pretende impedir que as instituições financeiras possam alterar taxas de juro e outras condições contratuais de forma unilateral, designadamente o preço de serviços ou valor das comissões previamente acordadas.
As taxas Euribor são fixadas pela média das taxas de juro a que um conjunto de 57 bancos da zona euro está disposto a emprestar dinheiro entre si no mercado interbancário. O comportamento das taxas neste mercado é explicado pela política monetária do Banco Central Europeu (BCE), que tem vindo a descer a sua taxa directora, agora reduzida a zero, e pela taxa negativa nos depósitos dos bancos na instituição.
Com a decisão do BCE desta quinta-feira, as taxas Euribor deverão acelerar a descida, o que é bom para quem tem empréstimos, mas que é negativo para quem tem poupanças. Alguns produtos de poupança estão directamente indexados à Euribor, como os certificados de aforro. Nos tradicionais depósitos a prazo a rentabilidade é actualmente muito reduzida ou mesmo nula nos prazos mais curtos.