Empresa que contratou Maria Luís Albuquerque diz que não recebeu apoios fiscais
Whitestar e Gesphone, compradas pela Arrow Global, tiveram benefícios fiscais de 423 mil euros entre 2011 e 2014. Mas ainda não há dados sobre 2015, ano em que foram adquiridas pelos patrões da ex-ministra.
A gestora de activos britânica Arrow Global, que contratou a ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque para administradora não-executiva – função que ocupa desde segunda-feira em acumulação com o lugar de deputada do PSD – garante que a empresa “não recebeu qualquer tipo de isenção de impostos ou benefícios fiscais em Portugal”.
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A gestora de activos britânica Arrow Global, que contratou a ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque para administradora não-executiva – função que ocupa desde segunda-feira em acumulação com o lugar de deputada do PSD – garante que a empresa “não recebeu qualquer tipo de isenção de impostos ou benefícios fiscais em Portugal”.
A questão foi suscitada depois de ser notícia que duas empresas portuguesas suas subsidiárias – Whitestar Asset Solutions e Gesphone, compradas pela Arrow Global em Abril do ano passado – receberam benefícios fiscais entre 2011 e 2014 na ordem dos 423 mil euros. Um assunto que os deputados do PCP e Bloco de Esquerda querem ver esclarecido na subcomissão de ética do Parlamento que está a avaliar se a contratação de Maria Luís Albuquerque cumpre ou não o regime das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos.
Tudo indica que a Arrow Global não teve, directamente, benefícios em sede de IRC, mas falta saber se o mesmo aconteceu no período de tributação de 2015 relativamente às subsidiárias que entretanto foram por ela adquiridas.
Ainda não é possível validar esta informação a partir das estatísticas da Autoridade Tributária e Aduaneira, porque as empresas ainda terão de entregar este ano as declarações de rendimentos do ano passado e só depois disso o Ministério das Finanças divulgará a lista das beneficiárias de 2015. E nem a questão ficou esclarecida no comunicado que a empresa britânica emitiu nesta quarta-feira sobre a contratação da ex-ministra. “Maria Luís Albuquerque foi tão rápida a passar-se para uma empresa privada que nem sequer há dados dos benefícios fiscais do ano passado...”, ironiza a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, em declarações ao PÚBLICO. “O que é impressionante é que tenhamos de andar à procura, esperar, investigar, para que a lei diga o que está à vista de todos: é que há um claro conflito de interesses”.
O PCP e o BE querem ver esclarecidas as relações contratuais entre o Estado e o grupo Arrow Global e as suas subsidiárias, algo que a informação pública divulgada pelo fisco também não permite verificar na sua plenitude.
Uma das questões que os deputados querem ver preto no branco é se as subsidiárias das empresas receberam, de forma directa ou indirecta, apoios financeiros do Estado, além da questão dos benefícios fiscais, enquanto Maria Luís Albuquerque esteve no Governo entre 2011 e 2015, primeiro como secretário de Estado do Tesouro e depois como ministra das Finanças. O PÚBLICO tentou obter um comentário de Maria Luís Albuquerque, mas, apesar das várias tentativas, a ex-ministra esteve incontactável.
Como avançou o Expresso, e está expresso nas informações da AT consultadas pelo PÚBLICO, a Whitestar Asset Solutions e a Gesphone – duas empresas que em 2015 viriam a ser adquiridas pela Arrow Global – receberam nos três anos anteriores (de 2012 a 2014) benefícios fiscais no valor de 381,7 mil euros. O valor sobe para 423,4 mil somando o montante atribuído à Whitestar, em 2011.
A Arrow diz em comunicado que não recebeu benefícios fiscais em Portugal, mas não o esclarece em relação às empresas que comprou no ano passado. Limita-se a dizer que é dona da Whitestar Asset Solutions “desde de Abril de 2015, a qual é uma empresa sediada em Portugal e que cumpre escrupulosamente as suas obrigações fiscais de acordo com a lei portuguesa”. E frisa apenas que “nunca trabalhou com a Whitestar antes” de a comprar.
O papel do Parlamento
Uma das tarefas que os deputados esperam ver esclarecida pela subcomissão de Ética do Parlamento que está a avaliar o caso é saber se, de facto, os benefícios fiscais às empresas que estão hoje no universo da Arrow Global (antes e eventualmente depois da compra) são matéria para determinar um impedimento legal à contratação de Maria Luís Albuquerque, que entretanto já está em funções.
A subcomissão – presidida pelo deputado do PSD Luís Marques Guedes, ex-colega de Governo de Maria Luís Albuquerque – deverá avaliar se, no seu entender, a contratação da ex-ministra fere ou não o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, que diz: “Os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de três anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado, desde que, no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual”.
Maria Mortágua sustenta que é necessário esclarecer “qual é o papel da Arrow e a sua integração na economia portuguesa”, para se perceber “a gravidade do conflito de interesses” que o BE vê entre “quem geriu o sistema financeiro e uma empresa que compra activos com implementação no mercado local e que não é de hoje que está a comprar activos e créditos aos bancos portugueses”.
A Arrow Global é uma filial britânica do grupo norte-americano Arrow Financial Services, e tem como actividade central a compra de activos detidos por sociedades financeiras, nomeadamente créditos bancários ou dívida pública depois da reestruturação desses activos. No caso do mercado português, a empresa gere cerca de 5.500 milhões de euros em activos, tendo como clientes bancos e seguradoras, onde se incluía o Banif, que no final do ano passado foi alvo da resolução bancária. Em 2014, ano em que o Estado detinha uma posição maioritária no Banif, a Arrow Global diz que trabalhou com uma empresa concorrente da Whitestar no concurso de venda da carteira de crédito malparado do Banif.
As dúvidas dos deputados do PCP e do BE sobre os benefícios fiscais atribuídos às subsidiárias da Arrow (mesmo antes de se concretizar aquela compra) deram origem a requerimentos apresentados ao presidente da subcomissão de ética.
O deputado bloquista José Manuel Pureza quer conhecer a lista dos “de todos os activos comprados em Portugal e a empresas portuguesas por todas as empresas do grupo Arrow Global entre 2011 e 2015 com descriminação dos valores envolvidos e dos impostos associados a essas compras”, assim como os apoios financeiros atribuído “às empresas que estão hoje ou estiveram nos últimos cinco anos no grupo” britânico e as respectivas relações contratuais.
No mesmo sentido vão as questões colocadas pelo deputado comunista Jorge Machado, que questiona “se entre Junho de 2011 e Dezembro de 2015, a empresa Arrow Global, WhiteStar Asset Solutions, Gesphone, Carval ou outras subsidiárias da primeira empresa receberam de forma directa ou indirecta algum benefício fiscal ou incentivo financeiro”.
O deputado pergunta ainda qual é o “tipo de relação jurídica que o Estado Português teve ou tem” com estas empresas e se existe algum contencioso a correr entre o Estado e estas sociedades.
Os benefícios fiscais às empresas
A lista publicada no Portal das Finanças mostra que em 2011, a Whitestar Servicing Company teve um benefício fiscal de 41.726,93 euros, por majoração à criação de emprego, um dos apoios previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais. Pela mesma razão foram atribuídos 25.243,13 euros à Whitestar Asset Solutions no ano seguinte.
Em 2013, a despesa fiscal do Estado com este tipo de incentivos superou os 265 mil euros (101.652 euros atribuídos pela majoração à criação de emprego e 163.691 euros por via do regime do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento criado pelo Governo nesse ano). Em 2014, a Whitestar voltou a fazer parte da lista das mais de 16.400 empresas beneficiárias, ao serem-lhe atribuídos 71.914,64 euros mais uma vez enquadrados pelos apoios da majoração à criação de emprego.
Quanto à Gesphone, foram atribuídos benefícios fiscais atribuídos no valor de 19.200,11 euros em 2013 (18.975,11 através do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento e 225 euros por via da majoração das quotizações empresariais).