Mudou o Governo, mudou a marca: Costa troca Governo de Portugal pela República Portuguesa
Nova designação é mais abrangente. Governo diz que foi tudo feito internamente e que a mudança não terá custos. “O design não foi usado de forma estratégica, mas só de forma táctica”.
Mudou o Governo, mudou a marca. Em 2011, o Executivo de Pedro Passos Coelho anunciava a criação da marca “Governo de Portugal” e seu logótipo; agora, a equipa de António Costa preferiu deixá-la cair e substituiu-a por “República Portuguesa”. Porque é mais abrangente, justificou ao PÚBLICO o gabinete da secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro, Mariana Vieira da Silva. Apesar de mudarem a marca, os socialistas resolveram manter a imagem da bandeira de Portugal estilizada.
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Mudou o Governo, mudou a marca. Em 2011, o Executivo de Pedro Passos Coelho anunciava a criação da marca “Governo de Portugal” e seu logótipo; agora, a equipa de António Costa preferiu deixá-la cair e substituiu-a por “República Portuguesa”. Porque é mais abrangente, justificou ao PÚBLICO o gabinete da secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro, Mariana Vieira da Silva. Apesar de mudarem a marca, os socialistas resolveram manter a imagem da bandeira de Portugal estilizada.
Há cinco anos, a equipa de Passos criou a marca Governo de Portugal para, “numa medida de eficiência”, uniformizar as identidades visuais dos vários organismos estatais e “reforçar a auto-estima dos portugueses”. Deveria ser uma marca que sobrevivesse a futuros governos. No entanto, o Governo de António Costa decidiu alterá-la “assim que tomou posse” e agora lê-se nos sites, documentos e emails oficiais “República Portuguesa” e não “Governo de Portugal”. Tudo sem “custos adicionais”, assegura o actual Executivo.
Uma bandeira estilizada e arredondada, uma frase e a possibilidade de lhe adicionar módulos que identificam os órgãos governativos e organismos dependentes do Governo – como aquele que respondeu às perguntas do PÚBLICO sobre o tema e cujo email é rematado pelo logo “República Portuguesa” e a respectiva identificação do “Gabinete da secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro”, Mariana Vieira da Silva. Em 2011, era o gabinete de Miguel Relvas, então ministro dos Assuntos Parlamentares, a gerir o processo, cuja criação da marca Governo de Portugal foi anunciada num comunicado do Conselho de Ministros de 3 de Novembro.
A nova marca vinha acabar como facto de “cada ministério” ter “o seu logótipo próprio” com materiais e produções distintas – era o caso do emblemático logo do Ministério da Cultura, criado por Ricardo Mealha em 1997 após concurso público. Congelado pelo anterior Executivo por não terem um ministério para aquela pasta, o logo que viria a ser declinado há uma década na imagem de equipamentos públicos da Cultura como o Teatro São Carlos ou a Cinemateca, por exemplo, acabou por nunca ser devolvido ao uso público. Em 2016, com a tomada de posse do actual Governo voltou a haver Ministério da Cultura, mas já sob a marca “República Portuguesa”.
Sentido ideológico?
O Governo de António Costa decidiu mudar não a totalidade da imagem, mas o seu texto e, em parte, o seu pensamento. “República Portuguesa” porque é uma designação que considera “o Estado português no seu todo e não apenas uma parte deste”, lê-se num email enviado pela assessora de Mariana Vieira da Silva, Ana Albuquerque, em resposta às perguntas do PÚBLICO. “Essa necessidade era tanto mais evidente quando a denominação ‘Governo de Portugal’ estava presente nas receitas médicas, nas pautas das escolas públicas e em diversos documentos oficiais do Estado Português, o qual não deve confundir-se com o Governo”, acrescenta a assessora.
O actual Governo descreve a mudança parcial da marca como “uma adaptação da imagem herdada do XIX Governo” e, desde o início do ano, começou a ser mais visível nos sites do Governo, na sua documentação – como é o caso da proposta de Orçamento do Estado -, e nas suas contas nas redes sociais e plataformas como o Twitter ou o YouTube. Estender-se-á a todos os materiais de serviços públicos gradualmente.
A transição de uma marca para a outra demorou pelo menos quase um mês na Presidência do Conselho de Ministros (PCM), com algumas intermitências. Desde que os socialistas chegaram à PCM, na Rua Gomes Teixeira, a 26 de Novembro, os comunicados de imprensa do Conselho de Ministros deixaram de ter o logótipo ‘Governo de Portugal” e passaram a ter no cabeçalho apenas a esfera armilar em cinzento ou acompanhada da designação do gabinete de onde provinha a informação. Aliás, na semana anterior à saída do Executivo de Passos Coelho, os comunicados enviados pela PCM já não usavam qualquer logótipo.
Até que, a 23 de Dezembro, a PCM envia o primeiro comunicado da reunião do Conselho de Ministros com a nova marca República Portuguesa, embora a própria PCM continuasse ainda mais uma semana a enviar correspondência electrónica com a esfera armilar.
Questionada sobre que custos teve a decisão, a representação da secretária de Estado indicou que as mudanças foram feitas no seio do próprio Governo pelo Centro de Gestão da Rede Informática do Governo e que não serão criados materiais novos – existem “orientações claras para que a substituição de materiais nos gabinetes e serviços”, do estacionário aos impressos, “seja feita apenas quando os anteriores se tiverem esgotado”, diz o Governo, pelo que a mudança “não representará custos adicionais”. O actual Governo não respondeu ao PÚBLICO sobre se existiram também questões de pendor ideológico na origem das alterações à marca, que se tornou propriedade do Governo logo em 2011.
Questionado sobre um eventual significado político desta mudança, o politólogo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa António Costa Pinto diz que as mudanças de Executivo trazem sempre “vontade de alterar alguma coisa” e a imagem é a que dá uma percepção mais imediata. “Neste caso não só reforça os valores republicanos como é mais englobante [assinar República em vez de Governo]”, aponta o politólogo. “Stricto sensu, do ponto de vista dos símbolos, seria o Presidente da República que deveria poder usar essa assinatura”, acrescenta Costa Pinto que não lê aqui, porém, “qualquer mensagem ideológica para além da vontade de mudança”.
O sociólogo Pedro Adão e Silva aplaude a alteração, na qual reparou numa receita médica – “a ideia de que as receitas são de um Governo é absurda. Mudou o Governo mas as receitas continuam a ser do Estado”. “Tem havido uma tendência quase irresistível de todos os governos de fazerem confundir o Governo com o Estado. É preocupante que não façam essa distinção”, diz o investigador do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. “E é sobretudo paradoxal que um Executivo como o anterior, que se anunciou como liberal, tenha promovido essa indistinção entre o Estado e o Governo” ao criar a marca Governo de Portugal. O sociólogo espera que “numa democracia madura as pessoas consigam perceber esta separação de poderes entre Estado e Governo” que “vai para além da clivagem política”.
25 mil euros de marca
A marca “Governo de Portugal” levaria, segundo o comunicado do Conselho de Ministros que a revelou ao mundo em 2011, a “economias de escala, quer no desenvolvimento da imagem, quer ao nível da produção gráfica”. E “a entrada em funções de novos Governos”, com estruturas diferentes, implicaria “investimentos de adaptação do material gráfico, que foram assim evitados pela adopção desta marca uniforme”, acrescentava fonte do gabinete do ministro dos Assuntos Parlamentares ao Diário Económico. E precisava que o processo custou 20 mil euros, aos quais acresciam os cinco mil pagos pelo desenvolvimento da identidade visual à agência Brandia Central, “um preço simbólico”, frisava-se, “dadas as enormes limitações orçamentais”.
Já a ideia da marca, e do tipo de símbolo desejado, pertencia à empresa Arcos Comunicação, de André Gustavo Vieira, o publicitário e especialista em comunicação política brasileiro que trabalhou nas campanhas da coligação PSD/CDS-PP, como escreveu o PÚBLICO em Setembro. “Pediram para criar uma marca e já existia uma intenção do ponto de vista gráfico, nomeadamente o símbolo”, recorda o designer Hélder Pombinho, que então chefiou a equipa que trabalhou na marca “Governo de Portugal”, e que desde 2013 é director criativo na Young & Rubicam. A inspiração eram vários governos europeus, diz, como o da Holanda ou o da Alemanha, e foram dadas indicações abertas - mas havia “ideias claras”. “Queriam que o escudo fosse saliente”, que a coroa de louros em seu torno desaparecesse, exemplifica. O trabalho “mais típico” de criar marcas, com estudos de percepção e posicionamento, não foi o pedido e na Brandia fez-se a criação da estrutura base, dos templates, marcas e regras.
Na marca, “o símbolo” - lê-se nas Normas Gráficas de Identidade da marca Governo de Portugal, documento desenvolvido pelo gabinete de Relvas - “é o elemento mais forte da identidade do Governo” e “representa um país em acção”. Essa parcela, que se manteve, “funciona como um reforço da auto-estima dos portugueses e do orgulho no seu país” e as cores identificam o país, “atribuem carga institucional e apelam ao patriotismo”.
Em 2011, Ricardo Mealha, falecido em Outubro passado, sugeria ao PÚBLICO que se criasse um think tank para definir, em consenso, a identidade visual do Estado – “uma nova organização para a imagem do Estado português, válida para os próximos 20, 30 anos”. Defendia a importância da estabilidade da imagem do Estado português.
O “Governo de Portugal” em maiúsculas The Sans (documentos físicos) ou Trebuchet (versão digital) é agora uma “República Portuguesa” no tipo de letra The Serif. Mudanças que tanto Hélder Pombinho quanto Frederico Duarte, crítico de design, consideram ligeiras e com uma lógica-base, a distinção entre serviços do Estado e o Governo, um dos órgãos de soberania da República Portuguesa, “que faz sentido”, como resume o crítico.
Mas, por um lado, Pombinho ressalva que a comunicação da Presidência da República pode ser confundida com as mensagens da “República Portuguesa”. E, por outro, Frederico Duarte lamenta que em ambos os processos “o design não seja usado de forma estratégica” mas sim “bem usado, mas só de forma táctica”; ou seja, o design para resolver um problema pontual e “os designers chamados só no fim da linha” e não numa lógica de discussão a longo-prazo, quase de “pacto de regime decidido no Parlamento” sobre o que deve ser a identidade visual da República e do Estado.