O biscate da Maria Luís

Num sistema que se quer justo, igualitário e meritocrático, a Maria recebe assim os louros do trabalho desenvolvido enquanto ministra da Economia do anterior Governo

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Enric Vives-Rubio

À Maria Luís, ou simplesmente Maria, para os amigos, começo desde já por apresentar os meus parabéns: aos quarenta e oito anos de vida vai receber uma pipa de massa, mais ou menos 70 mil euros anuais por dois a quatro dias de trabalho por mês, e mais um tanto (10 mil euros?, trocos) para estar presente nas reuniões da administração de uma empresa de Manchester na qual a Maria será agora uma administradora não executiva.

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À Maria Luís, ou simplesmente Maria, para os amigos, começo desde já por apresentar os meus parabéns: aos quarenta e oito anos de vida vai receber uma pipa de massa, mais ou menos 70 mil euros anuais por dois a quatro dias de trabalho por mês, e mais um tanto (10 mil euros?, trocos) para estar presente nas reuniões da administração de uma empresa de Manchester na qual a Maria será agora uma administradora não executiva.

Num sistema que se quer justo, igualitário e meritocrático, a Maria recebe assim os louros do trabalho desenvolvido enquanto ministra da Economia do anterior Governo, trabalho esse feito em prol de quem agora lhe oferece um chorudo contrato e contra os interesses de, mais coisa menos coisa, dez milhões de portugueses, vocês incluídos, um banco falido e dois mil milhões de euros a mais em dívida.

Só tenho pena que o que aconteceu à Maria não aconteça a todos quantos, em Portugal, procuram ter brio em tudo quanto fazem. Se cá fora um bom empregado é uma mais-valia e um garante para o avanço de uma empresa, em Portugal um bom empregado é uma ameaça a quem o lidera, sendo premissa fundamental de toda e qualquer chefia rodear-se de uma cambada de imbecis incapazes de lhe chegar aos calcanhares ou fazer sombra. Felizmente, e porque em cada regra há sempre uma excepção, a nossa excepção é a Maria.

Por acaso, até tenho uns amigos em Manchester. Foram para lá há coisa de quinze anos e ainda andam a apanhar copos em discotecas ou a servir cafés do lado de lá do balcão, pelo que a chegada de tão ilustre personagem decerto trará alegria e esperança ao coração de tantos conterrâneos há muito emigrados, explorados, espezinhados, descoroçoados de vontade, sonhos e ânimo numa terra onde os professores têm de jurar a pés juntos às crianças que o sol nasce mesmo todos os dias, apesar de não o verem. Isto, se não chover (em Manchester quando não chove, cai uma carga d’água).

Duvido, no entanto, que a Maria tenha tempo para tomar um café ou dizer olá à malta lá da terra, ocupada que estará em defender os interesses dos seus novos empregadores como deputada na Assembleia da República nos outros 16 dias úteis do mês.

E por estas e por outras é que se fez a democracia, para libertar os povos do jugo dos governantes, ontem nos tronos de tantas terras, hoje radicados no topo do mundo empresarial, assim dando a possibilidade de nos regermos a nós próprios através dos deputados representantes. Por isso o alarme, e por isso a preocupação quando, preto no branco, se torna tão óbvia a perda de poder de um povo um dia soberano. Porque, de hoje em diante, e finalmente, sabemos de que lado vai estar a Maria a votar. Porque, a partir de hoje, temos um novo partido com assento parlamentar, um partido em quem ninguém votou mas que, por setenta mil euros anuais, se fez representar.