Uma janela modernista
Esta tríptica janela vienense permanece em aberto até ao próximo sábado na Casa da Música, no Porto.
Em pleno Ano Rússia, a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música (OSPCdM) abre uma arejada janela para a Viena dos finais do século XIX e inícios do XX, contexto espacio-temporal da maior riqueza que muito pesa na tradição musical europeia.
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Em pleno Ano Rússia, a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música (OSPCdM) abre uma arejada janela para a Viena dos finais do século XIX e inícios do XX, contexto espacio-temporal da maior riqueza que muito pesa na tradição musical europeia.
No sábado 27 de Fevereiro, deu a escutar conjuntos de peças para orquestra do mestre Schönberg (1874-1951) e dos seus discípulos Alban Berg (1885-1935) e Anton Webern (1883-1945), a que juntou também Seis peças para orquestra de Bruno Mantovani (1974), cujo imaginário não deixa de aludir a Schönberg.
Na sólida interpretação de Brad Lubman, talvez as Cores (nº 3 das op. 16 de Schönberg) não se tenham revestido da desejada subtileza máxima, mas a Peripécia (nº 4) não faltou energia equilibrada com uma boa dose de expressão. Nas op. 6 de Berg, destacou-se o trabalho realizado no plano dinâmico da segunda peça, face à imensidão orquestral da primeira, destacando-se ainda o trabalho seguro da percussão na última das três peças de Berg, sobretudo no final da mesma.
A segunda parte do concerto mergulhou numa atmosfera bastante mais lírica com as notáveis Seis peças op. 6 de Webern. A primeira peça foi encarada um pouco a medo, ficando em falta algum do brilho que a partitura exige, mas não tardou que a orquestra se mostrasse perfeitamente imbuída da delicada densidade da obra. Na marcha fúnebre, o naipe de percussão encontrou, ainda mais do que em Berg, lugar para revelar um trabalho excepcional, tirando também partido de um jogo de espaço. Prosseguindo num ambiente menos denso que o da primeira parte, a orquestração brilhante e clara de Mantovani não constituiu surpresa.
Na primeira das peças - a Jeanne Chevalier - pontuada por algumas notas de humor nas flautas, revelou-se um bonito solo de clarinete (instrumento que, aliás, havia já sobressaído em Webern). Caracterizadas por um certo eclectismo, as Seis peças evocam diferentes personalidades, de Gaudi ao musicólogo Frank Madlener, a última das quais “in memoriam Arnold Schönberg”.
Voltando o olhar para um dos raros protectores de Schönberg, terá sido uma proposta do maestro Leopold Hager a pertinente intercalação das Canções de um Viandante na interpretação da Sinfonia nº 1 Titã, de Mahler, no concerto da última sexta-feira, já que é sua a assinatura que surge nas notas introdutórias do programa.
A composição da sinfonia é contemporânea do referido ciclo de canções, partilhando temas entre si. Tratou-se, pois, de uma excelente ideia musical cuja execução se revelou também muito positiva, mesmo depois de ainda em Outubro passado a OSPCdM ter apresentado a mesma sinfonia sob a direcção do príncipe dos mahlerianos - Eliahu Inbal.
O primeiro acorde da Titã dificilmente poderia ter soado melhor, não podendo afirmar-se exactamente o mesmo na sua repetição, cerca de um minuto depois. Os violinos recuperariam notavelmente desse incidente, com um timbre lindíssimo e homogéneo na valsa.
A seguir ao primeiro andamento da sinfonia, pegando no tema melódico comum, a primeira canção (segunda no ciclo) traz um estranho desconforto com o cantor a tentar puxar para trás uma flauta demasiado rápida. A segunda canção, Wenn mein Schatz Hochzeit macht, mais escura e grave, mostrou-se mais adequada àquele que será o registo preferencial do cantor Nikolay Borchev, que viria a mostrar-se particularmente versátil na última canção, Die Zwei blauen Augen von meinem Schatz.
Com o segundo andamento da sinfonia iniciaram-se algumas dúvidas na afinação, seguramente disfarçadas, no entanto, com claras intenções musicais; novamente, homogeneidade tímbrica nos violinos e boa presença dos violoncelos.
O terceiro andamento da sinfonia, ouvido após as duas últimas canções, tornou claro que a afinação seria o “senão” deste exigente programa em que qualquer pausa para afinar teria destruído a unidade do conceito. Com fraseados bastante particulares, favorecidos por uma dinâmica cuidada que destacava alguma surpresa, e a energia quase explosiva com que o último andamento foi atacado (ou porque o ouvido tivesse já desistido de uma afinação rigorosa), o apoteótico final da sinfonia Titã saldou de forma muitíssimo positiva o concerto.
Esta tríptica janela vienense permanece em aberto até ao próximo sábado, dia 12, em que a OSPCdM regressa à segunda escola de Viena, com o Concerto para violino de Berg, a Noite Transfigurada de Schönberg e No Vento do Verão de Webern.