Maria Gadú: “O artista tem de fazer arte, não tem necessariamente de ser rico”

Após um sucesso precoce e prolongado, Maria Gadú surgiu em 2015 com um disco surpreendentemente maduro e cativante. Guelã chega agora aos palcos portugueses, esta sexta-feira no CCB, em Lisboa (21h) e dia 6 na Casa da Música, no Porto (também às 21h).

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Maria Gadú e as asas de Guelã. "Estou feliz com a minha geração" GARIEL WICKBOLD

O tempo de Shimbalaiê terminou. Aliás, em boa altura, pois não é possível uma canção escrita aos dez anos de idade continuar a ser bandeira e hino de uma cantora que completará 30 no fim do ano. Maria Gadú, no entanto, tem sido na música brasileira uma espécie de cometa-prodígio, aplaudida e seguida com fervor por muitos milhares não só no Brasil como pelo mundo. Até que chegou Guelã, em 2015, e com ele uma nova sonoridade, canções amadurecidas, quase uma nova cantora.

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O tempo de Shimbalaiê terminou. Aliás, em boa altura, pois não é possível uma canção escrita aos dez anos de idade continuar a ser bandeira e hino de uma cantora que completará 30 no fim do ano. Maria Gadú, no entanto, tem sido na música brasileira uma espécie de cometa-prodígio, aplaudida e seguida com fervor por muitos milhares não só no Brasil como pelo mundo. Até que chegou Guelã, em 2015, e com ele uma nova sonoridade, canções amadurecidas, quase uma nova cantora.

"Acho que foi o curso natural das coisas", diz Maria Gadú. "Os anos foram passando, eu fui estudando música, praticando, ouvindo muita coisa. As excursões que eu fiz pela Europa foram muito especiais, porque tive muito contacto com músicas do mundo, de várias regiões da África." A isto chama-se crescer musicalmente, e ela tem, agora, absoluta consciência desse crescimento.

Mas o que ficou para trás foi decisivo para o ponto a que ela chegou hoje. Nascida Mayra Corrêa Aygadoux, em São Paulo, a 4 de Dezembro de 1986, filha de mãe brasileira e pai francês, desde cedo viu o seu nome ir mudando. "Os meus amigos sempre me chamaram de Maria. Mayra é um nome complicado, as pessoas confundem. Quando vou embarcar num avião, dizem: ‘Pode ir, senhora Maiara.’ É uma loucura, isso sempre me irritou."

Daí até Maria Gadú (experimentem dizer o nome e o apelido dela em francês, em voz alta, e chegarão lá num instante) foi um passo. Aos sete anos já gravava músicas em cassetes, estudou violão, cantou em festas e bares desde os 13 anos. Com 21, mudou-se para o Rio e começou a tocar na Barra da Tijuca e na Zona Sul. Caetano, Milton, João Donato, Ana Carolina e outros começaram a prestar-lhe atenção e até a gravar com ela. E o resto é história, que se foi transformando em discos: Maria Gadú (2009), Multishow ao Vivo (2010), Maria Gadú e Caetano Veloso (2011), Mais Uma Página (2011), Nós (2013) e, finalmente, Guelã (2015), o disco que apresenta agora em Portugal, em dois concertos. Primeiro em Lisboa, no CCB (hoje, às 21h), depois no Porto, na Casa da Música (domingo, às 21h).

Cantar ao ouvido
Guelã tem dez temas, dos quais seis levam exclusivamente a assinatura dela (Suspiro, Ela, Tecnopapiro, , Vaga e Aquária) e três são parcerias com outros autores (Obloco, com Maycon Ananias; Semi-voz, com Maycon e James McCollum; e Sakedu, com Mayra Andrade). A décima é uma versão de Trovoa, do cantor e compositor paulista Maurício Pereira. "Fui com um amigo, jornalista de São Paulo, Marcos Preto, a um show da Gal e depois ele me mostrou essa música, dizendo que eu iria gostar. Fiquei uma semana ouvindo aquilo sem parar. A forma como eu estava sentindo se encaixou. A versão dele tem banda, mas esta é mais confessional, eu acho."

O tom da canção estende-se ao disco, que soa como se fosse quase falado ao ouvido de quem escuta. "Procurei fazer isso, sim. Mas para mim mesma, não para o disco. Entrei numa pilha de autoconhecimento, de ampliar muitas coisas: música, literatura, lendo novos autores. E o disco é resultado de tudo isso que consumi nos últimos tempos. A sonoridade foi mudando naturalmente, conforme eu me fui apegando à guitarra eléctrica, que agora uso em palco, junto com vários pedais, uma loucura. Sou louca por pedais, amo, fiquei viciada." E aplicou-se no estudo. "Gosto muito de estudar. Fico em casa e fico estudando, bastante. Isso abre muito os horizontes, a prática é uma coisa muito importante. Aí resultou nisto: quando fui ver, as canções nasciam nessa métrica."

A canção/vocalizo que fez com a cantora e compositora cabo-verdiana Mayra Andrade nasceu de um encontro no Brasil. "A canção foi composta em Paris, mas a gente se conheceu num festival no Rio de Janeiro, que se chama Back to Black, em 2009. Ficámos muito amigas, fui a Paris e gravámos a canção sem letra. Dissemos: ‘Depois a gente coloca.’ Mas nunca mais houve letra. E ficou assim."

Já James McCollum lhe surgiu um dia no camarim. "Ele apareceu depois de um show que a gente fez em Londres, no Barbican, há uns três anos. Apresentou-se, disse que produzira o disco da Nelly Furtado, e disse: ‘Vamos tomar uns copos?’ É um cara muito legal, superdivertido, mente aberta. Conversámos, depois fui passar uma temporada em Paris, Maycon [Ananias, seu parceiro musical de há uns anos] foi também, e encontrámo-nos de novo. E assim nasceu esse tema."

Arte pela arte
Não estranhem, no princípio do concerto, se as primeiras malhas de guitarra lembrarem o Lou Reed de Walk on the wild side. Porque é assim mesmo que começa Suspiro, a canção que abre o disco. "O show começa igual ao disco, Suspiro, Obloco, depois eu faço Bela flor, Escudos, canções mais antigas, mas com nova roupa. A forma mantém-se, mas muda a sonoridade." Com Maria Gadú (voz, guitarras, violão, pedais) estarão nos palcos do CCB e da Casa da Música Federico Puppi (violoncelo e baixo), Lancaster Pinto (baixo) e Felipe Roseno (percussão). Depois, Guelã rumará ao Luxemburgo (dia 11) e a Paris (dia 13), retomando os palcos brasileiros logo no início de Abril.

Maria Gadú, que já está a pensar num novo disco, elogia a cena musical paulista. "Muito rica. São Paulo está a viver um momento muito fértil. Dany Black, os 5 a Seco, Mariana Aydar, Tulipa Ruiz, Ana Cañas, Marcelo Jeneci, é uma cena bem movimentada. Tem o Terno, que é a banda do Tim, filho do [também músico] Maurício Pereira. E o prefeito tem organizado agora shows mais acessíveis pelo Sesc. Eu sinto que está bom, estou feliz com a minha geração."

Mas a relação com a indústria não é fácil. "Existe uma superestimação do artista, criada de há uns anos para cá pelas gravadoras. Que o artista tem de ser rico, ter carros e tal, e aí os bilhetes ficam muito caros. O artista tem de fazer arte, não tem necessariamente de ser rico. E isso é muito estranho isso, p’ra mim. Se se vive realmente, consegue-se viver da música." Ela vive, desde os 14 anos. E defende: "Música pela música, arte pela arte. Na minha geração, há uns dez anos ainda tinha esses sucessos. Shows para milhares de pessoas. Mas é um público voador. Hoje em dia há mais pessoas a fazer arte para públicos menores, mas absolutamente interessados."