E depois da União
E se, incrivelmente, assistirmos ao desaparecimento da União, tal como ela é hoje?
Alguém acredita que dentro de seis anos deixará de haver União Europeia (UE)? Sim, eu acredito que pode deixar de haver uma União como a que nos trouxe até aqui.
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Alguém acredita que dentro de seis anos deixará de haver União Europeia (UE)? Sim, eu acredito que pode deixar de haver uma União como a que nos trouxe até aqui.
Em 1983, em plena crise da instalação de mísseis nucleares americanos Pershing na Europa, ninguém acreditava que a URSS e o muro de Berlim cairiam dentro de alguns anos. No entanto, passados apenas seis anos cairiam, mudando o curso da história e fazendo-o perante a incredulidade do nosso olhar vidrado nos directos televisivos.
Tudo isto vem a propósito da necessidade de pensar o "impossível" antes que ele aconteça, ter uma posição pronta face ao não expectável e relembrar o passado nas suas múltiplas faces.
Pensemos em algo "impossível", algo que não se pode dizer se se for governante ou deputado num país da UE por poder influenciar os "mercados", mas que pode ser dito na conjugação da ucronia e da prospectiva.
Pensemos no "futuro fim da União Europeia" à luz do ocorrido nos anos 1980 na Europa e regressemos por momentos até esses anos. Pensemos na série televisiva "Deutschland 83", uma produção alemã que retrata a vinda de um jovem de 24 anos da Alemanha Democrática para a Alemanha Federal como espião da STASI.
O mais interessante dessa série não é a trama de espionagem, que é cativante, mas sim mostrar-nos a vida nas alemanhas dos anos 1980e fazer-nos lembrar que os noticiários de então faziam conviver o nosso jantar com uma provável guerra nuclear táctica na Europa ao mesmo tempo que nos davam conta das manifestações pacifistas.
Há coisas que regressam até nós vindas dos anos 19801, como os ténis Stan Smith, mas há outras coisas que esquecemos provavelmente por acharmos que não se repetirão.
Normalmente, diz-se que a Europa se salva sempre no último momento, que o seu futuro se constrói ao estilo do "pontapé para a frente e fé em Deus" e que essa é a matriz da construção europeia e que tudo termina sempre bem.
O problema com esse argumentário é que ele encontra reforço no sucesso do passado, ao bom velho estilo do "como sempre nos safámos, porque não haverá de acontecer o mesmo agora?" No entanto, o mesmo argumento pode ser utilizado ao contrário.
Aquilo que não se consegue imaginar vir a acontecer tem sempre mais probabilidade de poder acontecer, pois quando não se imagina não se procuram exemplos semelhantes no passado.
Por exemplo, é mais fácil imaginar a continuidade da União Europeia do que, tal como no passado aconteceu à União Soviética, a sua desagregação. Tal, sucede não porque a probabilidade não exista, mas porque preferimos não colocar a hipótese de que algo em que hoje vivemos possa deixar de existir.
Os grandes temas noticiosos da passada semana poderiam parecer não ter nada a ver com a continuidade da União Europeia. No entanto, quando falamos do orçamento português estamos a falar da continuidade da UE, quando falamos em Novo Banco e lesados do GES idem e quando se conjuga "Britan" e "Exit", obtendo "Brexit", estamos a falar de uma outra UE.
Se, incrivelmente, assistirmos ao desaparecimento da União, tal como ela é hoje, deve Portugal continuar na União? Devemos juntar-nos aos nossos parceiros ingleses que entretanto saíram? Mudar o Euro pela Libra?
Talvez, simplesmente, seja boa ideia, de vez em quando, fazer perguntas fora do contexto para podermos antecipar o momento em que o contexto muda, só para não sermos nós "antecipadamente" mudados por ele.
Gustavo Cardoso é Director do Barómetro de Notícias do ISCTE-IUL e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH Paris