TAP prometeu recuperar investimento no Brasil em oito anos
Carta enviada às Finanças em 2007 garantia retorno da aquisição da VEM. A compra, na qual esteve envolvido Diogo Lacerda Machado, continua sob investigação da PGR.
Quando procurou aprovação para a compra de 100% da deficitária unidade de manutenção no Brasil, a administração da TAP comprometeu-se a recuperar o investimento num prazo entre cinco a oito anos. A carta onde é dada esta garantia é um dos elementos nas mãos da Procuradoria-Geral da República (PGR), que continua a investigar o negócio e, mais concretamente, o prémio de quatro milhões pago à Geocapital. Uma empresa da qual é administrador Diogo Lacerda Machado, que tem participado, pelo lado do Governo, nas negociações com o consórcio privado que controla a companhia de aviação.
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Quando procurou aprovação para a compra de 100% da deficitária unidade de manutenção no Brasil, a administração da TAP comprometeu-se a recuperar o investimento num prazo entre cinco a oito anos. A carta onde é dada esta garantia é um dos elementos nas mãos da Procuradoria-Geral da República (PGR), que continua a investigar o negócio e, mais concretamente, o prémio de quatro milhões pago à Geocapital. Uma empresa da qual é administrador Diogo Lacerda Machado, que tem participado, pelo lado do Governo, nas negociações com o consórcio privado que controla a companhia de aviação.
A carta, a que o PÚBLICO teve acesso, é da autoria do antigo presidente da Parpública, José Plácido Pires, e dirigida ao ex-secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Carlos Costa Pina, em busca de uma autorização à compra da VEM (hoje M&E Brasil). No documento, de Fevereiro de 2007, o líder da holding que gere as participações do Estado na altura elenca uma série de argumentos para que o negócio avance, o que acabou por acontecer nesse ano, embora sem aval do Ministério das Finanças. Um dos fundamentos é, precisamente, o retorno esperado pela gestão. “O plano de negócios previsto para a VEM permitirá a recuperação do investimento num prazo razoável, ou seja, e segundo a administração da TAP, em cerca de cinco a oito anos”, lê-se.
Foi no ano passado que a compra da M&E Brasil, uma empresa dedicada à manutenção de aviões, completou oito anos. Mas o objectivo não foi, de todo, atingido. Aliás, desde que o negócio foi concretizado, houve apenas um ano em que deu lucro: em 2009, com cerca de 3,5 milhões. Em todos os restantes anos, a antiga VEM registou perdas, acumulando até 2014 prejuízos acumulados que ultrapassaram os 300 milhões. E, no ano passado, o resultado líquido foi novamente negativo, apesar de manter a trajectória de recuperação (até ao momento os números ainda não são conhecidos).
Como a carta de dez páginas demonstra, os impactos negativos não se resumem às sucessivas perdas. Aquando da aquisição, a administração da TAP previa “um processo de saneamento e reestruturação cujo financiamento poderá ascender a 144 milhões de euros”. Neste valor estavam incluídos 120 milhões para regularização de dívidas, cujos montantes vieram a revelar-se muito superiores, e 24 milhões para uma “reestruturação operacional”. Nesta última parcela cabiam oito milhões para “reforço do fundo de maneio” e outros 16 milhões para “redução de efectivos”. Aqui, porém, garantia-se que a intenção era cortar “cerca de 715 efectivos”, mas, na realidade, metade dos quatro mil trabalhadores da antiga VEM deixaram a empresa desde que a TAP ficou aos comandos.
O documento assinado por Plácido Pires, e que dá azo à já conhecida resposta de Costa Pina, em que pedia mais elementos para tomar uma decisão sobre o negócio, também faz referência ao controverso prémio pago à Geocapital, detida por Jorge Ferro Ribeiro e Stanley Ho, que está no centro da investigação da PGR. “Os órgãos de gestão da TAP pronunciaram-se no sentido da aquisição da totalidade do capital da Reaching Force [que detinha a M&E Brasil], o que envolve pagar à Geocapital o capital que lá colocou com um prémio de 20% (…), posição que compreendemos e aceitamos, já que a alternativa de ficar só com 15% não permitiria no futuro fazer beneficiar a TAP e o respectivo processo de privatização do potencial que esta aquisição apresenta, admitindo como boas as informações veiculadas pela TAP sobre os ganhos esperados com esta aquisição e que o valor actual da empresa é positivo”, escreveu Plácido Pires.
O que o ex-secretário de Estado e, agora, a PGR questionam é o motivo para o pagamento daquele prémio, no valor de 4,2 milhões. Se a aquisição tivesse sido feita até 2006 (ou seja, no próprio ano em que entraram na VEM), a TAP teria apenas de devolver à Geocapital os 21 milhões investidos pelo parceiro. Se o negócio só acontecesse após essa data, acrescia a esse valor um bónus de 20%. Dias antes de ser ouvido novamente pela Polícia Judiciária, no final de 2014, o presidente da TAP explicou ao PÚBLICO que a compra da M&E Brasil “foi feita da forma correcta”. Fernando Pinto atribuiu os maus resultados “à valorização do real face ao dólar, ao crescimento dos custos com mão-de-obra no Brasil e à crise de 2008”, assumindo que, quando fizeram o negócio, desconheciam parte dos processos fiscais e laborais que a empresa herdada.
A compra da antiga VEM aconteceu depois de ter fracassado o plano de aquisição da falida companhia de aviação brasileira Varig. Diogo Lacerda Machado, advogado e próximo do actual primeiro-ministro (foi secretário de Estado da Justiça quando Costa era ministro com esta pasta) que tem estado envolvido nas negociações com o actual dono da TAP, tinha assento na administração da unidade de manutenção do Brasil, em representação da Geocapital.