Tem 90 minutos? Guarde-os para um encontro musical com Chico Buarque
Criado em 2014, Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 minutos chega agora a Portugal, ao Coliseu do Porto (dias 8 e 9) e ao Campo Pequeno, em Lisboa (dias 11 e 12). Cláudio Botelho Charles Möeller, os seus criadores, falam-nos do que veremos e do que os motivou.
No ano em que completam (e comemoram) 25 anos do primeiro espectáculo juntos, a dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho traz aos palcos portugueses uma das suas recentes criações para palco: Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos. Na verdade, não são bem todos os musicais misturados numa nova trama teatral, mas um musical que a todos vai buscar inspiração, embora se guie exclusivamente por canções. Eles já explicam como e porquê, mas antes disso convém dizer que Charles Möeller (nascido em Santos, São Paulo) e Cláudio Botelho (Araguari, Minas Gerais, em 1964), são ambos actores, encenadores e autores teatrais, além de várias outras coisas, e que no último quarto de século têm levado à cena adaptações de numerosos musicais estrangeiros (Hair, Um Violino no Telhado, O Feiticeiro de Oz, Sweet Charity) e vários espectáculos brasileiros, como O Abre Alas, Ópera do Malandro, Sassaricando ou Milton Nascimento - Nada será como Antes. A versão da Ópera do Malandro apresentada em Portugal em 2005 tinha a assinatura da dupla.
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No ano em que completam (e comemoram) 25 anos do primeiro espectáculo juntos, a dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho traz aos palcos portugueses uma das suas recentes criações para palco: Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos. Na verdade, não são bem todos os musicais misturados numa nova trama teatral, mas um musical que a todos vai buscar inspiração, embora se guie exclusivamente por canções. Eles já explicam como e porquê, mas antes disso convém dizer que Charles Möeller (nascido em Santos, São Paulo) e Cláudio Botelho (Araguari, Minas Gerais, em 1964), são ambos actores, encenadores e autores teatrais, além de várias outras coisas, e que no último quarto de século têm levado à cena adaptações de numerosos musicais estrangeiros (Hair, Um Violino no Telhado, O Feiticeiro de Oz, Sweet Charity) e vários espectáculos brasileiros, como O Abre Alas, Ópera do Malandro, Sassaricando ou Milton Nascimento - Nada será como Antes. A versão da Ópera do Malandro apresentada em Portugal em 2005 tinha a assinatura da dupla.
Mas este espectáculo não é um derivado da Ópera do Malandro, ele nasce primeiro que tudo de um tempo de comemoração: em 2014, Chico Buarque fazia 70 anos (nasceu no Rio de Janeiro, a 19 de Junho de 1944) e isso era desafio suficiente. Cláudio Botelho recorda: "A princípio, pensámos num espectáculo em cima das canções de teatro, mas muitas delas são ligadas aos roteiros originais e não havia sobrevida para elas fora daquele contexto. Então como há muitas obras dele famosas, conhecidas e brilhantes no cinema, nos bailados e até em televisão, a gente estendeu um pouco o nosso critério. Inclusive para incluir momentos importantes da carreira dele como Bye Bye Brasil, Quando o Carnaval Chegar ou Mambembe." Cláudio e Charles já tinham celebrado também com um musical os 70 anos de Milton Nascimento e quiseram fazer o mesmo com Chico. "Era quase um compromisso moral. Falei para o agente do Chico e disse: quero ser o primeiro a celebrar a sua obra de um ponto de vista teatral. Houve vários espectáculos celebrando Chico no Brasil, mas eu queria usar o meu ambiente para fazê-lo." O título inspirou-se numa outra peça de que Cláudio Botelho gosta muito, As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos. "Adoro essa peça e era uma brincadeira com esse título."
Minimalista e feliz
A resposta foi positiva e eles lançaram mãos à obra. Cláudio explica o processo e o resultado: "Aquilo que nós temos são sete actores em palco, há uma pequena história mas não há diálogo. Todo o enredo é contado através das letras das canções." Não foi um trabalho fácil. "Foi difícil, mas esse foi o grande desafio. Pôr canções de uma peça como Gota d’Água a conversarem com canções de outro contexto. Por exemplo, há uma canção importa dessa peça, Basta um dia, é posta em diálogo com Mil perdões, que é a canção que Chico escreveu para o filme Perdoa-me por me Traíres [de Braz Chediak, 1980]. Em princípio, uma não tem nada a ver com a outra, mas na situação criada conseguimos abstrair do contexto original e trazê-las para a boca de personagens novas." O mesmo sucede, por exemplo, num medley composto a partir de três canções como O meu amor (da Ópera do Malandro), o Tango de Nancy e Ana de Amsterdam (de Calabar). "São de ambientes litero-musicais bastante diferentes, mas as três falam de sofrimento por amor."
E há canções que soam como se fossem uma peça inteira, por si só. Charles Möeller, por sua vez, cita Teresinha. "É um excelente exemplo, é uma peça inteira numa uma música só. Geni é outro exemplo. Tentámos fazer com que todas as músicas fossem de uma teatralidade absoluta e que tivessem começo, meio e fim. Teatralizar o contexto foi um trabalho muito minimalista e feliz."
O enredo, diga-se, assenta numa base simples: uma trupe de teatro itinerante (ou de saltimbancos, como também lhe chamam, ou de teatro mambembe, como é conhecido no Brasil) é posta em sobressalto pela chegada de uma nova actriz. Amores e desamores, cruzados com memórias. "O início do espectáculo é um teste para receber actores. E quem passa no teste é uma moça que vem desestruturar tudo aquilo. O meu personagem [Cláudio interpreta, o chefe da companhia] apaixona-se por ela. Um pouco à maneira do Teorema do Pasolini, ela vai mexer com todos da companhia, sendo que o personagem que eu interpreto tem uma demência, então nunca se sabe se aquilo que ele está a viver é real ou se se passa apenas dentro da cabeça dele." Isto remete-nos para uma obra de Chico, o romance Leite Derramado, onde o narrador tem o mesmo problema. "Exactamente. Isso não fica tão claro para quem conhece menos a obra de Chico, nem precisa ficar. Mas todas as pequenas falas que existem no espectáculo são trechos de romances ou canções dele."
Mimetismo nato
O contacto desta dupla com Chico Buarque é antigo. Cláudio recorda a sua "estreia" como ouvinte: "Tenho o hábito de dizer que eu não estaria aqui se não fosse o Chico. Eu sou do interior do Brasil, de Minas Gerais, e lá, numa cidade pequena, um tio meu tinha o LP de Meus Caros Amigos e eu, que até ali, só escutava o Roberto Carlos e música mais pop, quando a agulha do gira-discos encostou na canção O que será, a aminha vida mudou. O som da minha vida passou a ser diferente e eu tornei-me um chicólatra, alguém que correu atrás de toda a obra do Chico Buarque. Consegui encenar a Ópera do Malandro, por várias vezes, fiz também Suburbano Coração, que ele fez com o Naum Alves de Sousa, fiz um pequeno musical chamado Na Bagunça do Seu Coração."
Charles Möeller, por sua vez, não se lembra quando foi a primeira vez que ouviu Chico Buarque. "Eu sou de uma família de oito irmãos sendo eu o mais novo. Cresci escutando todos os compositores brasileiros e internacionais. Minha irmã mais velha adorava Dalva de Oliveira ou então, um outro, adorava Led Zepellin, Beatles, Rolling Stones, Noel Rosa . A minha casa sempre foi muito musical, o meu pai é um coleccionador de música, então sempre escutámos de tudo. Não tenho lembrança da primeira vez que escutei Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil pela primeira vez, pois todos os clássicos sempre fizeram parte da minha vida."
Já a apreciação de Chico como artista não lhe deixa dúvidas. "O Chico", diz Charles, "é um dos maiores compositores da MPB, ele tem uma característica muito impressionante: cada música é uma peça de teatro inteira. Ele é o compositor mais teatral que encarna mais personagens que eu conheço, ele transforma-se em mulher, homem, gay, malandro, suburbano, e é por isso que é tão teatral. O Chico tem um mimetismo nato. Chico para mim é teatro."
Charles sublinha que o seu principal objectivo "é sempre voltar para a obra do Chico Buarque": "Ele pontua a minha carreira inteira. A minha intenção é mostrar o Chico, não como biografia, mas sim defini-lo na sua melhor forma: um grande compositor e letrista e na excelência teatral que ele tem. Ele está o tempo todo no espectáculo como velho ‘Francisco’, um personagem que vai tendo amnésia dentro de uma companhia teatral mambembe e vai confundido as suas memórias com o que ele encenou, o que acaba sendo um pouco a história das nossas vidas . Estamos no nosso 39.º espectáculo e estamos tão inseridos no teatro que é a nossa forma de continuar vivos e sonhando. Chico define bem isso com : ‘Luz, quero luz, sei que além das cortinas são palcos azuis’. Isso é a essência da minha profissão."
Ao olhar para a obra do compositor, Charles diz que ela "é tão boa que é dificil tirar alguma canção para fora do espectáculo": "Conseguiríamos fazer um show de quatro horas e ainda deixar de fora coisas que nós amamos. A dificuldade está na excelência de sua obra." O momento mais gratificante? Charles diz, à semelhança das percações de Cláudio, que "é contar uma história através de outras peças, músicas que ele compôs para outras obras e tudo fazer sentido. Poderíamos fazer uma manta de retalhos, uma revista, e não dar certo. Com pouquíssimas falas, conseguimos contar uma outra história e todas as músicas se misturam fazendo sentido. Quando temos um material bom isso acontece."
Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos estarão em cena em Portugal. Primeiro no Coliseu do Porto, a 8 e 9 de Março (21h30), depois em Lisboa, no Campo Pequeno, a 11 e 12 de Março (21h30). Se tiverem 90 minutos livres, guardem-nos para um encontro musical com Chico Buarque. Depois dirão o que valeu.
Corrigido o local do concerto em Lisboa: é no Campo Pequeno, não no Coliseu dos Recreios.