Depois do fim da austeridade, irlandeses preparam-se para rejeitar Governo
A economia irlandesa cresceu mais do que a China no último ano e mantém o ritmo em 2016. Mas os estragos às instituições públicas parecem ter condenado a coligação que aplicou o resgate financeiro.
As eleições legislativas de sexta-feira na Irlanda dão-se num ambiente muito diferente ao de 2011. Foi o ano em que a actual coligação chegou ao poder, graças ao fracasso do anterior Governo na gestão da crise bancária de 2008, que ecolodiria dois anos depois no primeiro resgate financeiro na Europa depois do crash mundial. Em Janeiro de 2012, o desemprego atingia um pico de 15,2%. Seguiram-se os máximos de emigração no ano seguinte, em que se chegou ao ponto de mil irlandeses saírem do país todas as semanas.
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As eleições legislativas de sexta-feira na Irlanda dão-se num ambiente muito diferente ao de 2011. Foi o ano em que a actual coligação chegou ao poder, graças ao fracasso do anterior Governo na gestão da crise bancária de 2008, que ecolodiria dois anos depois no primeiro resgate financeiro na Europa depois do crash mundial. Em Janeiro de 2012, o desemprego atingia um pico de 15,2%. Seguiram-se os máximos de emigração no ano seguinte, em que se chegou ao ponto de mil irlandeses saírem do país todas as semanas.
Fine Gael e Trabalhistas irlandeses chegaram ao Governo para executar as duras medidas de austeridade da troika e colhem agora os resultados. A economia cresceu 7% em 2015 – mais do a China. Para este ano, o Governo projecta um aumento de 5% do PIB, mais do que em qualquer outro país na União Europeia. O consumo cresceu e o desemprego caiu para quase metade dos máximos de há quatro anos: 8,6%.
A coligação repete os argumentos usados pelos partidos de centro-direita em Espanha e Portugal antes das suas próprias eleições, mas com argumentos económicos muito mais fortes: reclama ter vencido a crise herdada do Governo anterior e ter reconvertido a Irlanda no “Tigre Celta” dos 90 e parte dos 2000. E, tal como os seus parceiros sul-europeus,está prestes a perder a maioria.
As sondagens prevêem que a coligação ficará longe dos resultados conquistados em 2011. Segundo a média de estimativas calculada terça-feira pelo Indicador de Sondagens, o Fine Gael mantém-se primeiro, mas deve cair dos 36% das últimas eleições para cerca de 28%, enquanto os trabalhistas sofrem uma perda abismal dos 19% para os 6% – sofreram ao mudarem de postura sobre a austeridade quando foram para o Governo, mesmo dizendo nas últimas semanas terem sido decisivos para que a Irlanda legalizasse o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2015.
Não há alianças evidentes e muitos esperam um cenário de indefinição política semelhante ao que se vive hoje em Espanha. O voto reparte-se por pequenos partidos – alguns criados durante a crise económica – e pela primeira vez em várias décadas não será dividido entre os grandes Fine Gael e Fianna Fáil – ambos de centro-direita. As últimas estimativas sugerem que o Fáil pode recuperar parte dos votos perdidos em 2011 e ficar em segundo com 21%, mesmo acartando ainda as culpas dos doze anos de poder que provocaram a crise. A terceira força é o Sinn Fein, antigo braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA), que se recusa a entrar em qualquer coligação em que não seja o líder.
História de sucesso?
O sistema partidário está fragmentado apesar da vertiginosa recuperação económica, em parte porque, como argumenta o colunista Fintan O’Toole no Guardian, as instituições públicas irlandesas estão hoje substancialmente mais fracas do que no início da crise. “Os cortes deixaram a polícia em apuros para controlar a violência dos gangues. O serviço de saúde está em crise, caoticamente sobrelotado e com listas de espera muito longas. Os cortes na Educação revelam-se nas crianças da austeridade: jovens entre os 13 e 19 anos na Irlanda estão classificados no 18º lugar na classificação de literacia dos 23 países da OCDE, e em 21º em numeracia [conhecimento matemático]. A pobreza infantil quase duplicou.”
A leitura de O’Toole é consensual à maioria dos observadores na Irlanda, que sublinham a sensação generalizada de que os proveitos da retoma estão mal distribuídos – oito em cada dez irlandeses sentem que o fosso entre os mais ricos e mais pobres se alargou, de acordo com a edição europeia da Politico.
No topo do enfraquecimento das instituições está a ideia, defendida, por exemplo, na revista Foreign Policy por Philippe Legrain, de que a retoma económica irlandesa se deve sobretudo aos mesmos factores que fomentaram o crescimento do “Tigre Celta” – mão-de-obra qualificada, empresas estrangeiras altamente especializadas atraídas pela baixa carga fiscal – do que pela receita recomendada pela troika, que, para além disso, transferiu muita da carga da falência do sistema bancário para o contribuinte comum.
Legrain argumenta que o sucesso da austeridade irlandesa é enganador – o país era um dos mais ricos na Europa no pré-crise e tinha quase emprego pleno. “[É] um disparate dizer que que foram as políticas europeias que o Governo Fine Gael-Trabalhistas fielmente adoptou que provocaram a retoma económica. Nem é verdade que economias com estruturas muito diferentes e uma carga insuportável de dívida pública, como a Grécia, possam imitar a história de sucesso irlandesa se simplesmente seguirem as instruções.”